Ao se rastrear a história política brasileira, em particular as rebeliões e o movimento abolicionista, localizam-se mulheres participando diretamente desses acontecimentos[2]. Além de nomes mais conhecidos como Nísia Floresta, Júlia Lopes, Francisca Júlia, entre outras, encontram-se inúmeras mulheres que, escrevendo livros ou poemas ou em salas de aula ou participando de reuniões, intervinham socialmente para abolir a escravidão e mudar a ordem política brasileira[3].
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É nesse horizonte de atuação que Emília Freitas tornou-se uma mulher de posicionamento político bastante definido acerca de diferentes temas, recitando poemas em público e colaborando com agremiações abolicionistas que pululavam na província cearense, tal qual em outras províncias do Império[4].
O traço abolicionista de sua produção poética, verificado também nas liras de outras poetisas contemporâneas suas, como Serafina Ponte Rosa (1850 a 1923) e Francisca Clotilde (1862 a 1935)[5], tanto confirma a inserção de mulheres nas atividades em prol da libertação dos escravizados, como relaciona a produção literária de autoria feminina à intervenção social, sendo este último movimento empreendido por intelectuais dos três últimos decênios do século XIX, que visavam à modernização do país. Segundo Sevcenko, eles “tendiam a considerar-se não só como agentes dessa corrente transformadora, mas como a própria condição precípua do seus desencadeamento e realização”[6].
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Essa tendência literária coincidiu com o recrudescimento das pressões políticas para se estabelecer o término da escravidão no Brasil. Relaciona-se ao processo de modernização iniciado na Europa a partir da Revolução Industrial que, por um lado, estimulou a elite letrada brasileira a refletir sobre a situação político-sócioeconômica do país e, de outro, exigiu do Império brasileiro a elaboração de medidas legais, ao longo do século XIX, como, por exemplo, a decretação da lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871).
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Referência:
OLIVEIRA, Alcilene Cavalcante de. Uma escritora na periferia do Império: vida e obra de Emília Freitas (1855-1908). 2007. 184 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação em Letras: Estudos Literários, Departamento de Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
[1] (Ferreira, 1990: 137)
[2] (Medeiros, 1988)
[3] (Bernardes, 1976; Muzart: 2000)
[4] (Medeiros, 1988; Needell, 1993)
[5] Serafina Ponte Rosa nasceu no Rio de Janeiro, sendo “filha natural”, foi adotada por uma família cearense e, com ela, mudou-se para Fortaleza, em 1873, onde viveu até falecer, em 1923. Sobre a escritora, ver: Constância L. Duarte. In: Muzart, 2000, 455 a 468. Francisca Clotilde nasceu no Ceará e lá se engajou no abolicionismo e na defesa dos direitos femininos, tendo publicado artigos nos periódicos locais e o romance A divorciada, em 1902 (Silva c: 2002.).
[6] (Sevcenko, 1993: 80-1)