Marciano- Quando teve início o seu contato com a fotografia? Há uma história a partir da imagem que lhe mobilizou para o trabalho com a fotografia?
Joe- Em 1995. Eu tinha nove anos de idade, quando me deparei com uma ilustração em um desenho animado japonês na TV, uma espécie de mandala. Aquela imagem me encantou pela riqueza de detalhes, simetria, ordem e uma beleza que nunca tinha visto antes. Eu senti a necessidade de ter esta imagem capturada (em 95 eu sequer sabia da existência da internet e, mesmo que soubesse, não era acessível como hoje.). Eu vi na fotografia um meio para capturar essa imagem e a estratégia era a mais absurda, porém, na minha mente fazia todo sentido: apontar a câmera Yashica do meu pai para a tv e esperar a cena aparecer no desenho animado. O resultado é fácil de imaginar, fracasso total. Me deparei com um novo obstáculo: Aprender a operar a câmera corretamente. Recorri à única escola que poderia me ensinar, o Instituto Universal Brasileiro, um curso de fotografia analógica por correspondência de 36 fascículos dos quais eu conclui três antes de desistir. Houve então um hiato dos 9 aos 25 anos onde a fotografia adormeceu. Aos 25 eu conheci um fotógrafo de esportes radicais e novamente a fotografia acordou. De lá para cá, não parei mais de fotografar.
Marciano- A imagem fotográfica é um instante capturado num dado momento. O que cabe nesse efêmero instante eternizado?
Joe- Seria uma lista grande demais para responder, mas se eu pudesse responder em uma palavra, eu responderia que é a narrativa, em ato ou em potência. A imagem fotográfica pode ser em um ponto de vista, uma representação “fiel” da realidade em ato ou, em vários outros pontos de vista, uma representação distorcida da realidade. Tudo depende da narrativa que se quer trazer. A imagem tem um poder imenso, tanto pode apontar uma nação para a verdade como guiá-la para a mentira.
Marciano- O fotógrafo e historiador Boris Kossoy crê na fotografia como uma transposição da realidade visual para a realidade da representação. Em que medida o fotógrafo é uma ponte ou um abismo entre essas dimensões apresentadas por Kossoy?
Joe- Na idade média os bardos eram os responsáveis por contar histórias de lugares distantes ou de feitos heroicos de personagens. Estas histórias poderiam ser reais ou imaginárias. O fato é que os bardos passaram a ser respeitados e temidos pelo seu poder de usar as palavras e canções para favorecer ou arruinar a reputação de alguém que o agradasse ou o aborrecesse. O fotógrafo (e aqui quero conceituar o fotógrafo como: Aquele que detém o conhecimento e a habilidade de aplicação dos elementos da linguagem visual em uma imagem fotográfica – símbolos, arquétipos, Gestalt, semiótica etc.) detém este mesmo poder e, com ele, pode ser uma ponte entre o observador e a representação da realidade ou um abismo para o mesmo. Tudo depende da narrativa que ele adotará.
Marciano- Você retoma um gênero clássico na fotografia, o retrato. Quais valores estéticos presentes nesse formato despertam o seu interesse?
Joe- Eu acredito que o principal é a beleza, por acreditar que é um valor como verdade e justiça são. Prezo pela beleza pela infinidade de outros valores que ela contém. A Beleza remete a harmonia, equilíbrio, ordem, planejamento e sempre leva a algo bom, justo, agradável e completo. É fácil enxergar que estes atributos são características de Deus e apontam para Ele e sua glória. Como seu filho, tenho muito interesse em ter estes valores impressos em tudo que faço na intenção de apontar para Ele.
Marciano- Que outras poéticas suscitam a partir do seu trabalho com a fotografia?
Joe- Particularmente eu sou muito mais visual do que auditivo ou cinestésico. Diante disto, meu trabalho com a fotografia, especificamente o de retratos combina principalmente as artes visuais, desde cinema a pinturas do renascimento, passando por alguns fotógrafos antigos e contemporâneos. A partir da construção deste trabalho nascem as mais variadas aplicações que vão desde retratos de família, como uma forma afetiva de tornar perene uma geração a retratos estratégicos para profissionais, onde construo, no retrato, uma narrativa que se comunica e atrai um público específico de interesse do meu retratado.
Marciano- A fotografia digital trouxe algumas reflexões sobre uso cada vez mais frequente da imagem. Alguns falam que vivemos o tempo da “banalização da imagem” outros creem que esse tempo se traduz como de “democratização da imagem”. Qual a sua opinião?
Joe- As duas reflexões são reais. O digital tornou a fotografia mais veloz nos processos de visualização, mais acessível na produção e no compartilhamento e transpôs até mesmo boa parte da técnica com os softwares. Eu visualizo a democratização e a banalização da imagem como etapas de um ciclo. O fácil acesso e velocidade de revelação somada ao baixo repertório cultural propicia um grande volume de imagens cada vez mais voláteis e pobres de significado. Aos poucos, os símbolos e seus significados sofrem ataques para serem desestruturados e tudo passa a ser relativizado. O grande problema é que, se valores como a beleza forem relativizados ao ponto de se afirmar que tudo é belo (inclusive o feio), outros valores como a justiça e a verdade também poderão ser relativizados, sem existir certo ou errado, justo ou injusto. Sem a ordem, o caos reina. O fim deste ciclo seria um movimento de retorno à ordem original.
Entrevista publicada na Revista Gente de Ação (ANO XXI • Nº 179 • MARÇO 2022).