Arte

Sunday, 27 December 2015 21:13

Crime e Castigo

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A notícia vem de Belém do Pará: um garoto de 11 anos de idade vingou a morte do pai, na mesma hora em que este morria assassinado, aos 43 anos, com 17 facadas. O garoto, que assistiu ao crime, vendo as vísceras de seu pai expostas, misturadas ao barro da rua, correu para sua casa. 

Mas voltou com uma velha espingarda de passarinhar, no momento em que o criminoso "deixava o local do crime, tranquilamente, com a faca nas mãos". O menino apertou o gatilho, a carga de chumbo apanhou o assassino de seu pai pelas costas. 

O duplo homicídio ocorreu, diz a notícia, na Vila do Breu, município de Tome-Açu. O garoto foi preso e, após a lavratura do auto de constatação da infração, ficou sob a custódia do comissário de polícia local. E daí, pergunto eu? 

Sei que há uma legislação especial para menores, mas quem condenaria Waldir da Silva que, num ato de desespero, vingou a morte do pai, tomado de violenta emoção? Ainda mais: quem apagará da memória deste menino a cena brutal, que as palavras são impotentes para registrar? 

Recordo-me que, anos atrás, também falei de um caso semelhante. Tratava-se de um crime praticado por um vendedor de bilhetes, menor de 15 anos, que, no centro da cidade de Petrópolis, abateu a tiros de revólver o trucidador do pai. 

Até hoje eu não consegui esquecer o punhal de Raimundo Nonato na garganta de meu pai, enquanto era ele seviciado por dois ou três bandidos. Meu pai se negava a engulir o artigo de fundo do seu jornal, que denunciava um contrabando de cera de carnaúba. 

 Este menor assistira, há quatro anos passados, à mutilação do pai, pelo que o cadáver foi identificado com muita dificuldade. O filho ficou com aquela imagem sangrenta nas retinas, que ia ficando cada vez mais nítida e traumatizante com o passar do tempo. 

Durante quatro anos ele acompanhou o assassino do pai. Via-o, no centro da cidade, alegre, conversando, fumando charuto. Um anel grande do assassino tinha um poder enorme sobre o garoto. Chegava a sonhar com o homem trucidador, de anel grande, deformando a cara do pai com um machado, para dificultar a identificação. 

Há muitos e muitos anos atrás, eu também, na minha impotência de menino de 8 anos de idade, assisti, aos prantos, à invasão de nossa casa. Foi na cidade de Aracati. Os vândalos, chefiados por um conhecido matador profissional, na calma do domingo provinciano, entraram casa adentro e tudo quebraram. Até as xícaras de tomar o café da manhã! 

Até hoje eu não consegui esquecer o punhal de Raimundo Nonato na garganta de meu pai, enquanto era ele seviciado por dois ou três bandidos. Meu pai se negava a engulir o artigo de fundo do seu jornal, que denunciava um contrabando de cera de carnaúba. 

Minha mãe, visivelmente grávida, gritava, pedia clemência, segurava o pulso do homem que ameaçava sangrar meu pai como um porco, um animal qualquer. Eu e mais dois irmãos chorávamos de terror. 

Depois que deixaram meu pai desacordado, passaram para o prédio anexo, que era a redação do jornal, e tudo danificaram. Todas as caixas de tipo e todas as máquinas impressoras. Todas as resmas de papel do depósito. 

Mandante e mandados, como quase sempre, ficaram impunes. Raimundo Nonato ficou ainda mais temido. Nunca negou ter comandado o vandalismo. E eu nunca o esqueci e nunca o perdoei. Quanta vez não fiz planos para matá-lo! 

Um dia, não muito longe do atentado, ele foi morto a pauladas, como um cão danado, por um canoeiro. Eu fui ver seu corpo enterrado na lama. Na lama do rio da minha pequena cidade. E confesso que tive uma alegria imensa e que desde aquele dia eu nunca mais sonhei com Raimundo Nonato. 

 

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