O AMOR DO PALHAÇO
O circo era de uma pobreza que dava dó. De bens materiais somente o pano sujo e esfarrapado que circundava os poleiros e os dois mastros que seguravam o trapézio. A empanada era o céu estrelado da Canoa Quebrada. Mas tinha gente que fazia do circo uma festa. Principalmente o palhaço e sua bailarina/bailarino da cor do ébano preta como o miolo do jucá.
Depois do número do trapezista que pendurado fazia acrobacias sem nenhuma rede protetora, entrava o palhaço acompanhado da bailarina preta parecida com a nega do Pajeú que com sua bunda dura e arrebitada dançava e rebolava ao som da música da Gretchen, hit de sucesso no começo da década dos anos 70...
Canoa Quebrada ainda guardava a inocência e a pureza dos primeiros tempos, que os mochileiros começavam a descobrir...
A bailarina preta recebeu o nome de Gretchen em Canoa Quebrada. Foi o povo que assim a batizou embalado pelo ritmo dançante e erótico da música rebolativa...
Não havia a alegria do palhaço se faltasse a presença da então agora Gretchen...
Se havia alegria no picadeiro de areia, havia também amor na ribalta, no aconchego dos bastidores onde viviam e se amavam o palhaço e a bailarina.
Um dia, o circo, se foi levando consigo a alegria das noites e o seu palhaço amoroso. A bailarina ficou. Enfeitiçada pela magia da Canoa desistiu do seu amor, sem nunca jamais deixar de amá-lo.
A partir de então a Canoa Quebrada foi seu imenso circo. A Broadway era seu picadeiro onde noite após noite apresentava o show desfalcado do seu palhaço. Dançava e cantava, mas tinha os olhos tristes mesmo quando espelhavam o alucinante brilho do efeito do álcool...
Foram anos e anos perambulando pelas praias, sempre vagando, querendo mostrar seu show que mais ninguém queria ver...
A bailarina fez seu último rodopio na estrada, atropelada por quem não parou nem para ver se o show tinha findado. Somente a escuridão da noite e a luz das estrelas assistiram à derradeira função da bailarina...
Seu corpo negro e envelhecido, estendido no preto do asfalto se confundia com a estrada.
Seus olhos abertos fitavam o sol quando a bailarina partiu...
(Antero Pereira Filho)