Mas voltou com uma velha espingarda de passarinhar, no momento em que o criminoso "deixava o local do crime, tranquilamente, com a faca nas mãos". O menino apertou o gatilho, a carga de chumbo apanhou o assassino de seu pai pelas costas.
O duplo homicídio ocorreu, diz a notícia, na Vila do Breu, município de Tome-Açu. O garoto foi preso e, após a lavratura do auto de constatação da infração, ficou sob a custódia do comissário de polícia local. E daí, pergunto eu?
Sei que há uma legislação especial para menores, mas quem condenaria Waldir da Silva que, num ato de desespero, vingou a morte do pai, tomado de violenta emoção? Ainda mais: quem apagará da memória deste menino a cena brutal, que as palavras são impotentes para registrar?
Recordo-me que, anos atrás, também falei de um caso semelhante. Tratava-se de um crime praticado por um vendedor de bilhetes, menor de 15 anos, que, no centro da cidade de Petrópolis, abateu a tiros de revólver o trucidador do pai.
Até hoje eu não consegui esquecer o punhal de Raimundo Nonato na garganta de meu pai, enquanto era ele seviciado por dois ou três bandidos. Meu pai se negava a engulir o artigo de fundo do seu jornal, que denunciava um contrabando de cera de carnaúba.
Este menor assistira, há quatro anos passados, à mutilação do pai, pelo que o cadáver foi identificado com muita dificuldade. O filho ficou com aquela imagem sangrenta nas retinas, que ia ficando cada vez mais nítida e traumatizante com o passar do tempo.
Durante quatro anos ele acompanhou o assassino do pai. Via-o, no centro da cidade, alegre, conversando, fumando charuto. Um anel grande do assassino tinha um poder enorme sobre o garoto. Chegava a sonhar com o homem trucidador, de anel grande, deformando a cara do pai com um machado, para dificultar a identificação.
Há muitos e muitos anos atrás, eu também, na minha impotência de menino de 8 anos de idade, assisti, aos prantos, à invasão de nossa casa. Foi na cidade de Aracati. Os vândalos, chefiados por um conhecido matador profissional, na calma do domingo provinciano, entraram casa adentro e tudo quebraram. Até as xícaras de tomar o café da manhã!
Até hoje eu não consegui esquecer o punhal de Raimundo Nonato na garganta de meu pai, enquanto era ele seviciado por dois ou três bandidos. Meu pai se negava a engulir o artigo de fundo do seu jornal, que denunciava um contrabando de cera de carnaúba.
Minha mãe, visivelmente grávida, gritava, pedia clemência, segurava o pulso do homem que ameaçava sangrar meu pai como um porco, um animal qualquer. Eu e mais dois irmãos chorávamos de terror.
Depois que deixaram meu pai desacordado, passaram para o prédio anexo, que era a redação do jornal, e tudo danificaram. Todas as caixas de tipo e todas as máquinas impressoras. Todas as resmas de papel do depósito.
Mandante e mandados, como quase sempre, ficaram impunes. Raimundo Nonato ficou ainda mais temido. Nunca negou ter comandado o vandalismo. E eu nunca o esqueci e nunca o perdoei. Quanta vez não fiz planos para matá-lo!
Um dia, não muito longe do atentado, ele foi morto a pauladas, como um cão danado, por um canoeiro. Eu fui ver seu corpo enterrado na lama. Na lama do rio da minha pequena cidade. E confesso que tive uma alegria imensa e que desde aquele dia eu nunca mais sonhei com Raimundo Nonato.