O Ceará não integrou o Ciclo do Ouro da formação cultural brasileira, disseminado pela Zona da Mata, com sinais visíveis de sua pujança encontrados na faixa litorânea da Bahia à Paraíba. O processo civilizatório cearense típico foi o Ciclo do Couro, como documentam os historiadores e sociólogos.
O boi está presente no semi-árido regional como elemento de interiorização dos seus imensos vazios demográficos, como componente básico da economia primária desenvolvida na região e como matéria-prima essencial para a construção dos equipamentos de seu universo cultural. O Ceará e o Piauí simbolizam essa presença constante em três séculos de ocupação de seus espaços físicos.
No Ceará, particularmente, se exportavam do boi a carne salgada e o couro curtido. A primeira, para consumo humano como carne-de-sol; o segundo, para uso em indumentárias, adornos e diversificados elementos pragmáticos do modelo de civilização rústica. Internamente, do couro eram feitos os móveis das casas sertanejas, a roupa dos vaqueiros, as dobradiças dos currais de gado; os alforjes para acondicionamento da comida levada nas longas viagens a cavalo.
Portanto, o Ceará é produto acabado da Civilização do Couro, sem o fausto observado na Zona da Mata, mas, paradoxalmente, rico na inventiva e na diversidade da sua produção cultural. O professor José Liberal de Castro, no primeiro levantamento sobre os centros de cultura do Ceará Colonial, mapeou as obras-primas da arquitetura popular do Ceará.
Esse trabalho pioneiro incluiu os sítios históricos de Fortaleza, Aquiraz, Aracati, Sobral, Icó e Quixeramobim, principalmente, possibilitando ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) o seu tombamento. Essa conquista não é tudo, mas abre caminho para sua inclusão no plano preservacionista dos monumentos relevantes por seu caráter histórico.
Foi o que aconteceu com a cidade de Icó, primeiro Município do Ceará incluído entre os 26 do País contemplados pelo projeto estratégico do Ministério da Cultura, para recuperação do casario antigo, dando-lhe ocupação condigna e assegurando-lhe, desse modo, a conservação. Esse projeto faz parte do programa Monumenta, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Diante da bem-sucedida experiência de Icó, chega a vez de Aracati. A preservação beneficiará, de saída, as fachadas de 275 imóveis situados na Avenida Coronel Alexanzito (Rua Grande), compreendendo habitações residenciais, prédios públicos e as igrejas católicas, construídos durante os séculos XVIII e XIX.
O ideal seria a recuperação dos imóveis nas suas plantas originais, aspiração difícil de ser concretizada pelas outras funções atribuídas ao casario tombado. A pressão exercida sobre as construções não comporta recuperar a estrutura de outrora. De todo modo, o restabelecimento dos desenhos originais das fachadas representa um passo avançado na remontagem do nosso passado histórico.
Extraído do Caderno Opnião. Editorial publicado no jornal Diário do Nordeste. Fortaleza-CE, 27 de abril de 2008.