POETOSSÍNTESE

Thursday, 22 July 2021 14:33

ZÉ MELANCIA

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Zé Melancia. Zé Melancia.

Seleta de poemas do poeta Zé Melancia.

AMANHÃ

-1-

Quando eu vi papai na vala
fiquei com tanta tristeza
compreendi que a natureza
tem a régua dessa escala
passei minutos sem fala
desorientado e além
não apelei para ninguém
apenas disse meu pai
hoje é o senhor que vai
amanhã eu vou também

-2-

O caminho dessa descida
que todo vivente espera
pode ser a maior fera
todo vivo perde a vida
tem entrada e não saída
pode viver mal ou bem
quem vai pra lá nunca vem
foi como eu disse ao meu pai
hoje é o senhor que vai
amanhã eu vou também

(Zé Melancia)


 

História da fundação do labirinto de 1850 e começo

Dos dados do labirinto
Vou apresentar seu evento
Para quem luta com ele
E não tem conhecimento
É uma indústria falada
Já de tanto movimento

Saibam que o labirinto
É indústria manual
É procedente da renda
Sendo outra original
Inventada por caboclas
Nascidas no litoral

É meu dever apresentar
O seu passado histórico
Ocupando os meus versos
Por esse meio folclórico
Para lerem e cantarem
Num bonito tom sonoro

Precisa elevar o nome
Dessa armadora primeira
Foi uma antiga senhora
Joaquina Cabugar Teixeira
Pois ela está intitulada
De chefa labirenteira

O início do labirinto
Foi precedido da renda
Trocando bilros e espinhos
A almofada era a tenda
Esse produto manual
Era de grande encomenda

A tenda de fazer labirinto
É um tear com os tensos
Joaquina Cabugar um dia
Tentou de fazer uns lenços
Desfiou os quatro cantos
Os trabalhos foram extensos

Terminou aquela obra
A saída foi medonha
Encomendaram um tipo grande
Já com nome de fronha
A obra estava em começo
Mas o povo tinha vergonha

Só tinha que nesse tempo
Era muito larga a maia
Faziam peito de camisa
Também as barras de saia
Não tinha linho nem bramante
Era murim e cambraia

Era uso do começo
Também a ponta de toalha
Era tudo diferente
Para os que hoje trabalham
Se for voltar ao passado
Tem muitos que se atrapalham

Hoje há muita diferença
Daquela época passada
Essa indústria manual
Está no mundo espalhada
Mas saibam que a rainha
É a Canoa Quebrada

Deixamos a Cabugar Teixeira
A antiga veterana
Vinha de origem horlandesa
Mas sendo filha praiana
Na profissão do labirinto
Tem título de soberana

A indústria foi aumentando
Cada dia com mais valor
Quem faz é quem não tem nada
Só é bom pra o comprador
O fabrico desse nas praias
Em família de pescador

Tem que trabalha nessa arte
Até quase ficar caduco
Antigamente os balseiros
Que iam a Pernambuco
Comprar paus de jangada
No engenho Joaquim Nabuco

Lá trocavam labirinto
Por esses paus de jangada
Viajavam muitos meses
Com essa madeira embalsada
Esses negociantes eram
Filhos de Canoa Quebrada

Eram uns pobres aventureiros
Iam só lutar com a sorte
A viagem muito arriscada
Não tinham um bom transporte
Em mil novecentos e dezenove
Chegou madeira do norte

Voltamos ao labirinto
Com seu nome vulgar
Colchas e guardanapos
Guarnição toalha de char
E toalha de banquete
Pra quem sabe trabalhar

Tem blusas e toalhinhas
Centro e coleção
Bico de labirinto
Saia branca e aplicação
São esses os nomes vulgares
Que todas feiteiras dão

Agora vamos aos pontos
Que no labirinto tem
Teoria das mais práticas
Quem conhece muito bem
O passado e o presente
Sendo de perto e de além

Precisa de tirar amostra
Com o ramo e bainha
Com meadas e carretel
Conforme a média da linha
Torcendo também enchendo
Fazendo flor e rosinha

Ponto milindro e de cruz
Ponto alegre e cerzido
São esses os detalhes certos
E o ponto mais preferido
Então sobre o labirinto
Está tudo esclarecido

O labirinto é muito bonito
Feito com curiosidade
Já foi inventada a máquina
Mas não teve utilidade
Essa indústria da pobreza
Se só fosse de riqueza
Custava uma infinidade

Enfim já mostrei ao mundo
De onde veio o labirinto
É uma indústria de pobre
Mas cabe em todo recinto
Essa riqueza é dos praianos
Faz cento e dezesseis anos
Nem foi e nem vai extinto

Quem escreveu esse passado
Foi o José Melancia
Poeta velho e afamado
Na rima e na poesia
Conhece Canoa Quebrada
A sua terra estimada
Desde o alto à maresia.

(Zé Melancia)

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Zé Melancia

JOSÉ DA ROCHA FREIRE (Zé Melancia) Nasceu em 14 de agosto de 1909, filho de pescador e parteira, construtor de jangadas, líder da colônia de pescadores por 14 anos, poeta e repentista cearense.

Foi cantador aos oito anos, como "fruta que vinga cedo". E disse também em versos que, quando morrer, e deixar a praia de Canoa Quebrada, a sua viola deverá ser depositada em seu túmulo, "onde chorará uma alma sem vida". É homem rude, cheio de melancolia:

"Já fui cantador destemido/ Cantador de alta classe.../ Já cantei face a face/ Com poeta garantido.../Com rima e verso medido,/na matéria e em repente,/ Quem fui eu antigamente,/ Quem estou sendo hoje em dia,/ Só resta da melancia/ a casca e uma semente"¹

Com enorme sacrifício, publicou diversos folhetos. Tornou-se conhecido nacionalmente desafiando cantadores da região e foi considerado o "cantador das lagostas", por haver demonstrado grande interesse pela pesca desse crustáceo e por defendê-lo em seus versos. Faleceu em 9 de março de 1977.

Algumas Obras:

Conselho de pai para filho (verso)
Biografia de Canoa Quebrada (verso)
Os insultos da política da lagosta em Canoa Quebrada (verso)
Segunda história da lagosta (Verso)
Exemplo aos pescadores de lagosta miúda e ovada (verso)
Exemplo para toda humanidade (Verso)

Estudos

Zé Melancia.Martine Kunz(Org.) Coleção Biblioteca de Cordel. Ed. Hedra. 2005.


¹CAMPOS, Eduardo. Cantador, musa e viola. Rio de Janeiro, Editora Americana; INL, 1973

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