Partindo-se de um lado do quadrado com 128 metros, progride-se para a uma forma retangular em uma proporção de √3, resultando no lado maior da praça com 231 metros. Como idéia, porém, a praça traz consigo não apenas uma relação de proporcionalidade própria do método lusitano de “fazer vilas”, ou ainda a confirmação de umas das “invariáveis” de Rossa; mas revela a base utópica do planejamento, considerando as especificidades da colonização cearense, que procurou gerir em sua totalidade a forma das vilas fundadas como expressão da autoridade portuguesa no Ceará. É daí que surge a primeira indagação sobre o espaço idealizado pelos portugueses para o Aracati. Por que uma praça pensada com aquelas dimensões para um núcleo na Capitania do Ceará? Qual o sentido daquela praça, proporcionalmente planejada e tão ampla, para Portugal? A indagação se impõe, mesmo sabendo que, para a América Portuguesa, a Metrópole vinha idealizando e materializando as diretrizes de sua urbanística quase como modelos prévios ao que foi utilizado na Praça do Comércio em Lisboa, após o terremoto de 1750.
De acordo com a classificação tipológica de grandeza e importância dos núcleos proposta por Fernandes (1998, p. 252), e que tem como base as medidas de suas praças centrais, a Praça do Aracati correspondia aos núcleos intermediários entre as “cidades capitais” e as “cidades com dimensão média”. Fernandes classificou três grupos. Primeiro, o dos “Espaços principais de cidades capitais”, como o caso de Lisboa e da “Grande Praça Nova de Goa”, com planos que apresentam praças com dimensões em torno de 1.000 palmos. O segundo corresponde aos “Espaços principais de cidades de dimensão média”, com praças centrais em torno de 500 palmos. Já os planos cujas praças possuem por volta de 250 palmos correspondem aos “Espaços principais de pequenos núcleos”.
Araújo (1998, p.50), embora saliente que a prática não siga com rigor a medida-padrão, confirma o raciocínio sistematizador apontado por Fernandes. Analisando a cartografia da América Portuguesa, mostra que as praças de seus menores núcleos, geralmente os “pequenos aldeamentos indígenas regularizados por planos ordenadores”, possuíam em torno de 250 palmos. Entre eles estavam a “Aldeia Santana, em Goiás (1741), as povoações de Na da Conceição, Na Sa da Lapa e Na As das Necessidades, em Santa Catarina (1751)”, e também, “a Aldeia de São Miguel, no Mato Grosso (1765), ou a povoação de São José de Marabitenas, no Rio Negro (1767)”. O segundo grupo identificado por Araújo engloba as vilas com praças “com dimensões aproximadamente duplas” em relação ao primeiro grupo. Tratava-se dos núcleos de dimensão média que correspondia à maioria das vilas que não tinham “importância específica” na América Portuguesa e que se desenvolveram na segunda metade do século XVIII; tal como São João da Parnaíba no Piauí (1761), com 500 palmos exatos e ainda Desterro e Laguna, em Santa Catarina, e São Pedro do Rio Grande e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul299. A dimensão média das praças do terceiro grupo estava em torno de 500 a 1000 palmos; onde se incluem as vilas de Macapá (1761) e Mazagão (1770). Dentro da sistematização proposta, a vila do Aracati inseria-se neste terceiro grupo. Araújo ainda anota que os núcleos variavam de acordo com as medidas preconizadas para as ruas, os menores com ruas de 35 a 40 palmos e os médios de 40 a 60 palmos. Lembramos que foram propostas para o Aracati ruas com não menos de 30 palmos de largura.
Mediante determinações urbanísticas idealizadas para a praça do Aracati, tanto no Parecer do Conselho Ultramarino como na Carta Régia de fundação do núcleo, identificamos o fato de que, a princípio, as informações sobre o antigo povoado do “Porto dos Barcos” fizeram a Metrópole atribuir uma importância significativa para a futura vila. Tratava-se, no mínimo, de um ponto avançado no movimento expansionista em direção ao sertão nordestino da América Portuguesa, que ocupava um dos lugares mais estratégicos para a economia da pecuária sertaneja, na foz do rio Jaguaribe, na boca de uma das principais estradas das boiadas cearenses. Além disso, apostava-se nos bons rendimentos econômicos do lugar, até então difundidos pela correspondência trocada entre a metrópole e o poder local. O tamanho proposto para a sua praça correspondia às maiores praças da América Portuguesa, como as da Vila de Macapá e Mazagão. Já a largura proposta para as suas ruas, não fica muito clara se correspondiam às vilas de tamanhos menores ou medianos no Brasil, pois apenas frisava que o seu limite inferior era de 30 palmos.
De qualquer forma, as medidas da praça do Aracati eram atribuídas às praças das maiores vilas criadas na América portuguesa; àquelas que possuíam uma importância significativa para a metrópole. Mas como este não era exatamente o caso do Aracati, tanto por sua localização geográfica – não se tratava de uma região de fronteira nem tão pouco estava no litoral canavieiro - como pela baixa lucratividade e produtividade da pecuária se comparada com o açúcar ou a mineração; as proposições formais dos documentos reais não foram formalizadas como preconizadas. O que foi proposto na correspondência entre a metrópole e os representantes do governo tanto em Pernambuco como no Ceará e nos autos de fundação da vila não foram cumpridas em sua integridade durante o século XVIII.
Neto, Clovis Ramiro Jucá. A urbanização do Ceará setecentista - As vilas de Nossa Senhora da Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati- Salvador: UFBA, 2007. p. 326-328