Arte

Monday, 27 May 2024 21:07

ENTRE CONTORNOS E MATIZES: O MUNDO VISUAL DE ISADORA DUARTE

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Detalhe da HQ "O Explorador" de Isadora Duarte. Detalhe da HQ "O Explorador" de Isadora Duarte. Acervo da autora.

Desde muito pequena, Isadora Duarte percebeu na arte um trampolim para as sutilezas. Com seu olhar atento, capturou das imagens a poesia latente em cada contorno e matiz, traduzindo-as em plurissignificações. Bebeu nas fontes do teatro ainda na educação básica; enveredou-se pela dança em expressões dramáticas e encontrou nessa miscelânea de experimentações um lugar para arte como ofício e expressão do mais humano sentimento. Em entrevista para a página do Grupo Lua Cheia de Teatro, ela rabisca com as palavras formas de uma arte em perene construção.

MARCIANO PONCIANO- Quais aspectos diferenciam a ilustração digital da ilustração tradicional?

ISADORA DUARTE- A meu ver, o aspecto que mais difere o meio digital e o tradicional é o medo de errar. Na ilustração digital, eu posso recomeçar quantas vezes forem necessárias sem que seja preciso gastar nenhum recurso para que isso aconteça. Posso lançar mão de muitas experimentações sem o risco de perder horas de trabalho no que poderia ser uma decisão errada para aquela peça.

As limitações na arte digital são autoimpostas (limitações como formato da ilustração, paleta de cores, tamanho do projeto e por aí vai), enquanto a arte tradicional te limita a partir das ferramentas disponíveis.

Atualmente, tenho preferido o meio digital para compor minhas ilustrações, mas erra quem interpreta que os meios tradicionais e digitais como rivais, muito pelo contrário, são aliados! Durante o processo, não só eu, mas muitos artistas, misturam bastante essas duas mídias.

MP- Quais são os artistas e ilustradores que mais te inspiram e influenciam o seu trabalho?

ID- Nossa, são tantos! Atualmente, meu ilustrador e quadrinista favorito é o Jordi Lafebre, a expressividade dos personagens dele é fantástica, o uso de cores na narrativa e a habilidade dele como contador de histórias são exemplares. Outro quadrinista que acompanho bem de perto é o brasileiro Paulo Moreira, ele tem um humor muito afiado e localizado, seus quadrinhos têm uma leitura superleve e divertida, sou superfã! Outros artistas como Joana Fraga e Isadora Zeferino também são grandes referências visuais para mim.

MP- Qual é a importância da relação entre texto e imagem na ilustração de livros infantis?

ID- Desenhar e ilustrar são coisas bem diferentes, a ilustração necessariamente vem atrelada a um texto, a um significado. A ilustração por si só é uma história, e cabe ao artista, o narrador dessa história, escolher o caminho que ele vai traçar para que os olhos do espectador possam caminhar pelo mundo que o artista criou. As ilustrações de um livro infantil são tão, ou até mais, importantes do que as palavras escritas; e mais, em alguns casos, as palavras são os acessórios da ilustração, ali presentes unicamente para dar vocabulário para as crianças saberem expressar os sentimentos transmitidos pela arte.

MP- A ilustração pode impactar positivamente o desenvolvimento das crianças?

ID- Absolutamente! Principalmente quando as palavras escritas ainda não são acessíveis para a criança, as ilustrações estão ali para contar causos, as levarem em uma aventura e até ensinar lições que vão desde conteúdos lúdicos a temáticas como sobre convivência social, moral, dentre outros temas importantes ao desenvolvimento da personalidade.

Acredito que alguns sentimentos são tão grandes, ou de tanta complexidade, que palavras não são o suficiente para descrevê-los. Fazer arte onde seu vocabulário não alcança é libertador!

Detalhe da ilustração "A Casa do Caranguejo". Isadora Duarte.

MP- De que forma as cores utilizadas em suas obras contribuem para a transmissão de emoções e mensagens, e qual é a relevância desse aspecto para a sua arte?

ID- São muito importantes, existe todo um universo de estudo que explica como as cores sozinhas, e em conjunto, podem transmitir sentimentos. As cores são definidas em três aspectos: Valor, Matiz e Saturação. Esses aspectos são relativos ao contexto dessa cor, e dependendo do contexto, a concepção dessa cor pode variar. Um exemplo muito comum sobre a mensagem que uma paleta de cores pode passar, está na identidade visual de rede de fast food e como quais as sensações que essas cores ou conjunto de cores podem auxiliar no fomento das emoções que as companhias querem associar ao venderem seus produtos aos clientes. A exemplo do “McDonald's”. O vermelho expressa a urgência, e o amarelo a rapidez. Essa rede quer que seu cliente compre muito e saia rápido do seu estabelecimento, para dar espaço para mais clientes entrarem. Esse é só um exemplo, em artes mais complexas, as cores podem também passar mensagens mais profundas.

MP- Como você trabalha para transmitir uma narrativa visual coesa?

ID- Através da composição da ilustração, não há boa composição sem uma boa hierarquia visual. Hierarquia é a ordem de importância dentro de um grupo de elementos, expressar essa ordem é tarefa primordial do artista. A hierarquia controla a transmissão e o impacto da mensagem, cabe sempre ao artista determinar quais elementos são os mais importantes dentro de uma ilustração.

MP- Qual foi o processo criativo utilizado ao desenvolver obras como “O Explorador” e “A Casa do Caranguejo”?

ID- Em ambos os casos, parti de um lugar em comum no meu coração. Roteirizar e ilustrar essas obras já eram desafio o suficiente, tirar ideias do papel nunca é fácil, então escolhi temas que seriam mais fáceis tecnicamente e mais tranquilos emocionalmente.

No processo de ilustração do livro “A Casa do Caranguejo”, fui muito à praia e tentei guardar todas as sensações que ali senti para depois transmiti-las nas ilustrações. O processo para “O Explorador” foi um pouco diferente, pois o desafio era outro. Fazer quadrinho e ilustrar um livro são processos similares, mas com dificuldades técnicas distintas. Nos cenários do quadrinho “O Explorador” me inspirei muito no jardim da minha avó, lembro que quando pequena olhava para todas as plantas e me imaginava numa selva. Quanto a história, na época que fiz o quadrinho, me inspirei muito nas dificuldades que encontrei sendo uma jovem adulta que, pela primeira vez, vivia sozinha e ganhava seu próprio sustento.

HQ "O explorador". Isadora Duarte.

MP- Você pode nos contar sobre um momento particularmente memorável ou significativo em sua carreira?

ID- Acho que foi quando percebi que viver de arte era possível, muito difícil, mas possível. Por mais que eu sempre tenha sido encorajada pela minha família, desenhar sempre foi visto como um hobby que valia a pena ser mantido, mas não como uma forma de sustento. Foram pequenos momentos, ao longo de vários anos, que se moldaram com o tempo.

Começou comigo pagando um sorvete com o dinheiro que fiz fazendo um desenho para algum amigo, depois consegui comprar uma blusa, até que paguei uma conta de luz atrasada, fiz algumas compras semanais, adquiri panelas novas e alguns móveis, quando percebi, eu estava comprando coisas que eram um investimento para minha carreira como artista, como uma nova mesa digitalizadora e um novo notebook. Foi só aí que percebi que queria dar uma chance de verdade a essa vida de artista, foi um momento de medo, mas também de muito êxtase e empolgação.

MP- A aquarela “Casa da Câmara e Cadeia da Cidade de Aracati” realizada por José Reis Carvalho em 1859 oferece uma visão única da Terra dos Bons Ventos. Como você se sentiu ao fazer uma releitura dessa peça histórica para capa do livro “Aracati era assim” de Antero Pereira Filho? Qual foi a importância desse projeto para você?

ID- Quando recebi o pedido para fazer esta peça, fiquei encantada e emocionada! Foi uma grande honra fazer parte desse projeto tão importante de uma cidade que tenho tanto apreço.

O briefing para esta peça me foi passado por você, meu querido amigo e ex-professor Marciano Ponciano. As ideias foram muito precisas e era claro também que a visão para esta peça se autodefinia, então decidi segui-las de forma direta.

O maior desafio durante a execução da ilustração foi na parte técnica, na própria execução dos estilos do lápis, da aquarela e da tinta. Certamente foi um processo com altos e baixos, e de muita experimentação, mas me diverti imensamente fazendo essa arte, e o resultado me trouxe muito orgulho.

 

Para saber mais sobre o trabalho de Isadora Duarte acesse:

https://www.duartezadora.com/


Entrevista concedida por Isadora Duarte a Marciano Ponciano em 13 de maio de 2024.

Lido 720 vezes Última modificação em Monday, 27 May 2024 22:05
Marciano Ponciano

MARCIANO PONCIANO- Sou natural de Aracati-Ce, terra onde os bons ventos sopram. Na academia da vida constitui-me poeta, realizador de sonhos, encenador de máscaras. Na academia dos saberes acumulados titulei-me professor de Língua Portuguesa e especializei-me em Arte-Educação. O projeto de vida é semear a arte por onde passe: teatro, poesia, artes plásticas- frutos da experiência acumulada em anos dedicados a ser feliz. Quando me perguntam quem sou - ator, poeta, encenador, artista plástico, educador? Afirmo: - Sou poeta!

Publicou:

Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. própria. Aracati-CE. 1996.

Caderno de Literatura Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2006.

aracaty. Caderno de Literatura Poetossíntese. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2010.

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Sobre nós

O Grupo Lua Cheia, com sede na cidade de Aracati-CE, é um coletivo de artistas formado em 1990 com o objetivo de fomentar, divulgar e pesquisar a arte e a cultura.