Para a maioria dos vizinhos, moradores ali das imediações da fábrica do gás, finava-se apenas mais um funcionário público. Alguns tinham conhecimento de que ele exercia o jornalismo, e é provável que alguém soubesse que ele era autor de alguns livros. O que talvez ninguém por ali soubesse é que aquele homem pálido, magro, de olhar febril e voz cava, que a tuberculose ia aniquilando aos poucos, havia sido, aos vinte e um anos de idade, um garboso oficial da Marinha do Império. [...]
Quinze dias antes de sua morte, em uma das reuniões que antecederam a instalação da Academia Brasileira de Letras, Lúcio de Mendonça, um de seus idealizadores, havia sugerido, entre outros, o nome de Adolfo Caminha para ocupar uma de suas cadeiras. Era tarde, porém, e o escritor cearense talvez haja falecido sem saber que seu nome fora lembrado para fazer parte da mais alta instituição literária do País.
Gastão Penalva, que dá essa informação, diz também que, logo após a saída do féretro, ladrões entraram na casa deserta para saqueá-la, pouca coisa encontrando além de livros. Segundo ele, a família do escritor, desolada, não se alterou com isso: "Já havia perdido tudo."[1]
Adolfo Caminha, cujos livros A Normalista, Bom-Crioulo e Cartas Literárias, romances os primeiros e crítica o terceiro haviam causado alguma celeuma ao aparecerem, não seria quer citado entre os muitos nomes que povoam as páginas da História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo, editada nove anos depois de seu falecimento.
Ainda em 1897 circularia Tentação, seu último romance "vendido pela ínfima soma de seiscentos mil réis", como disse Pápi Júnior, em conferência pronunciada no Centro Literário de Fortaleza, em fevereiro do mesmo ano.[2]
Caminha deixou inéditos os Pequenos Contos e trabalhava em Ângelo e O Emigrado, que talvez fossem romances, assim como na tradução do teatro de Balzac, tendo ainda anunciado o livro Duas Histórias.
Os amigos que foram visitá-lo nos seus derradeiros instantes (Frota Pessoa, Nestor Vítor, Cruz e Sousa e Oliveira Gomes) sabiam que ali se extinguia uma das maiores vocações de ficcionista que o Brasil possuiu e que, ao se finar antes de completar trinta anos de idade, não pudera dar tudo o que se poderia esperar de seu talento vigoroso.
Lamentavelmente, durante vários anos, a obra de Adolfo Caminha iria ser esquecida e, pior do que isso, deturpada em umas poucas edições, até que o romancista tivesse o definitivo reconhecimento da crítica e do público.
Em parte, talvez haja contribuído para isso o seu temperamento impulsivo, que o fez colecionar desafetos ao longo de sua breve existência. Como disse um de seus maiores amigos, Frota Pessoa: "A sua vida foi uma cadeia de elos partidos pela sua imprudência e conjugados pela força de sua vontade."[3] E outro amigo, Pápi Júnior, afirmou: "Foi com um grito de desafio, um meio grito de revolta e ódio, que Adolfo Caminha se impôs ao apreço de si mesmo.”[4]
Adolfo Caminha faleceu às duas horas da tarde do dia 1º de janeiro de 1897, em consequência de tuberculose pulmonar, sendo enterrado no Cemitério São Francisco Xavier, numa cova que haveria de se perder.
Sua companheira, Isabel, deu-lhe duas filhas: "Belkiss e Aglaís são, sem dúvida, o meu único tesouro!" — dizia o escritor em carta a Pápi Júnior.[5] Belkiss haveria de contrair a moléstia do pai, vindo a falecer meses depois dele. Aglaís seria mulher de Maurício de Lacerda e mãe do escritor Maurício Caminha de Lacerda.
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[1] PENALVA, Gastão. Subsídios para a História Marítima do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Naval, v. II, 1939, p. 465.
[2] PÁPI JÚNIOR. Adolfo Caminha e a sua Obra Literária. Fortaleza, litografia cearense, 1897, p. 11.
[3] PESSOA, Frota. Crítica e Polêmica. Rio de Janeiro, Artur Gurgulino, 1902, p. 226.
[4] PÁPI JÚNIOR. Op. cit., p. 5.
[5] PÁPI JÚNIOR. Op. e loc. cit.
Fonte: AZEVEDO, Sânzio de. O fim de uma vocação. In: AZEVEDO, Sânzio de. Adolfo Caminha: Vida de obra. Fortaleza: Casa de José de Alencar, 1997. p. 15-18. (Coleção Alagadiço).