Aracati

Thursday, 06 July 2017 18:31

ARACATI | O SÍTIO CUMBE

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Planta do Porto e Vila do Aracati (Detalhe) Planta do Porto e Vila do Aracati (Detalhe) Silva Paulet

 A comunidade do Cumbe fica no município de Aracati/CE a 172 km de Fortaleza. É a última povoação da margem direita do Rio Jaguaribe12. O acesso ao local é feito por estrada de terra com 12 km de extensão entre a sede do município e o povoado.

No local vivem aproximadamente 150 famílias que tiram seu sustento da pesca e da cata de mariscos e caranguejos. Além dessas atividades principais, alguns moradores trabalham nas fazendas de camarão, e outros se dedicam ao artesanato de madeira e a elaboração da renda de labirinto13.


A natureza do local é composta por grande campo de dunas móveis e fixas, pelo mar, pela quarta maior área de mangue do Ceará, e pela barra do rio Jaguaribe (local em que o rio se encontra com o mar), esse meio ambiente propício atraiu vários habitantes ao longo do tempo. Segundo o relatório final do Programa de Prospecção e Resgate na área da usina Bons Ventos:

(...) as primeiras ocupações em Aracati/Cumbe/Canoa Quebrada seriam anteriores à extinção da floresta de mangue que ali existia em uma cota de 5 a 2m abaixo dos terraços marinhos preexistentes. Conclui também que entre 12.000 e 7.000 anos Antes do Presente (A.P.) o ambiente na região apresentava condições ideais para a ocupação de grupos humanos e que diante da extinção da floresta de mangue (entre 7.000 e 5.000 anos A.P.) essas populações se deslocaram para áreas mais interiores e mais altas da região, provavelmente, nas imediações da área ocupada pela atual vila de Canoa Quebrada ou nas matas fechadas que existiam nas porções mais
interiores. Posteriormente, diante do optimum climático na faixa de 5.000 anos o ambiente se tropicalizou, novas áreas de mangue apareceram e outras populações fixaram-se na área.14

A dinâmica dos ventos, da movimentação dos oceanos, e a presença da floresta de mangue tornam o ambiente favorável, seduzindo “grupos humanos para esta área
desde épocas remotas, atraídos pela diversidade de recursos alimentares presentes na zona estuarina do baixo Jaguaribe” 15.


Mais tarde, com a ocupação da região jaguaribana a partir do final do século XVII, a localidade do Aracati, inicialmente denominada de São José do Porto dos Barcos, tornou-se uma das mais importantes vilas da capitania/província do Siará Grande.

Existem várias versões a respeito da etimologia da palavra Aracati. Segundo o historiador Raimundo Girão, o significado mais aceito vem do vocábulo indígena
“aracati ou aracatu como tempo bom. Chamavam os índios de aracatu ao vento que soprava de norte e refrescava os ardores do estio.” (GIRÃO, 1983, p.33). O dicionário Aurélio, por sua vez, dá a seguinte definição: “Vento que em regiões nordestinas (especialmente no CE) sopra de N.E. para S.O.” 16.

A localização privilegiada da vila, situada à margem direita do rio Jaguaribe, propiciou que a localidade se constituísse como um importante núcleo mercantil, na
medida em que Aracati possuiu o principal porto do Ceará até meados do século XIX, quando o porto de Fortaleza passou a ser o maior da província17. O nome dado a vila,
portanto, já demonstra que o local, além de porto dos navios, era também, porto dos ventos, e que, ao contrário das embarcações, os ventos entravam pelo interior do Ceará, refrescando o início da noite18.


Do porto saiam principalmente o couro e o charque produzidos pelo extenso rebanho cearense, e ao porto chegavam os produtos manufaturados vindos da Europa
(louças, ferro, roupas, calçados, vinhos, etc.), distribuídos para o interior da capitania/província. Conforme aponta o historiador Gabriel Parente Nogueira:

A indústria do charque, desenvolvida em uma região de ocupação recente como era a ribeira do Jaguaribe, conferiu destaque à localidade onde viria a ser criada vila do Aracati, que caracterizava-se como um ponto de encontro que ligava duas correntes que tinham – por motivos diferentes e complementares – o porto do Aracati como destino. A primeira destas correntes vinha dos sertões do Jaguaribe e de outras capitanias, como o Piauí, e tinham no Aracati o destino de suas boiadas que, criadas nas fazendas estabelecidas ao longo das ribeiras, convergiam ao Aracati para – depois de um pousio, cujo fim era a recuperação e engorda do rebanho – serem abatidas
nas oficinas, estrategicamente estabelecidas ao longo da margem direita do Jaguaribe; próximas ao porto por onde o charque e as couramas eram exportados, principalmente para as praças do Recife e de Salvador; estes, os principais pontos de partida da segunda corrente que para o Aracati se destinava em embarcações carregadas por víveres e demais produtos que eram dados em troca das carnes e couros produzidos na vila, produtos esses que destinavam-se a abastecer, além da própria vila, as fazendas dispostas ao longo da ribeira do Jaguaribe e demais paragens nos sertões do gado. (NOGUEIRA, 2010, p. 87)

Por ser um importante ponto de convergência, em Aracati se estabeleceram ricos comerciantes, criadores e produtores de charque. A pequena localidade de São José do Porto dos Barcos foi gradativamente sendo ocupada por luxuosos sobrados, grandes igrejas e vistosos comércios, etc.19.


Alguns desses abastados proprietários das residências e comércios em Aracati, eram também donos de sítios no povoado do Cumbe. Gabriel Parente aponta que o
documento “REQUERIMENTO do sargento-mor Mathias Ferreira da Costa, morador na vila de Aracati, ao rei [D. José I] a pedir provimento no posto de capitão de Cavalaria da referida vila”, datado de 1760, cita um local nas proximidades da vila de Aracati chamado Cumbe. Segundo o requerimento, o Sr. Mathias Ferreira da Costa seria
considerado um dos homens mais ricos da região, possuía imóveis, mobília, escravos, e um grande sítio no Cumbe20.


Existem vários relatos do século XIX, ainda no período colonial, que nos fornecem elementos para entendermos como era a povoação naquele período. O local
recebeu o nome de Sítio Cumbe porque, na época, era ocupado por grandes sítios que cultivavam cana-de-açúcar para a produção de cachaça21. O mapa a seguir, “Planta do Porto e Villa do Aracati”, datado de 1813, aponta a existência da localidade. (REIS FILHO, 2000, p. 148.)


No mapa, podemos observar a proximidade do Cumbe com a Barra do rio Jaguaribe, local onde entravam os navios que circulavam pela vila. Na imagem, está
demarcado ainda, o local da “V ª do Aracati” e a localidade de Canoa Quebrada. O lugar chamado Salinas está à direita do rio e era o ponto onde havia a extração do sal, usado na produção do charque.

O Cumbe, que ficava vizinho a umas das vilas mais prósperas do Ceará no período colonial, tinha o terreno propício para o cultivo da cana, e ficou famoso por produzir uma das melhores cachaças da região.

  

XAVIER, Patrícia Pereira. Valorização e Preservação do Patrimônio Arqueológico na Comunidade do Cumbe - Aracati/CE. 2013. 141 f. Dissertação (Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural) - Iphan, Rio de Janeiro, 2013. p. 20-24. 


12 O rio Jaguaribe é o maior do Ceará com 610 km de extensão. Sua nascente fica na Serra da Joaninha, município de Tauá, no sertão central do estado. A foz está localizada entre os municípios de Fortim e Aracati, bem próximo à comunidade do Cumbe, que é a última povoação ao lado direito do rio.
13 A renda de labirinto é um bordado de fio cortado, distendido em uma armação de madeira quadrada ou quadrilateral, recoberto de bordados feitos à agulha. Seu complexo traçado lembra um labirinto.
14 A.P., quer dizer Antes do Presente. Programa de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico das Usinas de Energia Eólica UEE Bons Ventos, UEE Enacel e UEE Canoa Quebrada, Município de Aracati, Ceará – Relatório Final de Prospecção e Resgate do Patrimônio Arqueológico – Volume I – Tomo II
Ilhéus/Ba.p.547.
15 Estudos Arqueológicos na área de intervenção das usinas de Energia Eólica UEE Bons Ventos 50MW, UEE Canoa Quebrada 57 MW e UEE Enacel 31,5 MW, Município de Aracati – Ceará – Etapa I – Prospecção – Volume I – Diagnóstico. Relatório apresentado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Bons Ventos Geradora de Energia S/A. Fortaleza, Janeiro de 2008. p. 127.
16 Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Versão 7.0, Editora Positivo, 2010.
17 Para aprofundar o assunto consultar: (LEMENHE, 1991).
18 Muitos moradores do interior até hoje têm o costume de sentarem-se nas calçadas para esperar o vento Aracati passar.
19 Grande parte das edificações da cidade de Aracati continua preservada. A cidade foi tombada como Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Aracati pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2000.
20 (...) o homem mais afazendado que há nesta Villa [Aracati] tanto em bens de Raiz, como movilia, e escravos e elle Testemunha nenhuma duvida teria dar lhe doze mil cruzados pellas suas fazendas por que só por hua chamada do Cumbe lhe Davao quatro mil cruzados em meyas doblas e o não quis dar e aLem destas terras, que tem nesta Capitania, tem outras muitas muitas mais na do Rio Grande (...). (NOGUEIRA, 2010.p. 154).
21 Alecsandro Ratts no texto “A fábula das três raças” trabalha com a hipótese do local ter sido habitado por escravos, pois, segundo ele a palavra Cumbe na Venezuela é o nome dado a Quilombos. RATTS, Alecsandro. A “fábula das três raças” no Vale do Jaguaribe. In: Propostas Alternativas: Vale do Jaguaribe Natureza e Diversidade Cultural – II, nº 7. Fortaleza: IMOPEC, 2000. p.22 –27.

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