Enquanto servia ao exército e trabalhava no comércio na cidade de Campina Grande, Mário se dedicava amadoristicamente ao futebol, jogando como goleiro pela equipe do Botafogo da Paraíba. Por volta de 1939, veio a Fortaleza pela primeira vez para disputar uma partida de futebol contra a equipe do Náutico Cearense. Nessa partida sofreu uma forte contusão ficando alguns dias hospitalizado.
Conseguindo, nessa oportunidade, fazer um grande círculo de amizades, Mário Della Rovere resolve então permanecer em Fortaleza. Ali ele inicia o Curso de Contabilidade na escola Técnica de Comércio do Ceará, chegando a ganhar diploma nessa profissão. Mesmo ganhando algum dinheiro no exercício da contabilidade, Mário não se sentia realizado, sua vocação na verdade estava noutra área, a da saúde. Matricula-se, então, no Curso Técnico de Enfermagem. Ao concluir o curso, passa a exercer a profissão que abraçou com dedicação por toda vida.
Para Juazeiro do Norte, transfere sua residência, e ali começam as atividades como enfermeiro, abandonando em definitivo a carreira de contador. Permanece um longo tempo em Juazeiro do Norte quando, então, se desloca para a cidade de Quixadá. Nessa época Mário era funcionário do IAPETC – Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transporte de Cargas. Naquela época não havia a unificação de todos os institutos de aposentadorias como hoje conhecemos o INSS. Em Quixadá, Mário foi convidado para ser o chefe do posto do IAPETC em Aracati e agente de saúde pública.
ARACATI COMO DESTINO
Tinha Mário Della Rovere 39 anos de idade quando aqui chegou, em 1956, para chefiar o posto de serviço médico do IAPETC, localizado na rua Cel. Alexandrino nº 156, onde hoje funciona a loja do Sr. Aluísio Menezes.
Homem acostumado às dificuldades da vida interiorana, Mário não estranhou a demora da chegada do pontão ao Porto José Alves no lado ocidental do rio Jaguaribe, pois ainda não havia a ponte Juscelino Kubitscheck, para atravessar o misto e os passageiros que vinham de Fortaleza para o Aracati. O local de desembarque final dos viajantes que chegavam a nossa cidade era o Porto Monteiro, de onde seguiam então para o centro da cidade, parada final da viagem.
Em 1956, Aracati era administrado pelo prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima, eleito no pleito do dia 3 de outubro de 1954, pela coligação “União Democrática Aracatiense”, com o slogan CAL – prometendo Calçamento, Água e Luz. Promessas que não pode realizar em sua totalidade, pois durante esse período na Prefeitura, a cidade de Aracati continuou somente com uma rua calçada, a rua Cel. Alexanzito, e a metade de outra rua, Cel. Alexandrino, realizações do próprio Abelardo Costa Lima. Infelizmente Aracati continuou sem água encanada. A energia era precariamente fornecida pela Casa Costa Lima por meio de geradores movidos a óleo diesel das 6h à meia-noite.
A cidade contava com uma população superior a 10.000 habitantes. Todo o município possuía 42.927 moradores incluindo os atuais municípios de Icapuí e Fortim que na época pertenciam ao Aracati. A economia era movimentada pelas mais de dez salinas, pelo Cotonifício Leite Barbosa, Casa Costa Lima & Mirtil S/A, Armando Praça, J. Correia & Cia., José de Lima Freitas, Tabajara -fábrica de industrialização do caju- e F. Sales Gurgel. Destacava-se também pela produção de cera de carnaúba. Havia, em Aracati, um total de 2.248 prédios edificados na sede do município.
O Banco do Brasil era a única instituição financeira na época, pois o Banco de Crédito que aqui funcionou por um longo tempo deixara de operar. O jornal O Jaguaribe era publicado todas as semanas com circulação aos domingos. Havia três clubes sociais. O clube Sete de Setembro, Clube Democrático e o Aracati Club movimentavam a sociedade com festas e entretenimento nas suas sedes aos finais de semana. O Cine-Moderno exibia filmes e séries às quartas-feiras, sábados e aos domingos com duas sessões.
A cidade era bem servida na parte educacional. Além do Grupo Escolar Barão de Aracati, da rede estadual de ensino, havia três colégios religiosos comandados pelas Irmãs de Caridade, Irmãos Maristas e Irmãs Salesianas.
A Câmara Municipal funcionava com 9 vereadores divididos entre a UDN e o PSD, sendo a maioria da UDN que dava total sustentação política e administrativa a todas as ações do prefeito.
Nos primeiros dias, em Aracati, Mário e sua esposa, Dª Maria José da Silva, fixaram residência num sobrado da Rua Grande de propriedade do Sr. Mamede Pontes. Depois, o casal se mudou para uma casa na Praça da Caixa D’água – Adolfo Caminha – que pertencia então ao Sr. Assis Nogueira, onde permaneceu por muitos anos.
Seu trabalho junto à pobreza do Aracati contou, desde os primeiros dias, com a ajuda do seu primeiro auxiliar Antônio da Silva, que com o passar do tempo veio juntar ao seu nome a alcunha de Toinho do seu Mário. Toinho aprendeu com Mário todas as artimanhas e o ofício da enfermagem, passando com o tempo a ser um valoroso e profícuo auxiliar, inclusive extraindo dentes e fazendo todos os tipos de intervenções de pequenas cirurgias ensinadas pelo incansável mestre, enfermeiro dos pobres, Mário Della Rovere.
PRIMEIRO CONTATO COM A POLÍTICA
No início do ano de 1957, Mário teve seu primeiro contato com os meandros da política aracatiense. Ele que tinha horror a política, como dizia, ficou horrorizado com a boataria que corria pela cidade dando conta de que Oliveira Batatinha, cabeceiro, que, clandestinamente, distribuía o jornal “O Maquis” havia sido raptado. O jornal era publicado pelos estudantes aracatienses que residiam em Fortaleza e faziam forte oposição ao Prefeito Abelardo Costa Lima. Oliveira Batarinha havia sido sequestrado por comparsas do Prefeito e, segundo se falava à boca miúda, estava num sítio nas proximidades da sede do município onde havia sido inclusive torturado.
Aproveitando um convite, no início do ano de 1959, para uma especialização na sua área de atividade, Mário Della Rovere viajou para São Paulo onde permaneceu por um ano. Foi a maneira que achou para não se envolver na política, pois o povo, devido ao seu trabalho filantrópico, o incentivava a entrar na vida pública.
As notícias alarmantes que circulavam na imprensa nacional no início de 1960, anunciavam a chegada de uma grande enchente no Ceará, e o prenúncio de uma catástrofe em consequência do provável arrombamento do Açude de Orós, fizeram Mário retornar imediatamente ao Aracati.
Sua participação na ajuda e na assistência aos flagelados da cheia de 1960 foram motivos de elogios e monções em vários jornais do Ceará e de todo o Brasil: “Enfermeiro Cearense tem Record de Orós” – Moções e aplausos têm sido feitos publicamente ao enfermeiro Mário Della Rovere, do Iaptec, pelas suas atividades em socorro às vítimas da enchente do Jaguaribe. Mário Della Rovere retém no momento, um recorde dos mais difíceis em sua profissão: o de assistência e vacinação. Assistiu e vacinou, no espaço de 17 dias (de 20 de março a 07 de abril), nada menos de 12.000 pessoas. O enfermeiro Della Rovere não mediu sacrifícios para desincumbir-se de sua missão benemérita é o que atestam os certificados e declarações que lhes foram outorgadas pelas principais autoridades empenhadas nas operações de salvamento das vítimas do Jaguaribe. “Para atender aos que necessitavam de assistência ou de simples vacina Mário Della Rovere se utilizou de todos os meios de transporte disponíveis, atravessando quilômetros e quilômetros da região inundada”.
Mário recebeu por seu trabalho moções e aplausos do Comando do Grupamento Norte da Operação do Jaguaribe, Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Extração de Sal de Aracati e do Delegado Especial de Polícia e Marinha Mercante.
O reconhecimento do trabalho do Mário Della Rovere começou a se expandir além das fronteiras do Aracati como podemos ver num trecho de uma carta publicada num jornal da capital, Fortaleza, pelo Sr. Gaudhi Mathias em agradecimento a assistência prestada por Mário à sua esposa quando foi ela acometida pelo tétano: “É que o Mário como apenas enfermeiro titular, tem demonstrado em Aracati conhecimentos que vão muito além dos de sua função, e, se não os aplica oficialmente, é tão somente porque usando de seu elevado senso de responsabilidade, considera sempre os limites de credenciação que a sua função lhe confere. Por outro lado, destaco a generosidade peculiar desse enfermeiro herói, que, fazendo de sua profissão um sacerdócio, atende indistintamente a quantos o procuram, isto sem o menor interesse pecuniário”.
Angariando a cada dia que passava a admiração, a estima e o respeito dos aracatienses, notadamente daqueles das classes menos favorecidas, não tardou a Mário Della Rovere a ouvir novamente o “canto da sereia” entoado pelo povo para que se envolvesse e participasse da política, se candidatando a um cargo público para poder expandir seu trabalho por todas as áreas e atividades da vida do nosso município.
O ano de 1962 começou com uma grande festa religiosa, no dia 06 de janeiro. O vigário Padre José Mauro Ramalho de Alarcon Santiago que esteve à frente da paróquia de Aracati por mais de 05 anos, se sagrava bispo de Iguatu numa cerimônia realizada em Aracati em frente à igreja dos Prazeres. Além de uma multidão presente à cerimônia, compareceram as mais altas autoridades do Estado entre os quais o Governador do Estado Dr. Parsifal Barroso, o presidente do Tribunal de Justiça Dr. Ubirajara Carneiro e vários bispos de toda a região.
Enfeitiçado pelo canto do apelo popular para que ingressasse na política, Mário foi finalmente seduzido pelo clima político que reinava na cidade. O apelo foi reforçado pelos estudantes que faziam o Centro Estudantal Aracatiense. Mário aproximou-se dos seus componentes, notadamente de um, que no futuro faria história, sendo eleito duas vezes Prefeito do Aracati. O aludido jovem era Antônio Alexandre Kleber Gondim, que além da militância estudantil fazia parte do PSD – Partido Social Democrático - , cujo avô, Antônio Bandeira, era o principal representante em Aracati.
Entretanto não foi pelo PSD, seu partido de origem, que Kleber Gondim participou pela primeira vez de uma disputa eleitoral. O Centro Estudantal Aracatiense, numa manobra política, pede a desfiliação de Kleber Gondim do PSD e faz seu ingresso nas fileiras do PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, pelas mãos do presidente do partido, o líder operário da Fábrica de Tecidos Santa Tereza João Pereira da Costa, e lança o nome de Kleber Gondim a vice-prefeito de Aracati nas eleições do dia 7 de outubro de 1962.
PRIMEIRA CANDIDATURA A PREFEITO
Na legislação eleitoral da época, a candidatura a vice-prefeito não era atrelada ao candidato a prefeito. O eleitor poderia votar num candidato a prefeito de um partido e num candidato a vice-prefeito de outro. Eram, portanto candidaturas independentes.
Mário Della Rovere, funcionário do IAPETC, órgão ligado ao PTB, que no Ceará era comandado pelo Deputado Federal Carlos Jereissati, teve sua filiação registrada no citado partido pelas mãos do seu presidente. Estava assim, portanto formada a chapa do PTB, de oposição, que disputaria as eleições para a Prefeitura de Aracati em outubro de 1962.
A respeito de sua candidatura a prefeito de Aracati, assim se manifestou na primeira página, em letras garrafais, o jornal Gazeta de Notícias publicado em Fortaleza no dia 14 de setembro de 1962: Mário Della Rovere, Enfermeiro de Linhagem Nobre, Vai Ser Prefeito do Povo de Aracati:...”Mário Della Rovere, o enfermeiro, é candidato a prefeito do Aracati sem que com isso pretenda deixar de lado seu consultório, onde milhares de pobres receberam e continuam a receber curativos remédios e benefícios. Sua primeira profissão foi de contador, ganhava um bom dinheiro, mas não se sentia satisfeito. Os cinco últimos anos de vida de Mário foram de intenso trabalho, fazendo partos, tirando bicho de pé, engessando braço e pernas e tudo quanto é osso que quebra, arrancando bala e espinhos, atravessando rios a nado para ajudar uma família cujo chefe estava doente, e voltando sempre ao seu ambulatório de bolsos vazios pois não cobrava nada”.
Continua o jornal na descrição do “Herói” do Povo”. ” Nesses cinco anos, Mário, enfermeiro, não dormiu ainda três noites seguidas sem que tivesse de sair para atender a um doente. Em Aracati é um nome por todos conhecido e respeitado. Centenas de crianças da terra são seus afilhados em agradecimento pelos partos muitas vezes sem nada cobrar.”
Segundo ainda a mesma reportagem do jornal Gazeta de Notícias, os adversários políticos de Mário quiseram desqualificá-lo acusando-o de ser um forasteiro, um aventureiro. O povo foi então à procura da árvore “genealógica de Mário e descobriram que o homem era descendente de um papa, três duques e de uma linhagem nobre da Itália. Batizaram-no de Mário I e único”.
Finalizando a reportagem do jornal “Gazeta de Notícias,” o articulista faz um pequeno histórico da candidatura de Mário e do andamento da campanha em Aracati: “Mário, na verdade, nunca pensou nem quis ser candidato. Mas é. Vencida a sua resistência, o povo de Aracati lançou o nome de Mário Della Rovere para disputar a prefeitura da cidade. Imediatamente todo município se levantou ao seu lado. Seus comícios reúnem de 3 a 5 mil pessoas num espetáculo nunca visto no Jaguaribe onde o povo o ovaciona num verdadeiro delírio coletivo. Não tendo dinheiro não faz despesas eleitorais e é o próprio povo quem financia a sua campanha, enchendo em poucos minutos os chapéus com dinheiro”.
Estava Mário por esse tempo com 44 anos de idade pai de dois filhos morando no bangalô na Praça da Caixa D’água, quando numa manhã ao manusear uma arma de fogo, acidenta-se com um tiro que atingiu sua perna direita. Era início da campanha política. Foi então Mário obrigado a andar de muletas. Durante a campanha, para seus deslocamentos mais distantes, seus correligionários improvisaram uma liteira - espécie de cadeirinha – para transportar Mário nos ombros por todos os lugares. Esse fato fez lembrar a figura do venerando Monsenhor Bruno Figueiredo que quando vigário de Aracati também se utilizava de uma liteira para seus deslocamentos, a fim de ministrar os sacramentos da igreja aos moribundos.
Segundo testemunhas que presenciaram esses acontecimentos, por mais de uma vez Mário foi levado na liteira nos ombros do povo, quando chegava de Fortaleza aonde ia a tratamento de saúde nessa época. O povo o esperava na ponte Juscelino Kubitschek e obrigava o ônibus a parar e uma multidão o levava na liteira até o centro da cidade onde acontecia o que chamavam um comício andante.
Foi nessa época que o cronista Caio Cid de passagem pelo Aracati descreveu nossa cidade em sua coluna no jornal Correio do Ceará: “A cidade de Aracati é mais bonita e menos movimentada que a do Icó. Ambas têm o mesmo aspecto de paz, de felicidade e velhice.”
Nas eleições realizadas no dia 07 de outubro de 1962, o município contava com 34.325 habitantes. Tendo 12.538 eleitores distribuídos em 34 seções eleitorais. Votaram no pleito municipal 6.269 eleitores. No dia 26 de outubro, ao final da apuração, foi declarado vitorioso a prefeito o Sr. Armando Dias Simões, candidato situacionista da coligação PTN-UDN com 3.087 votos, e o seu vice-prefeito Dr. Pedro José Barbosa Correia Lima com 2.904 votos.
Foram derrotados os candidatos da oposição a prefeito o Sr. Mário Della Rovere, que obteve 2.677 votos e o seu vice-prefeito Kleber Gondim, que teve mais votos que o candidato a prefeito do seu partido o PTB com 2.683 votos.
Nessa eleição o grande destaque foi a vitória da professora Rosália Nepomuceno do PTN como a candidata mais votada para a câmara dos vereadores, com 411 votos. Rosália Nepomuceno fez história como sendo a primeira mulher a se eleger vereadora em Aracati.
Enquanto Armando Dias Simões – Armando Rocha – tomava posse no dia 25 de março de 1963, juntamente com os 12 vereadores que compunham a nova câmara em solenidade realizada na Casa da Câmara, Mário Della Rovere continuava dando prosseguimento ao seu trabalho assistencialista junto aos mais pobres visando a próxima eleição.
Um ano após a posse do Armando Rocha na prefeitura de Aracati, rebentou no dia 31 de março de 1964 o movimento cívico-militar que derrubaria o presidente João Goulart, instalando a ditadura no Brasil que duraria por mais de 20 anos.
Uma das muitas medidas tomadas pela ditadura militar foi a extinção dos 13 partidos políticos existentes criando a Arena e o MDB, instituindo o sistema de bi-partidarismo no Brasil pelo ato institucional nº 2 no dia 27 de outubro de 1965, assinado pelo então presidente Humberto de Alencar Castelo Branco.
No período da administração do prefeito Armando Rocha, foi destaque entre outras obras, a construção do mercado novo na antiga praça Cel. Figueiredo, e o colégio Beni Carvalho. Uma forte lembrança da passagem de Armando Rocha pela prefeitura de Aracati, foi a derrubada dos fícus benjamina, frondosas árvores que arborizavam a Rua Grande por causa da praga do “lacerdinha”, inseto originário da Ásia, que no Brasil ganhou esse apelido numa alusão, talvez, ao governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda.
SEGUNDA CANDIDATURA A PREFEITO
No ano de 1966, ao se aproximar as convenções partidárias, mais uma vez o nome do enfermeiro Mário Della Rovere foi lembrado para disputar o cargo de prefeito do Aracati. Assim como em 1962 o populacho, a turba, a massa, ansiava pela candidatura de Mário que continuava fazendo seu serviço de atendimento indistintamente a todos e em qualquer recanto do nosso município.
Para a eleição de 15 de novembro de 1966, foram candidatos a prefeito pelo MDB-1 – Mário Della Rovere tendo como vice-prefeito Manoel José Marques Pinto. Pelo MDB-2 José Isaias Bezerra que não tinha companheiro de chapa como vice. Pela Arena-1 Ruperto Cavalcante Porto e como vice-prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima Filho. Pela Arena-2 Raimundo do Carmo e Rosália da Costa Nepomuceno como vice.
A legislação eleitoral da época criara a figura da sublegenda pelo ato complementar nº 4, de 20 de novembro de 1965, onde um partido poderia ter dois ou até três candidatos. Lei que a ditadura militar impunha para acomodar seus candidatos e sempre ganhar as eleições.
Aracati, conforme estimativa do IBGE, tinha uma população de 45.840 habitantes. Na sede do município habitavam aproximadamente 13.000 pessoas. Sua economia era baseada primordialmente no parque salineiro. O Cotonifício Leite Barbosa – Fábrica de Tecidos Santa Tereza – era sua principal indústria e a Cerâmica Armando Praça começava sua expansão. O jornal A Gazeta do Vale era o único jornal publicado e a energia elétrica era fornecida pela CERNE – Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste - através de motores a óleo diesel. Havia, além dos tradicionais colégios, uma Escola Técnica do Comércio.
Na eleição do dia 15 de novembro de 1966 votaram 6.523 eleitores distribuídos nas 36 seções eleitorais. A chapa vitoriosa da Arena I obteve 2.275 votos contra a chapa do MDB com 2.102 votos e a chapa da Arena II com 1.163 votos. O líder estudantil Isaias Bezerra obteve somente 168 votos concorrendo pelo MDB II.
Mário Della Rovere perdia mais uma eleição pela pequena diferença de 173 votos. Esta era a 2ª vez que concorria ao cargo de prefeito de Aracati sem lograr êxito. No entanto, a sua luta política não tinha sido totalmente em vão. O MDB elegeu dois vereadores, José Barbosa da Rocha e José Correia da Silva, conhecido como Zé Pezinho, radialista, locutor da rádio Rio Jaguaribe, que tinha um programa de grande audiência. Foi o vereador mais bem votado nessa eleição com 543 votos.
Em 1970, Aracati era uma cidade com 50.708 habitantes. Ainda pertencia ao município o distrito de Fortim e Icapuí. Na sede da cidade segundo o censo da época, residiam 26.472 habitantes. O número de eleitores era de 12.010 de acordo com o Tribunal Eleitoral.
A economia da cidade se resumia a produção de sal, a cera de carnaúba, ao artesanato de palha e labirinto, a pesca da lagosta. O grande empregador era a Fábrica de Tecidos Santa Tereza. Havia ainda as Cerâmicas, a Fábrica de Doces Tabajara e a Cepesca. Poucas ruas tinham calçamentos, a energia, fornecida pela CERNE – Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste elétrica, era deficitária, pois ainda não havia chegado a energia de Paulo Afonso.
MÁRIO DELLA ROVERE É ELEITO PREFEITO
Na eleição de 15 de novembro de 1970, o enfermeiro Mário Della Rovere, com a idade de 53 anos, tentava pela 3ª vez se eleger prefeito de Aracati. O ex-prefeito Armando Rocha que havia derrotado Mário nas eleições de 1962 buscava oito (08) anos depois, vencer mais uma vez seu antigo adversário. No entanto, a situação agora era totalmente adversa daquela que haviam se enfrentado. Havia uma insatisfação muito grande por parte da população com a política que se vinha praticando há bastante tempo.
A chapa da Arena formado por Armando Rocha, prefeito, e Raimundo do Carmo, vice, era bastante forte. Raimundo do Carmo, gerente da Fábrica de Tecidos Santa Tereza, era um homem estimado pela população aracatiense. Mário Della Rovere, do MDB, tinha como vice-prefeito Jonas Alves Barbosa oriundo da região da Mata Fresca e ainda pouco conhecido na política do Aracati.
O eleitorado de Mário Della Rovere estava basicamente concentrado na periferia da cidade onde residia a classe mais pobre da população. No entanto, havia uma grande parcela da elite aracatiense que encampou a candidatura de Mário, pois não concordava mais com o grupo político que vinha comandando o Aracati desde 1947. Dentre essas figuras da elite podemos destacar: Dª Alzira Figueiredo Gurgel, Alba Gurgel Fernandes, José Benício, José Rangel, Arnaldo Praça, Sr. Raimundo Joventino e Ubiracy Pinheiro de Deus.
Mário Della Rovere provaria o sabor da vitória pela primeira vez depois da terceira tentativa ao posto de prefeito, obtendo dos 8.515 votantes que compareceram às urnas, um total de 4.042 votos nas 46 seções eleitorais distribuídas em todo município, contra 3.732 votos obtidos pelo candidato derrotado Armando Rocha. A câmara foi composta por 11 vereadores sendo 07 da Arena e 04 do MDB. José Barbosa da Rocha, do MDB, foi o vereador mais votado nessa eleição, com 991 votos.
Em comemoração à vitória de Mário, o povo entoava pelas ruas uns versos da música da campanha eleitoral que dizia: xô,xô,xô, casaca de couro/O seu Mário tá eleito/Armando Rocha tá no couro... Em resposta à seguinte música:
Em depoimento ao autor desse trabalho Mário Della Rovere relatou o que ocorreu no dia da vitória:
“A apuração dos votos durou 8 dias. Terminou no dia 23 de novembro, uma segunda-feira. O trabalho de contagem dos votos foi realizado na Casa da Câmara, devido a grande concentração de pessoas que se aglomeravam defronte a Câmara. O juiz do Aracati, o Dr. Gilson Viana, achou por bem que eu me retirasse do recinto saindo pelos fundos da Casa da Câmara para que fosse evitado um distúrbio. Foi então que eu fui levado para os fundos da Câmara e de lá me colocaram num automóvel, corcel vermelho, e fui então para Fortaleza. Quando cheguei, a rua onde eu morava já havia bastante gente, foi então que me tiraram de dentro do carro e fizeram a maior festa. Não me lembro nem como foi que cheguei em casa, fiquei em coma alcoólico. A festa no Aracati, a passeata por minha vitória houve, mas sem minha presença, eu não pude participar...”.
A posse do Prefeito eleito Mário Della Rovere, aconteceu na Câmara Municipal, no dia 25 de março de 1971, com a presença dos vereadores eleitos e também de vários apoiadores de sua campanha que fizeram questão de presenciar esse momento histórico da política aracatiense.
Depois da posse, Mário se dirigiu à sede da prefeitura que ficava na época à Rua Cel. Alexanzito nº 1069 onde depois funcionaria uma biblioteca municipal. O prefeito que deixava o cargo, o Sr. Ruperto Cavalcante Porto, foi pessoalmente entregar as chaves da prefeitura ao novo prefeito. Nesse mesmo dia, no sítio São José de propriedade do Sr. José de Freitas, foi organizada uma festa em comemoração à vitória de Mário Della Rovere. Naquela oportunidade se fizeram presentes várias personalidades a exemplo do general Assis Bezerra, Tenente Paiva e do general Maranhão.
Segundo Mário, seus principais auxiliares no início da administração foram: o Tenente Paiva, Padre Thiago, professora Rosália Nepomuceno entre outros antigos funcionários da prefeitura.
O ÍNICIO DA GESTÃO
Um fato que muito desagradou aos colaboradores do prefeito Mário foi a grande influência que exercia na administração, seu cunhado, Jonas Barbosa. Na verdade, muitos foram os problemas ocasionados por Jonas durante o governo tendo sido necessária sua exoneração pelo prefeito. No entanto os estragos causados por esse cunhado viriam afetar profundamente seu relacionamento com os antigos amigos e colaboradores.
Sem maioria na Câmara de Vereadores, pois dos 11 vereadores, sendo 07 da Arena e 04 do MDB, Mário contava somente com dois aliados do seu partido. Ele teve que enfrentar desde o princípio do governo uma disputa que se arrastou até o final do seu mandato. Criticado por muitos por não estar fazendo uma administração como havia prometido durante a campanha, argumentava que era impedido pela atuação dos vereadores de oposição que não o deixavam trabalhar.
Na verdade, o curto mandato de Mário Della Rovere foi marcado por suas denúncias contra a administração anterior e acusações dos vereadores da oposição contra a sua administração ao Conselho de Contas dos Municípios.
Em 26 de abril de 1972, o jornal Correio do Ceará, divulgava que: “A câmara municipal de Aracati preparava-se para pedir a intervenção governamental na Prefeitura de Aracati.” O mesmo jornal em 20 de maio de 1972, em uma de suas colunas políticas dizia que: “O Conselho de Contas dos Municípios esteve em Aracati tendo à frente o presidente do órgão Dr. Luciano Torres de Melo para uma verificação in loco da documentação contábil referente aos três últimos meses da administração Ruperto Porto e as contas do Prefeito Mário Della Rovere.”
Na verdade, o clima chegou a uma situação de acirramento tão exacerbado, que um funcionário da Assembleia Legislativa, o Sr. Paulo Alexandrino Freire, que estava à disposição da Prefeitura, pediu garantia de vida ao Secretário de Segurança do Estado em virtude de estar sendo ameaçado de morte pelo vereador Nilton Gurgel Pinto.
Bastante criticado por muitos por sua constante ausência do município, Mário se justificava afirmando que todos os dias tinha que se defender das denúncias formuladas por seus adversários nos tribunais em Fortaleza.
Perguntado se era verdade que teria se afastado daqueles amigos que o apoiaram quando chegou à prefeitura, Mário Della Rovere respondeu:
“Realmente, eu não me afastei dos amigos. Acontece que minhas atribuições me faziam estar sempre ausente. O afastamento de alguns amigos veio acontecer depois de uma reunião que fizemos na casa de Dª Alzira Gurgel, quando o Didico Caminhão falando alto disse: “Que eu era igual aos outros, que não iria fazer nada pelo Aracati”. Aquela reunião na verdade foi a gota d’água para um rompimento, ou melhor, um afastamento dos amigos. Acontece que nesses dois anos de administração eu somente pude na verdade administrar durante 8 meses, o restante passei me defendendo das denúncias”.
As divergências do prefeito Mário Della Rovere, não se restringiram somente aos vereadores de oposição. O vice-prefeito, Jonas Alves, também se tornou um desafeto. Segundo declarações do próprio Mário, o vice-prefeito Jonas Alves “vivia muito afastado da Prefeitura.” Não havia na verdade nenhum entendimento entre os dois antigos correligionários.
O mandato do vice-prefeito Jonas Alves foi cassado pela Câmara Municipal de Aracati alegando haver, aquele político, fixado residência fora do território do município, infringindo o artigo 58, da Lei Estadual número 9.457/71. Essa declaração foi manifestada na Resolução nº 5, de 21 de agosto, aprovando o Projeto de Resolução número 5, que se refere ao processo 1/71. Ao mesmo tempo, aquela casa declarou vago o cargo de vice-prefeito.
A gestão do prefeito Mário Della Rovere teve a duração de 22 meses. Segundo suas declarações, prestadas ao Jornal Correio do Ceará no dia 26 de janeiro de 1973, estava de consciência tranquila por ter correspondido à confiança daqueles que o escolheram seu representante máximo da área municipal. Se mais não realizou, a culpa foi da Câmara que sempre procurou obstaculizar a sua ação. Em que pese a perseguição por parte de seus adversários conseguiu levar a efeito uma administração progressista.
A Câmara por sua parte se defendia dessa acusação em nota oficial divulgada pelo então presidente da Câmara Municipal de Aracati Luiz Aureliano de Souza:
“Se o Sr. Prefeito Municipal nada tem realizado, nenhuma culpa cabe a Câmara Municipal, mas unicamente à sua comprovada falta de capacidade administrativa. Tem o edil aracatiense se preocupado mais em demitir funcionários, como também levar a cabo sua campanha difamatória através da imprensa falada e escrita de Fortaleza contra os seus opositores.”
Termina a nota dizendo: “se a Câmara deixou de aprovar matéria por ele solicitada, foi porque a mesma não correspondia aos interesses da coletividade aracatiense”.
REALIZAÇÕES
Mesmo com esse clima de desavença e disputa, o governo Mário Della Rovere conseguiu realizar obras de grande importância para o município de Aracati. Não podemos deixar de mencionar que foi durante seu governo que a energia de Paulo Afonso chegou ao Aracati quando governava o Estado do Ceará, o Cel. César Cals de Oliveira que muito contribuiu com a gestão do prefeito. Em sua prestação de contas, ao findar o mandato o prefeito Mário Della enumerava algumas obras realizadas na sede do município e nos distritos.
Na sede do município abriu ruas, construiu calçamento, iluminou ruas e praças, construiu chafarizes, cavou poços profundos, reformou o prédio da prefeitura, aumentou os vencimentos dos servidores municipais, arborizou praças, etc...
Nos distritos, cita Mário Della Rovere, de Tremembé (Icapuí), Melancias (Icapuí) e Córrego dos Fernandes foram construídos, no primeiro e segundo um grupo escolar cada e no terceiro um aterro sobre uma lagoa possibilitando assim o tráfego ligando os demais distritos à sede municipal.
Em Canoa Quebrada instalou um moderno sistema de abastecimento de água potável dos mais modernos, dotado de motor, casa de força e chafarizes, considerada a maior obra de sua gestão.
Em Fortim restaurou a televisão pública e instalou luz elétrica em toda a vila com a aquisição de uma central elétrica. Também em Barreiras fez o serviço de abastecimento d’água bem como um grupo escolar equipado com o necessário para seu normal funcionamento.
Na praia de Majorlândia, o benefício era cantado em verso pelo povo que dizia: “Na praia de Majorlândia/quando o povo se maldizia/Mário comprou um motor/E lá botou energia/O prédio para o motor/ Foi Mário que conseguiu/Posteamento e rede elétrica/Ele também adquiriu”.
No entanto, seu maior sonho não pode realizar. Indagado certa vez qual teria sido o sonho que ele havia idealizado na política e que não tinha sido concretizado respondeu Mário Della Rovere:
“Eu sempre tive um projeto de transportar a cidade de Aracati para a margem esquerda do rio Jaguaribe. Muita gente me chamava de louco e visionário por causa da minha ideia de transportar a cidade para a outra margem do rio Jaguaribe, mas esse foi sempre meu grande projeto para evitar a catástrofe das enchentes que tanto castigavam o Aracati.”
UM SUCESSOR PARA MÁRIO
Mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas, mas considerando haver feito uma exemplar administração, Mário Della Rovere se sentiu na obrigação de fazer seu sucessor indicando o Sr. Raimundo Joventino Filho, rico proprietário de salinas em Aracati e Icapui, candidato a prefeito pelo MDB.
A eleição aconteceu no dia 15 de novembro de 1972. Esta eleição marcava o retorno à política o Sr. Raimundo Joventino Filho que havia sido candidato a prefeito em 1958 pelo então partido da época o PSD e fora derrotado pelo candidato da UDN, Ruperto Cavalcante Porto.
Acreditando que a eleição de Mário em 1970 tinha derrubado de vez o poder dos Costa Lima e seus correligionários, Sr. Joventino incentivado por amigos e partidários, mais uma vez foi envolvido numa aventura política.
O grupo político liderado pelos Costa Lima soube esperar e se renovar no devido tempo. Como era de se esperar, o candidato nas eleições de 1970 seria então o jovem Abelardo Filho, funcionário na época do INPS. Este, porém, juntamente com sua família, não queria queimar um trunfo, um cartucho importante disputando uma eleição com mandato de dois anos apenas. Não lhe interessava. Percebiam também que a antiga maneira de fazer política do grupo estava se esfacelando. O povo não queria naquele momento o continuísmo que vinha se arrastando há bastante tempo. Esperaram então o momento certo para lançar seu candidato.
A eleição de 15 de novembro 1972 pegou o jovem Abelardo Filho que já havia sido vice-prefeito do Ruperto Porto, no ponto para enfrentar a disputa eleitoral. O desgaste do Mário Della Rovere era muito grande devido a sua constante ausência da cidade e de uma administração que não sensibilizava a população.
Abelardo Filho como candidato a prefeito e o irmão Marista Luís Facó como vice-prefeito foram os candidatos lançados pela Arena. Seus adversários indicados pelo MDB foram o Sr. Raimundo Joventino como prefeito e o vereador José Barbosa da Rocha como vice.
AS URNAS ASSINALAM OUTROS RUMOS PARA A POLÍTICA
Os 10.326 eleitores distribuídos nas 51 seções eleitorais deram a vitória a chapa da Arena elegendo o prefeito Abelardo Filho, com 5.555 votos, e o vice, além de seis vereadores contra cinco vereadores eleitos pelo MDB. O Sr. Joventino Filho candidato situacionista apoiado pelo prefeito Mário Della Rovere obteve 4.511 votos dos eleitores aracatienses.
Mário Della Rovere, após o término das eleições, diante da derrota do seu candidato, foi apontado pelos correligionários do Sr. Raimundo Joventino como o principal causador do desfecho negativo das eleições. Acusavam Mário de não ter se empenhado devidamente como deveria na campanha eleitoral. Mário negou essa acusação e disse que tudo que estava ao seu alcance foi feito. No entanto, segundo Mário, a intervenção do governador de então, César Cals de Oliveira, foi preponderante para a eleição de Abelardo Filho. Pois segundo Mário, em certa ocasião o governador, em conversa com ele, afirmou que não apoiaria seu candidato que era do MDB e sim o candidato da Arena que era Abelardo Filho. “Infelizmente ninguém ganharia a eleição do César Cals. Tinha dinheiro, tinha mapismo, tinha juiz e se dinheiro resolvesse tava resolvido”, revigorava Mário com essas acusações o desfecho da derrota do seu candidato.
Essa justificativa do Mário Rovere, segundo a versão do ex-prefeito Abelardo Filho é totalmente contraditória. “Não tive ajuda nenhuma do então governador César Cals em minha campanha. Pelo contrário, eu próprio, Abelardo Filho, por ter sido vice-prefeito no governo municipal ao tempo do Ruperto Porto, sofri uma forte perseguição política por parte do governo César Cals quando os órgãos fiscalizatórios do Estado vasculhavam a administração do ex-prefeito Ruperto Porto. Ao final de toda verificação do Tribunal de Contas do Município, fui isento de qualquer irregularidade”.
ÚLTIMA TRAMA, ANTES DO FIM
Numa curta entrevista, ao ser indagado como havia sido seu último dia na Prefeitura de Aracati, Mário Della Rovere respondeu: “Eu não fui entregar a Prefeitura porque disseram que havia uma trama, uma ameaça muito perigosa para mim, por isso quem entregou foi a juíza de direito Dra. Huguette Braquehais.”
Mário não esperou o amanhecer do dia 31 de janeiro de 1973, data da posse do prefeito eleito Abelardo Filho, que o sucedia no comando da prefeitura de Aracati. O foguetório da festa não foi ouvido, pois Mário viajara muito cedo para Fortaleza onde fixara residência na cidade 2000, Alameda dos Bogaris, 182, quadra 31.
Segundo Mário, nesse período difícil de sua vida para sobreviver, foi necessário vender tudo que tinha dentro de casa. No final só ficou com um sofá e um fogão.
MÁRIO PARA DEPUTADO ESTADUAL
Mesmo assim, nessa condição de grande precariedade, Mário Della Rovere se candidata a deputado estadual pelo MDB para disputar as eleições em 15 de novembro de 1974. Sua candidatura não foi nada fácil. Teve sua pretensão impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral em face de ação interposta pelo ex-deputado Abelardo Gurgel Costa Lima, que nessa eleição disputava com Mário, os votos do eleitorado aracatiense para uma vaga de deputado na Assembleia Estadual.
Mário recorreu ao Superior Tribunal Eleitoral e conseguiu ter sua candidatura registrada. Os jornais da época noticiaram que: “La Rovere, foi o único candidato que o Tribunal Regional Eleitoral impugnou em nosso Estado, mas que agora vem conseguir a restituição de seus direitos por ordem do Supremo Tribunal Eleitoral por força de recursos interpostos pelo próprio partido.”
Apesar de todos os esforços Mário não teve êxito nessa eleição. Em 15 de novembro de 1974 a Justiça Eleitoral informava que no município de Aracati tinham votados 11.613 eleitores nas 59 seções. Desses somente 2.566 sufragaram seu voto no ex-prefeito Mário Della Rovere, candidato a deputado pelo MDB. Abelardo Gurgel Costa Lima, candidato pela Arena, com 6.233 votos obtidos do eleitorado aracatiense também não logrou resultado positivo nessa eleição.
O tempo e a ausência do poder fizeram aumentar ainda mais a distância entre Mário e os seus antigos seguidores. Além do mais, a dinâmica administração do jovem prefeito Abelardo Filho atraiu para seu partido correligionários e simpatizantes que antes formavam fileiras ao lado do enfermeiro Della Rovere. Era o início da derrocada política daquele que um dia encantou e personificou a esperança de uma população ávida de profundas mudanças na política aracatiense.
A PÃO E CAFÉ
Diante dos sucessivos resultados negativos na política, Mário resolve então abandonar a vida pública e se retirar do Ceará. Nessa época segundo suas próprias palavras em depoimento ao autor desse trabalho, afirmou:
“[...] pedi ajuda ao Capitão Milton para ir ao Rio de Janeiro fazer um concurso para Academia da Marinha Mercante. Eu passei a pão e café. Vendi tudo que tinha dentro de casa. Fiz o concurso, passei e fiquei dez anos longe de Aracati, trabalhando na Marinha Mercante como enfermeiro. Durante esse período, sempre vinha somente a passeio em Aracati. Quando chegou o ano de 1982 voltei em definitivo ao Aracati quando me candidatei novamente a Prefeito de Aracati pelo PMDB tendo o Zé Moreno como vice-prefeito.”
Na verdade, sua ausência não durou exatamente 10 anos. Para ser exato foram somente 08 anos que Mário Della Rovere ficou ausente das lides políticas da terra aracatiense.
O RETORNO DO HERÓI DOS POBRES
Quando Mário retornou ao Aracati para disputar mais uma eleição para o cargo de prefeito municipal, no pleito realizado em 15 de novembro de 1982, Aracati era uma cidade diferente daquela que ele deixara havia 08 anos.
A população de Aracati, em 1974, ano que Mário se transferiu para o Rio de Janeiro, era de 55.008 habitantes. O contingente eleitoral totalizava 11.613 eleitores distribuídos em 59 seções. O Aracati que Mário encontrou tinha, em 1982, em torno de 61.145 habitantes sendo 30.000 aproximadamente residentes na sede, e seu eleitorado, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral, se compunha de 22.641 eleitores.
O prefeito, de então, Kleber Gondim vinha se destacando pela excelente administração à frente da Prefeitura com obras em vários locais da cidade e nos distritos. Mário, com sua demorada ausência, perdera os contatos com os amigos e principalmente os seus correligionários, inclusive o apoio do seu próprio partido que na eleição de 15 de novembro de 1982 resolveu apresentar uma candidatura a prefeito deixando o espaço da sublegenda para Mário como se fora ele um candidato de 2ª categoria. Estando na chapa somente para somar votos para o candidato principal o promotor de justiça Dr. Raimundo Nonato Lima.
DE “BACHAREL PARA BACHAREL”
Esse slogan foi a marca da campanha de Kleber Gondim para prefeito em 1976, quando teve sua vitoriosa candidatura pela Arena apoiada pelo prefeito de então Abelardo Filho. Era a vez de o bacharel Kleber Gondim apoiar a candidatura do bacharel Abelardo Filho para sucedê-lo na Prefeitura Municipal de Aracati.
No dia 15 de novembro de 1982, uma segunda-feira, feriado nacional em comemoração à Proclamação da República, o povo foi à rua para votar na eleição para prefeito de Aracati, disputada entre Abelardo Gurgel Costa Lima Filho pelo PDS – antiga Arena – tendo como vice-prefeito o médico Francisco Xavier Fernandes Maia, e os dois outros pretendentes ao cargo majoritário do município. Sendo do PMDB I – antigo MDB - Dr. Raimundo Nonato Lima, a prefeito, e seu companheiro de chapa Ubiracy Pinheiro de Deus e do PMDB II Mário Della Rovere, como candidato à cabeça da chapa, e José Moreno dos Santos, operário da Fábrica Santa Tereza, como seu vice.
O vitorioso da eleição foi Abelardo Costa Lima Filho com 11.161 votos, que se tornava prefeito do Aracati pela segunda vez, para exercer um mandato de 06 anos conforme regia a legislação eleitoral da época. Mário Della Rovere amargou mais uma derrota, obtendo 2.296 votos ficando em terceiro lugar na disputa pela cadeira municipal.
MÁRIO PARA VEREADOR
Depois de um afastamento da política por um período de 06 anos, Mário Della Rovere voltaria a ser candidato numa eleição municipal, mais uma vez.
Não podemos deixar de fazer um adendo, um registro, nesse momento da história. Um fato relevante na política nacional ocorreu nesse período com a promulgação da Emenda Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, permitindo o direito do voto do analfabeto, que por mais de 100 anos foi impedido de votar. Esta resolução incansavelmente debatida e discutida afetaria de alguma maneira as futuras eleições.
Desta feita, seria candidato a vereador pelo PMDB, na disputada eleição de 15 de novembro de 1988. Nessa eleição se enfrentaram nas urnas, pela prefeitura de Aracati, os candidatos Bismarck Maia, pelo PMB, Antônio Kleber Gondim, pela coligação formada pelos partidos PTB/PMDB/PFL/PDS, Maria da Luz da Silva, candidata do PT, e José Marques Pinto, pelo PL. Apurados os votos, saiu vitorioso o candidato Kleber Gondim com uma maioria de 591 votos sobre o candidato Bismarck Maia.
Mário não conseguiu se eleger vereador. Ele obteve somente 191 votos dentre os 26.821 votantes que foram às urnas nessa eleição. Acompanhava Mário, nessa decaída eleitoral, seu antigo companheiro de chapa a prefeito José Moreno dos Santos, com 68 votos, e José Barbosa da Rocha que já havia sido o vereador mais votado em eleição passada, obteve somente 58 votos.
Morando no Fortim, desde o seu retorno ao Ceará em 1982, onde, segundo suas próprias palavras, construiu uma casa com a ajuda dos amigos. Para sobreviver, teve que vender bolos em Aracati que sua mulher fazia e ele vendia. Mário justificava para os amigos sua realidade financeira:
“Algumas pessoas ficavam indignadas por causa dessa situação. Eu, então dizia: - Amigos eu não estou roubando não; estou trabalhando. Apesar de ter minha aposentadoria, ela era dividida para três famílias”.
Sensibilizado com a condição de precariedade em que vivia um ex-prefeito de Aracati, o vereador Antônio Fábio Bravo de Oliveira, por ocasião da Assembleia Municipal Constituinte, fez incluir no título V das disposições gerais, Artigo 213 da lei orgânica do município de Aracati, promulgada em 06 de abril de 1990, um projeto de lei que foi aprovado por todos os seus pares. O projeto incluía o seguinte texto:
“Ao Ex-Prefeito que não tenha nenhuma fonte de renda ou patrimônio que garanta sua sobrexistência [sic], fica concedida uma pensão vitalícia de 20% (vinte por cento) da remuneração total do Prefeito em exercício, desde que seja requerida pelo interessado e mediante aprovação de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal”.
MÁRIO PARA PREFEITO DE FORTIM
Com a criação da Lei Estadual nº 11.928, de 27 de março de 1992, Fortim foi elevado a categoria de município. Mário Della Rovere transfere seu título eleitoral de Aracati para recém-criada cidade do Fortim e se candidata a prefeito pelo PDS deixando seu antigo partido, o PMDB. Nessa primeira eleição, realizada em 15 de novembro de 1992, no município do Fortim, para o cargo de prefeito, disputaram 05 candidatos. Apurados os votos, Mário ficou em 4º lugar recebendo dos fortinenses somente 322 votos. Caetano Guedes foi eleito, pelo PDT, prefeito do Fortim com 1.484 votos.
MÁRIO É, MAIS UMA VEZ, CANDIDATO
Em 1996, Mário Rovere muda de partido novamente, trocando o PDS pelo PFL e transferindo seu domicílio eleitoral do Fortim para o Aracati. Ele se candidata a vereador pelo PFL com o nº 25612 apoiando a candidatura de José Hamilton Saraiva Barbosa a prefeito cuja campanha foi formada por um vasto número de partidos políticos tendo à frente o PSB. No dia 15 de novembro de 1996, José Hamilton Saraiva Barbosa vence a eleição.
Mário mais uma vez sofreu o revés da derrota. Num universo de 27.506 votantes para o cargo proporcional, Della Rovere obteve somente 113 votos dos eleitores aracatienses.
No dia 4 de junho de 1997, foi promulgada a emenda constitucional nº 16 permitindo a reeleição no Brasil.
No dia 1º de outubro de 2000, aproveitando o benefício que a lei lhe concedia, o então prefeito José Hamilton concorreria pela coligação PSD/PFL à sua reeleição no pleito que o conduziria pela 2ª vez ao comando do município do Aracati, derrotando seu adversário Abelardo Filho, ex-prefeito de Aracati por três vezes, que concorria pelo PSDB.
Nessa eleição Della Rovere tentava ainda mais uma vez sua assunção a câmara de vereadores competindo pelo PFL com o nº 25111. No entanto, sua pretensão foi terrivelmente decepcionante. Foram sufragados nas 137 seções somente 52 votos em seu nome.
MÁRIO DELLA ROVERE: CIDADÃO ARACATIENSE
Em 2000, depois desse decepcionante resultado, Mário, aos 83 anos de idade, abandonaria de vez a política não sendo mais candidato a nenhum cargo nas eleições que se sucederam.
No dia 3 de maio de 2000, no salão nobre da Casa da Câmara, depois de 44 anos de convivência com o povo de Aracati, finalmente Mário Della Rovere recebia solenemente o título de cidadão aracatiense. Essa honraria lhe foi concedida pela iniciativa do vereador José Aureliano Barbosa Rodrigues em reconhecimento aos seus serviços prestados em benefício do povo aracatiense.
Em seu discurso de agradecimento, ao receber o título tão ansiosamente esperado e desejado, Mário Della Rovere emocionado assim se pronunciou:
“Não tinha pretensão outra, a não ser servir ao povo desta terra como enfermeiro, profissão que abracei com desvelo e dedicação como ideal de vida. Nunca imaginei um dia me ver envolvido na política, participando das lides partidárias. Não era meu objetivo de vida, nem meu ideal de existência. No entanto, mais forte do que minha dúvida e relutância foi o apelo do povo. Procurei cumprir com meu dever, dentro dos limites de minha capacidade, superando todos os obstáculos que se interpuseram em meu caminho para bem administrar o município de Aracati. Hoje na casa do povo, diante dos senhores vereadores, sinto novamente a mesma alegria daquele distante dia da vitória, ao receber o título de cidadão aracatiense que tanto demorou, mas que tive paciência em esperar... A história um dia julgará se o fiz bem”...
Mário Della Rovere faleceu no dia 2 de novembro de 2007, aos 90 anos de idade, em sua residência na Rua Tancredo Neves nº 1113, na cidade do Fortim. Seu corpo foi velado no salão nobre da Casa da Câmara em Aracati. Seu sepultamento ocorreu no cemitério municipal São Pedro em Aracati, cidade que o acolheu e onde viveu momentos políticos de triunfos e insucessos.