Diferentemente de Quaresma, seu colega de transmutação que virava Porco. Sufraia se transformava num Bezerro preto. Sua área de operação como Lobisomem acontecia perto de onde ele morava, lá para as bandas da Maloca quase chegando aos Franceses.
Sopeira, que viajava muito a Cascavel para comprar criação, só chegava em casa bem perto da Meia-Noite. Tinha Sopeira um pequeno cercado que ficava vizinho ao Castelo, onde recolhia suas criações que vendia para o abate ali mesmo e noutros bairros da periferia da Cidade. Conhecia, portanto, todas as marmotas aprontadas por Sufraia quando virava Lobisomem.
Uma noite, quando Sopeira já se encontrava no cercado, separando umas cabras e ovelhas para entregar a um comprador que no começo da manhã iria abater os animais para a venda da carne no Mercado Público, ficou de atenção redobrada com o barulho de uma correria e o latido constante de um cachorro que não parava de latir. Chegando à porteira do cercado, deu de frente com o homem que vinha comprar suas criações; ainda esbaforido com a carreira que deu, foi o homem relatando quase sem fala, que correu feito um desatinado, para se livrar do ataque do Bezerro preto que lhe encurralara num beco escuro e que, se não fora a valentia do seu cachorro vira-lata que não recuara diante do ataque, tinha sido ferido pelo Bezerro preto doido, que urrava e dava coice como se tivesse tomado pelo diabo.
- Num é Bezerro não o que tu viu não, homem. Aquilo é Sufraia, um Lobisomem. Ele vira esse Bezerro preto que tu viu nessas noites de lua cheia.
O Lobisomem Sufraia, surpreendido pela valentia do cachorro vira-lata chamado Tuninha, que, ao enfrentá-lo, deu-lhe uma forte mordida na perna, saiu em desespero à procura das bandas da Várzea Preta e foi se esconder no meio do denso carnaubal ali existente, para não ser descoberto naquela situação ainda na condição de Lobisomem Bezerro.
Naquele tempo na Várzea Preta deserta, não havia uma viva alma em toda a redondeza. O lugar mais próximo onde tinha uma pequena casa era o Bouqueval.
Sufraia, ferido na perna, amedrontado, sem noção do tempo, esperava que a reversão da transformação de Lobisomem lhe devolvesse a natureza de humano e pudesse então retornar para sua casa antes da Meia-Noite que era seu tempo limite de voltar a ser normal.
Acontece que, encoberto pelas palmas das carnaúbas, Sufraia não percebeu que ficou escondido tempo demais e não viu a Lua cambar para o Ocidente, pro outro lado do céu. Além do mais, também não escutou o galo que cantou lá no terreiro da casinha do Bouqueval, pois, segundo a tradição, o Lobisomem tinha que se desvirar de Lobisomem antes da Meia-Noite e antes de o galo cantar, senão virava Lobisomem para todo o sempre.
Em desembestado galope a quatro patas, Sufraia buscava desesperadamente alcançar o caminho de casa. De repente, estancou e um fogo imenso e cortante tomou conta do seu corpo, deformando o torso daquele Lobisomem-Bezerro transformando-o numa figura híbrida de gente e animal. Ficou Sufraia com a cara de gente! E talhe de animal... Não era mais gente nem tampouco animal.
Para o resto de sua vida, Sufraia ficou vagando ao longe pelos currais e por monturos de lixo do Aracati à procura de comida. Todo mundo, quando via a figura de Sufraia que pouco se aproximava da cidade, corria de Medo e de Pavor... Enquanto isso, Sufraia, que nunca mais virou Lobisomem, não podia nem ouvir o latido d’um cachorro!