Naquele domingo, dia 25 de setembro de 1864, por volta das 12 horas do dia, quase meio-dia, O Cel. Manuel Pacheco armado de uma clavina de dois canos esperava ansioso na porta de sua casa,[1] a passagem do Sr. Francisco Costa Barros que, vindo das bandas da Rua do Pelourinho,[2] da missa na Igreja do Bonfim, foi assim surpreendido conforme relato do Jornal O Aracaty[3] na sua edição de 1º de outubro de 1864: “Quando passando pela porta da casa, do Comandante Cel. Manuel Pacheco, o Sr. Francisco Costa Barros, seu ex-guarda-livros, acompanhado do seu filho o jovem Advogado José Amintas, e o do seu irmão o comerciante Melquíades Barros, foi disparado pelo Comandante Superior um tiro na distância de cinco passos, de que resultou ficar ferido o Sr. Francisco Costa com cinco caroços de chumbo no ombro.”
Aos gritos de “Assassino... Assassino... Assassino” que se ouviram logo depois do estampido da arma, seguiu-se uma algazarra em redor do Sr. Francisco Costa Barros, que caído na calçada era socorrido pelos que o acompanhavam.
O delegado de polícia, Sr. Ivo Pamplona, que morava próximo ao local do ocorrido, ainda segundo o relato do citado jornal: “Imediatamente acudiu ao conflito e deu todas as providências, tais que logo depois se amainou o alarme produzido por tão lamentável acontecimento.”
A PRISÃO
Recolhido o comandante Cel. Manuel Pacheco ao Estado Maior da Guarda Nacional,[4] ficou preso no salão superior. O delegado de polícia, juntamente com o escrivão e os peritos Dr. Irineu e o farmacêutico Joaquim da Silva, dirigiram-se à casa do ferido para proceder ao auto do corpo de delito.
Apesar dos ferimentos graves, produzidos pelos caroços de chumbo, constatou o médico perito, Dr. Irineu, não sofrer perigo de morte o paciente, pois os fragmentos de chumbo ficaram, na sua totalidade, localizados no ombro.
Imensa foi a repercussão desse acontecimento na cidade de Aracati, pois se tratava de pessoas da mais alta sociedade aracatiense. O Cel. Manuel Pacheco, além de Comandante Superior da Guarda Nacional e presidente da Câmara dos Vereadores, cargo equivalente ao de Prefeito nos dias atuais, era ao seu tempo, antes do atentado que praticara, o homem mais rico de todo Aracati, com casas comerciais em Fortaleza, Aracati e Natal, capital do Rio Grande do Norte. O seu desafeto, Francisco Costa Barros, que havia sido seu guarda-livros era seu concunhado. Casado com uma irmã de sua esposa, tornara-se um homem rico e poderoso como agiota e proprietário de inúmeros imóveis na cidade de Aracati.
Enquanto o Sr. Francisco Costa Barros permanecia em sua casa no imenso sobrado[5] na Rua Santo Antônio[6], quase esquina com a Travessa da Viração[7], convalescendo dos seus ferimentos. Começava o sofrimento moral e físico do Cel. Manuel Pacheco.
Preso na Cadeia Pública, no salão da Guarda Nacional, o Cel. Comandante sofria toda a espécie de perseguição. Os jornais da época se reportando à prisão do Comandante Superior citavam o nome dos mais terríveis facínoras daquele tempo, afirmando que se algum deles fosse preso e recolhido à cadeia de Aracati, não seriam; “por certo vigiados com tanta atividade, quanta se tem empregado para guardar o Cel. Manuel Pacheco.”
Logo depois de sua prisão, o Cel. Comandante Manuel Pacheco, que sofria de pressão alta, sofreu um derrame que o deixou quase paralítico. Sofrendo as condições desse padecimento, ainda por cima permaneceu detido. Mesmo assim seus terríveis inimigos, entre eles alguns parentes “que não há muito o adoravam na prosperidade e hoje o insultavam,” queriam vê-lo sofrer mais ainda. Durante o período de sua prisão, as sentinelas passavam a noite toda bradando ordens de alerta e fazendo movimentos de exercício para incomodar o sossego e o sono do Cel. Comandante Manuel Pacheco, com o intuito deliberado de o fazerem sofrer. Havia mesmo por parte dos seus inimigos, o desejo de tirar o Cel. Manuel Pacheco do Aracati transferindo-o para uma prisão em Fortaleza, pela simples vontade de humilhá-lo.
O DEPOIMENTO
No dia da audiência diante do juiz que o interrogava, perguntado sobre o motivo pelo qual cometera tal desatino, o Cel. Comandante Manuel Pacheco, embora alquebrado e entristecido pelo infortúnio, mantinha seu semblante altivo, próprio de quem acreditava que fizera o que era justo e correto. Respondeu:
“Que levado pelo desespero e desagravo de sua honra tão altamente ofendida que o público sabe; que esse homem introduzindo-se em sua casa como seu amigo, nela se conservou por dez anos como guarda-livros, e durante esse tempo não cuidou mais em outra coisa do que traiçoeiramente roubar-lhe a fortuna e o crédito comercial a ponto de o fazer falir, não satisfeito ou não chegando a seus fins por esse lado, roubou-lhe a honra seduzindo a sua mulher para fins horrorosos, e finalmente até aos próprios filhos aconselhava que fugissem de sua companhia e o desrespeitassem.”
Por duas vezes consecutivas foi presidente da Câmara Municipal dirigindo até aquele domingo fatídico quando acionou o gatilho, o destino de sua terra natal o Aracati, O Cel. Pacheco jamais imaginou pudesse estar naquela triste condição de prisioneiro e réu.
Para alguém que tivera todas as honras e prestígio que o poder e o dinheiro podem ofertar, ver sua vida privada ser escrachada diante de toda uma população era por demais degradante. Ninguém podia jamais imaginar que isso sucedesse ao homem que fora eleito vereador pela primeira vez no ano de 1853, e já no ano seguinte nomeado pelo Governo Imperial Comandante Superior da Guarda Nacional dos municípios reunidos de Aracati e Russas, tendo sido designado para receber a condecoração como oficial da Rosa, por seus serviços prestados à população pobre do Aracati, ao tempo da cólera-morbo, quando montou uma enfermaria a sua custa e a manteve enquanto durou a epidemia.
Ao se referir ao triste infortúnio do Comandante Cel. Manuel Pacheco, um articulista de um jornal da época escreveu um editorial em sua defesa sob o título de: “Porque hoje é astro que não brilha.” afirmava que tendo; “sido roubado em sua fortuna, manchada a sua honra e ultrajados todos os seus brios, cometeu o crime de tentativa de morte, procurando desafrontar-se dos insultos e das ameaças constantes que lhe cuspiam à face”.
Era por demais comovente para os poucos amigos que lhe restavam, ver o Comandante Manuel Pacheco prisioneiro dos seus antigos subordinados que agora a mando dos seus inimigos, afrontavam-lhe. Lembravam então os amigos, dos dias felizes, das manhãs domingueiras desfrutadas no agradável Sítio Glória no Cumbe ou quando da chegada de suas filhas que estudando em Lisboa regressavam ao Aracati. Agora estava ali o Cel. Comandante Superior Manuel Pacheco, ainda presidente da Câmara, pois seu mandato somente findaria em 1868, humilhado, impedido de receber os amigos, doente, sem condições de suportar as pressões e afrontas dos seus inimigos.
A MORTE DO CEL. PACHECO
O dissabor do Cel. Comandante Manuel Pacheco o transformou num homem acabrunhado, sentimento que agravou fortemente seu estado de saúde fazendo com que, acometido por uma forte hemorragia cerebral, viesse a falecer às 7 horas da noite do dia 27 de dezembro de 1864, no salão do quartel do Estado Maior da Guarda Nacional onde estava recolhido desde o dia do acontecido.
O homem que tanto se empenhara na conclusão do prédio da Casa de Câmara e Cadeia, quando presidente da Casa; e que tanto orgulho dava ao povo aracatiense pela sua imponência e distinção, acabava morrendo na cadeia para marcar ainda mais o seu trágico destino.
Ficou então na memória do povo como um estigma que o homem que fez a cadeia morreu nela sendo sempre mencionado como um ditado popular que dizia: “Mais rico foi Pacheco e morreu na cadeia.”
Passados 46 anos depois de sua morte, o historiador Benedito Santos, em notas biográficas, publicadas no Jornal Folha do Comércio[8], assim descreveu o funeral do Cel. Manuel José Pereira Pacheco: “Ao seu funeral, a que sem distinção de classes concorreu enorme multidão, formando um préstito excepcional e imponentíssimo, foi uma merecida apoteose ao grande aracatiense, cujo alto valor apesar de 46 anos decorridos depois do seu infausto desaparecimento, não perdeu a saudosa e justa admiração dos seus conterrâneos, que ainda deploram a desventura do patrício conspícuo e iminente.”
No cemitério São Pedro em Aracati, no jazigo perpétuo da família Manuel José Pereira Pacheco, os amigos mandaram escrever no mármore de sua sepultura a seguinte inscrição:
“Faleceu em 27 de novembro de 1864, viveu 40 anos, 9 meses e 10 dias. Passou 21 anos de casado. Foi bom pai, bom esposo, fiel amigo e distinto cidadão.”
[1] Casa situada na atual Av. Cel. Alexanzito pertencente ao Sr. Raimundo Joventino, nº 581
[2] Atualmente Av. Cel. Alexanzito no extremo Sul da Cidade
[3] Jornal fundado em 7 de setembro de 1859
[4] Salão da Casa de Câmara e Cadeia
[5] Sobrado que pertence atualmente à família Zaranza, situado a Av. Cel. Alexanzito, nº 353.
[6] Atualmente Av. Cel. Alexanzito no extremo norte da cidade.
[7] Atualmente Travessa Cônego João Paulo
[8] Semanário publicado em Aracati – fundado em 1911