Aracati

Sunday, 28 July 2024 15:28

ENTREVISTA | ARTE, EMPATIA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: A VISÃO DE NADYEGIDA BARBOSA

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Nadyegida Barbosa Nadyegida Barbosa Foto: Viktor Braga

Nadyegida Barbosa, atriz, escritora e advogada, revela em uma entrevista exclusiva como a experiência estética moldou sua trajetória pessoal e profissional. Desde a infância, a arte a conectou de forma única, ensinando-a sobre empatia e altruísmo. Com vasta experiência no Terceiro Setor, a autora destaca a importância da formalização e estabilidade financeira das organizações, propondo a criação de políticas públicas mais efetivas. Em meio às transformações da economia criativa, Nadyegida aponta desafios e potencialidades, vislumbrando um futuro sustentável para Aracati.

MARCIANO PONCIANO- Como a experiência estética influenciou a sua trajetória pessoal e profissional?

NADYEGIDA BARBOSA - Faço questão de dizer que a experiência estética nasceu a primeira vez que vi o Grupo Lua Cheia, num Auto de Natal, enquanto criança. Algo de mágico aconteceu diante dos meus olhos, descobri que havia como se conectar coletivamente sem perder a leveza das palavras. A arte me deu sensibilidade nas duas trajetórias, mas cada uma delas seguiu vieses complementares do que sou hoje. Pessoalmente, me tornei uma pessoa que se cobra enxergar no outro um pouco do que há em mim, aprendi sobre empatia e altruísmo. Enquanto profissional, a experiência estética me deu consciência de classe - não esquecer de onde vim -, capacidade de dialogar e resolver problemas de forma criativa, sempre focando na solução.

MP- Qual o papel dos sonhos na sua vida? Como eles te motivam a seguir em frente e a superar desafios?

NB - Eu sou feita de sonhos. Acho a palavra meta tão fria, pragmática, superficial. Eu tenho sonhos. Meus sonhos sempre estiveram ligados à minha família, ao Aracati - cidade que me embalou e me fez andar sobre as próprias pernas - e sobre a arte. A palavra sonho na minha vida se confunde com a palavra arte, porque somente neste (não) lugar eu transito sem pedir licença ou me desculpar por olhar mais de perto. Eu experimento a vida real no sonho/na arte, sou metódica, e, logo em seguida, realizo. Se mentalizo algo, me divirto no mundo real, realizando esse algo. Esses sonhos, feitos de experiências da vida real, me motivam a olhar gentilmente para os meus erros e pensar que “amanhã, recomeço”, como diria Drummond.

MP- Em abril de 2021, você publicou pela Amazon o livro “Chão de Vento”. Quais temas foram abordados nessa obra?

NB- Publiquei “Chão de Vento” no mês do meu aniversário, durante a pandemia da COVID-19, como forma de gritar pela vida, agradecer por estar viva e celebrar o chão que, depois de alguns anos morando fora, voltou a ser meu refúgio. O bom leitor verá que todas as histórias encontram um cenário em comum: o Aracati. Fui criada na casa do meu avô que era caminhoneiro. Eu cresci prestando muita atenção ao que meu avô dizia e muito nova escrevia como eu imaginava as histórias que ele contava. Desde criança, quando eu ando pela cidade, olho para os becos, casas, detalhes das pessoas e na minha cabeça as histórias estão acontecendo, paralelas ao mundo real, indiferentes ao movimento e ao som. Os temas abordados são vulnerabilidade social (física, psicológica, financeira, cultural), violência doméstica e religião. Em todos esses temas me esforço para que estejam grudados à pele do(a) personagem e, uma vez refletidos nas palavras, causem assombro ou silêncio.

MP- Poderia compartilhar conosco sua experiência de trabalho no Terceiro Setor? Quais foram os principais aprendizados que você vivenciou?

NB- Sou formada em Direito e, desde o primeiro semestre da graduação, fui bolsista pesquisadora pelo CNPq ( Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pela FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Minha pesquisa foi elaborada tendo como objetivo trabalhar justiça social, mediação de conflitos e direitos humanos. Logo, fiz parte de muitos projetos de extensão e o público transitava entre mulheres vítimas de violência doméstica e jovens inseridos em territórios de alta vulnerabilidade social. Em 2017, eu estava finalizando a graduação em Direito, e uma pessoa, sabendo desse histórico, me chamou para assumir a Gestão Social de um Projeto do Terceiro Setor, chamado “Coral Canto da Casa, da Associação dos Amigos do Coral da UFC (ACUFC), por meio do Edital Mecenas, da Secretaria de Cultura do Estado. Eu escrevia o projeto,  captava , geria os recursos, fazia pagamentos e prestação de contas. No Projeto, os alunos recebiam aulas de canto, letramento musical, corpo e liderança social. O projeto dialogava com diversos territórios de Fortaleza, levando um musical a cada ano até escolas públicas sem estrutura de teatro. Quebramos barreiras ousadas em que incluímos por meio da arte esses jovens e levamos arte para longe do grande centro cultural da cidade.
Em 2021, fui convidada para Coordenar Projetos pelo Rodrigo Nogueira, Secretário de Desenvolvimento Econômico (SDE), da Prefeitura de Fortaleza, a fazer parte da equipe dele. Pude criar políticas públicas, avaliá-las, transitar em espaços e ter voz dentro deles, negociar politicamente ao que me cabia, entender de fato como as coisas funcionam no Serviço Público.

Descrevo essa retrospectiva no Terceiro Setor e Setor Público para dizer que quando estão alinhados e quando há de fato interesse político de fazer acontecer, o resultado é transformador. Entretanto, é exaustivo o processo de gestão em organização não-governamental, porque não se tem um financeiro estável, algo similar ao trabalho autônomo. Nele todos os dias contam, cada dia é uma vitória e dez derrotas, mas foi o trabalho mais poderoso e realizador que eu já tive na minha carreira até agora. O Terceiro Setor obriga você a enxergar as pessoas, o território, a cultura local, o setor público e o privado de formas diferentes, além de te colocar em espaços em que ou você convence as pessoas em 15 minutos sobre o Projeto ou você perde apoio institucional ou financeiro que manteria esse projeto vivo, pulsando.

MP- Quais são os maiores desafios enfrentados pelas organizações do Terceiro Setor no Brasil? Como podemos superá-los?

NB- O maior desafio é a formalização dessas organizações, leia-se formalização contábil, jurídica, institucional e somado a esse desafio tem-se a instabilidade do apoio financeiro. Conheço projetos espetaculares, no próprio Aracati temos vários, mas que não conseguem pleitear editais porque não estão estruturalmente organizados. Grande maioria dessas organizações vivem no “tudo ou nada” e não dá para perseverar sem estrutura mínima. Pergunta desafiadora, mas ousaria dizer que um caminho interessante seria a criação de políticas públicas com metodologias ativas, de campo, de mapeamento sério e envolvimento estrutural dessas organizações.

MP- De que forma as novas tecnologias podem ser utilizadas para fortalecer o trabalho das organizações do Terceiro Setor?

NB- As novas tecnologias permitem uma nova linguagem e tudo que é novo tem a força da curiosidade para que se sustente. Quando se fala em novas tecnologias, lembremos que também estamos falando em linguagem. Há um método novo de se escrever juridicamente editais chamado de “linguagem simples”, ele tem por finalidade simplificar, como o próprio nome diz, a linguagem e a diagramação dos editais de fomento e de documentos jurídicos, como contratos, por exemplo. Figuras, linhas do tempo e fluxos dão lugar a textos longos e impregnados de termos jurídicos. Essa nova metodologia permite a pessoas de boa índole a criar, escrever e prestar contas de projetos e programas dentro de comunidades alheias às políticas públicas em geral.

MP- Quais são as principais tendências da economia criativa que você observa e como elas podem influenciar o futuro do trabalho artístico?

NB- No campo de políticas públicas, estudamos que as agências multilaterais, desde a década de 1980, definem a política, o investimento e a forma de avaliá-las. Dito isso, lembro que há poucos anos, em reunião com uma equipe de um banco de financiamento de programas em países da América Latina, fui questionada como um projeto que eu coordenava, na área de economia criativa, se distinguia do que a China já fazia. A globalização tem por tendência a nos levar a um lugar comum que é a produção em massa e o desafio de quem está nas trincheiras da economia criativa é retornar às origens, ao que não há como reproduzir plasticamente, ao que reivindicamos assim que acordamos: nossas fontes primárias.

MP- Como você avalia o cenário da economia criativa no Brasil? Quais são suas potencialidades e desafios?

NB- Desde o início de 2023 retomamos o convívio com o Ministério da Cultura, e, simbolicamente, isso é muito importante, tendo em vista que políticas públicas e organizações do Terceiro Setor terão, mais uma vez, oportunidade de diálogo e de continuidade, para além da sua manutenção. Vivemos um cenário de esperança e de ajustes às novas tendências. As potencialidades e os desafios estão diretamente relacionados ao que chamamos de novas tecnologias. Nosso novo tempo busca entender, através do espelho que criamos, qual a linguagem que naquele momento estamos usando.
A economia criativa tem para si novas portas e janelas abertas, mas ainda é um caminho exaustivo para os nossos artistas e empreendedores.

MP- Considerando a rica história e tradição cultural de Aracati, como você imagina que o Terceiro Setor pode contribuir para o desenvolvimento sustentável da cidade, preservando seu patrimônio cultural e ambiental enquanto impulsiona o crescimento socioeconômico da comunidade local?

NB- Quando falamos em desenvolvimento sustentável é preciso entendermos que há algumas dimensões de sustentabilidade, como política, institucional e ambiental. Coincidentemente, tratei desse tema na dissertação de mestrado em Avaliação de Políticas Públicas na UFC (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ). O Terceiro Setor é transversal ao desenvolvimento, porque é ele quem conecta o novo ao já existente, em qualquer setor econômico. Desse modo, o Terceiro Setor é crucial nesse sentido, uma vez que sua adaptabilidade e as múltiplas possibilidades de atuação, podem ser somadas às políticas públicas já existentes. Aracati é uma cidade tão plural que emerge inúmeras ideias, seja mapeando temáticas e territórios, oferecendo serviços complementares ao serviço público, cooperando ou ensinando as comunidades aracatienses a cooperar, leia-se economia solidária, criativa e circular, finalmente, estabilizando as programações culturais nos períodos de transição eleitoral e evitar o apagão institucional histórico no Brasil, durante esse período. Historicamente, há descontinuidade de políticas públicas durante as transições de gestão e o setor mais vulnerável é a economia criativa.


Entrevista concedida pela atriz, escritora e advogada Nadyegida Barbosa a Marciano Ponciano em 27 de julho de 2024.

Para saber mais:

Nadyegida Barbosa

Instagram: @nadyegida

CHÃO DE VENTO

 

 

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Marciano Ponciano

MARCIANO PONCIANO- Sou natural de Aracati-Ce, terra onde os bons ventos sopram. Na academia da vida constitui-me poeta, realizador de sonhos, encenador de máscaras. Na academia dos saberes acumulados titulei-me professor de Língua Portuguesa e especializei-me em Arte-Educação. O projeto de vida é semear a arte por onde passe: teatro, poesia, artes plásticas- frutos da experiência acumulada em anos dedicados a ser feliz. Quando me perguntam quem sou - ator, poeta, encenador, artista plástico, educador? Afirmo: - Sou poeta!

Publicou:

Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. própria. Aracati-CE. 1996.

Caderno de Literatura Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2006.

aracaty. Cadernos de Teatro. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2010.

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Sobre nós

O Grupo Lua Cheia, com sede na cidade de Aracati-CE, é um coletivo de artistas formado em 1990 com o objetivo de fomentar, divulgar e pesquisar a arte e a cultura.