Aracati

Thursday, 02 March 2006 22:02

À FLOR DA PELE

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Solange Guimarães. Solange Guimarães. Acervo da entrevistada.

 Poemas, imagens, arrebatamento. São algumas das palavras que traduzem a obra de Solange Guimarães, poeta aracatiense. 

Como você descreveria Solange Guimarães? 

Solange Guimarães é sensível. Do tipo que percebe se o céu está triste ou alegre. Não falo de chuva ou sol, falo de coisas além das nuvens. A mesma sensibilidade ela tem com relação aos outros seres, animados ou inanimados. Solange percebe em si a essência da vida. 

  

O que se manifestou primeiro? A poesia ou as artes plásticas? 

É difícil dizer porque eu era muito nova, entre 5 e 6 anos. Minha primeira composição, ao mesmo tempo literária e artística, foi uma história de amor em quadrinhos: um rapaz que perseguia uma jovem que o odiava e ele pacientemente foi conquistando-a; dizia ele: “Eu te amo, eu te amo”... e corria atrás dela. No final, acabaram se beijando. Aprendi a ler, escrever e desenhar antes de entrar para a escola. Caçula, eu observava meus irmãos mais velhos fazerem as tarefinhas escolares, via minha mãe pintar, e aprendia com eles. Escrevia cartas de amor aos garotos que me interessavam ao mesmo tempo em que desenhava “bonequinhas de papel” e vendia na escola. Então, perguntar para mim o que se manifestou primeiro, a poesia ou as artes plásticas é como me perguntar: “quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?” Eu simplesmente não sei. É mistério... Acho que já nasceram juntos. 

  

A inspiração tem hora e lugar para acontecer? Como é o processo de criação em sua obra? 

A inspiração tem hora: a hora em que ela aparece! E tem lugar: o lugar onde eu estiver! E ai de mim se eu não respeitar isso. A inspiração me surpreende em todas as horas e em todos os lugares. Já perdi muita “transpiração” boa porque na hora da inspiração eu estava presa a outras atividades imediatas, pois sou funcionária pública... Ou apareciam quando eu estava cansada da jornada, deitada, com preguiça de levantar, pegar papel e riscante... com o corpo todo espalhado na cama fofinha e abraçando o lençol cheirosinho... passava batido. O processo de criação em minha obra varia muito. Normalmente, a inspiração que agarro, eu memorizo e no momento mais adequado faço-a passear por todo o meu sangue. Eu a libero e deixo-a tomar conta de mim. Mantenho o controle sobre ela... é um exercício muito bom. Depois que a libero pelo meu sangue, transforma-se em sensações que vêm associadas aos pensamentos e imagens vividos no momento em que a inspiração me ocorreu. Aí vem a parte física do negócio: passo para o papel, ou para o computador (tela, quando é pintura) e vou aperfeiçoando até que me arrepie. Se me arrepiar eu digo: “agora sim, está bom”. Se não me arrepiar depois de vários ajustes, e, se ponho a palavra que for, se retiro excessos e sinto que está ficando cada vez mais sem maleabilidade, duro, técnico, mecânico... eu deixo de lado e penso que não foi inspiração apesar de ter sido uma criação. Nem toda criação nasce de uma inspiração. Algumas nascem tão somente pela vontade ou necessidade de criar. Aí a gente forja a inspiração catando, imaginando... Às vezes fica bom... mas se não me arrepiar, eu encosto. 

  

O que é ser poeta num país como o Brasil? 

Eu vou explicar como me sinto com relação a isso: Ser poeta no Brasil é como o astronauta que perdeu a nave em pleno vácuo espacial. Foi feito o lançamento, e ele foi avançando, avançando, conseguiu se desenvolver lá no espaço sideral com sua nave, adequou-se bem à falta de gravidade fora da órbita... Mas, algum de seus companheiros pede para ele ir lá fora, para consertar algo. Quando ele vai, esse alguém fecha totalmente as portas e ele fica lá fora. Cansado de bater, e pedir, e suplicar, desprende-se e vira satélite da própria nave. Tenta agarrá-la, mas não consegue. O jeito é se conformar em vê-la e acompanhá-la de longe até que venha uma outra nave amiga e o resgate antes que ele morra. Não sei se é assim que acontece quando um astronauta se perde da sua nave (não sei nem se um astronauta sai da nave em pleno espaço) ... Mas, se for, parabéns pra mim, se não for, parabéns de novo: por ter acabado de criar uma obra de ficção. 

  

Em que projeto você está trabalhando atualmente? 

Atualmente estou aguardando resposta de uma editora de Fortaleza quanto à publicação do meu romance histórico: BASE AÉREA DE FORTALEZA / CONTOS MEMORIAIS DE ALBERTINA. Ele já tem registro na Biblioteca Nacional e agora falta só publicá-lo. Também continuo compondo novos poemas e organizando os antigos. Não tenho pintado muito, mas, aqui e acolá eu dou minhas pinceladas. Pretendo, ainda, lá para o final deste ano, fazer uma exposição de arte plástica num local aberto. 

  

Os poemas apresentados no final desta entrevista fazem parte dos livros Poemas Escapulidos, inédito. Fale-nos um pouco do mesmo. 

Os meus Poemas Escapolidos são aqueles que, cuja maioria estava enfiada no fundo da gaveta por conterem um alto grau de sensualidade. Pesquisando sobre poesia contemporânea na Internet, encontrei poemas eróticos de poetas como Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Florbela Espanca e outros autores mais novos. Vi que se pode escrever sobre amor e sexo de maneira bela, pois a beleza está na alma de quem compõe e nos olhos de quem vê, principalmente nos olhos de quem se vê com relação ao sexo. Eu já tinha escrito “Tu, meu amante” e naquela minha inocência, 17 anos, recém-descoberta no mundo da poesia, foi um sucesso entre aqueles que o conheceram e eu não enxergava a sensualidade que sempre houve nas suas entrelinhas (o amor entre duas pessoas por si é erótico), hoje eu enxergo. Na época eu pensava que amante era todo aquele que amava... e de fato é, mas, infelizmente, usa-se a expressão “amante” com outro sentido. Então, vendo isso na internet, decidi assumir o meu lado quente de poeta, retirei as poesias da gaveta e encadernei sob o título: “Poemas Escapolidos” com dupla conotação: a 1a por terem escapado da prisão, a 2a por expressarem, realmente, todo o erotismo dos seres vivos sexuados. Ele vem ilustrado, também já tem registro na Biblioteca Nacional e é dedicado a alguém muito especial pela sua coragem que mudou a história do nosso país. Não vou dizer quem é. Mas todo o livro é um louvor à Coragem. Vale ressaltar que nem sempre dedicamos um livro a quem o inspirou, mas a quem naquele instante teve alguma importância para a vida de quem o escreveu. 

  

Solange Maria Barreto Guimarães 
Rua Doutor Alci Barbosa, 658 – Aterro – Aracati/CE 62800-000 
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Poemas integrantes da obra inédita "Poemas Escapulidos" 

  

SEM PUDOR 

És uma impressão que me inquieta toda 
E deixas o meu sexo atordoado... 
Tens olhos cálidos, tens grandes mãos, 
Mãos firmes que mais parecem garras! 

És uma impressão perseguidora, 
Penetras até o último céu do meu delírio: 
És um homem, um poema, literatura... 
Ainda mais impressionante no teu medo. 

Eu quero vesti-lo, experimentá-lo, 
Tê-lo cobrindo meu corpo nu, sutilmente, 
Para ver se me cai bem o teu modelo... 
Pois me cai tão bem a tua essência!... 

Teu caráter valoriza o teu modelo. 
Tu és ouro, és nobre, e és grande! Porém... 
Desejo-te, não por uma eternidade: 
O preço que eu pagaria por ti, não existe. 

 
3 MINUTOS 

Entre às minhas pernas, amado 
Com elas lhe envolvo bem mais forte, 
O tempo conspira contra nós; 
Agora, entre às minhas pernas! 

Cavalheiro, quer me beijar, agradeço... 
Quer me cobrir de doces, me lamber... 
Mas, depressa! Entre às minhas pernas... 
Não se zangue... são os ponteiros... 

Não me olhe assim, não sou fútil 
Esta sou (eu mesma) e lhe quero amar 
Tão somente dê-me sua boca, beije-me 
Feche os olhos, e entre às minhas pernas!! 

Nada no mundo vale mais que tu 
Um pouco teu para mim é banquete 
Não me digas que é migalha, isso ofende 
Pelo que és, três minutos me alimentam. 

Desejas amar com calma, entendo... 
Porque és homem, não apenas macho 
(suspiro) Mas quem te pede é mulher e fêmea... 
Perdemos tempo! minhas pernas se fecharam. 

 
SOBREMESA 

Tempera com tua saliva 
O meu corpo sobre a mesa 
Porque só com tempero 
Se conserva e dá sabor! 

Come-me com a língua 
Ela rasga mais que os dentes, 
Tritura e amassa bem mais... 
Sacia-te dos meus gemidos! 

Come viva esta carne 
Para sentires os espasmos 
Para ouvires o fôlego da vida 
Clamando por piedade. 

Depois, como que arrependido, 
Deita-te sobre mim, 
E para me consolares d’ânsia 
Encaixa-te a mim com ternura. 

 


Entrevista cedida por Solange Guimarães a Marciano Ponciano em 02 de março de 2006. 

 

Lido 448 vezes Última modificação em Thursday, 03 November 2022 21:33
Marciano Ponciano

MARCIANO PONCIANO- Sou natural de Aracati-Ce, terra onde os bons ventos sopram. Na academia da vida constitui-me poeta, realizador de sonhos, encenador de máscaras. Na academia dos saberes acumulados titulei-me professor de Língua Portuguesa e especializei-me em Arte-Educação. O projeto de vida é semear a arte por onde passe: teatro, poesia, artes plásticas- frutos da experiência acumulada em anos dedicados a ser feliz. Quando me perguntam quem sou - ator, poeta, encenador, artista plástico, educador? Afirmo: - Sou poeta!

Publicou:

Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. própria. Aracati-CE. 1996.

Caderno de Literatura Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2006.

aracaty. Caderno de Literatura Poetossíntese. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2010.

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O Grupo Lua Cheia, com sede na cidade de Aracati-CE, é um coletivo de artistas formado em 1990 com o objetivo de fomentar, divulgar e pesquisar a arte e a cultura.