Seriam entregues ao marchante que sempre comercializava o gado do Cel. Raimundo da Silva Porto e de seu filho Ruperto Cavalcante Porto[2].
Antes do cair da tarde, a incumbência estava cumprida conforme as determinações do coronel. Agora era retornar ao sítio São Chico aonde chegariam, à noite, se a caminhada não tivesse pausa nem descanso.
Acontece que, ao passarem pelo mercado público de Aracati, resolveram entrar para fazer uma merenda antes da longa e forçada caminhada. A história da merenda era pretexto para tomarem umas “bicadas” já que no sitio São Chico não tinham essa liberdade, por causa das rígidas leis impostas aos seus moradores pelo Cel. Raimundo Porto.
Tomados pela cachaça José Lucas e Eliezer iniciaram a caminhada em busca do São Chico, sabiam que naquele estado em que estavam chegariam muito tarde ao destino, por isso resolveram pernoitar no sítio do Cel. Raimundo Calixto no Alto da Cheia.
Quando deixaram Aracati a noite já era escura. Seguiram pela várzea que era naquela época o caminho que levava os viajantes ao Alto da Cheia. Ao chegarem no Córrego da Tapaginha, pequeno riacho que cortava toda a várzea, que ainda guardava velhas carnaubeiras, vestígio do antigo carnaubal ali existente no passado, pararam para descansar um pouco da caminhada e se molharem nas águas límpidas que corriam no riacho em procura do Lagamar.
Devia ser por volta das sete para as oito horas da noite, pois o silêncio e a escuridão tomavam conta da várzea, que diziam os mais assombrados, ser aquele lugar onde restavam os “três guandus,” um canto de assombração e visagem.
Ao cair da noite por uma “pequena desavença José Lucas avançou inesperadamente sobre seu primo legítimo Eliezer Valente derrubando-o com uma violenta pancada de cacete. Em seguida tomando de uma faca que trazia na cintura decepou a cabeça do seu companheiro atirando-a sobre uma moita”. O corpo sem cabeça foi então arrastado por José Lucas que o atirou dentro do córrego.
Não se tem certeza de que, quando decepou a cabeça do Eliezer, este ainda estivesse vivo, pois na imensidão da várzea e na escuridão da noite, somente a dor e o infortúnio foram testemunhas do indigitado Eliezer, perante a perversidade do cruel e covarde criminoso José Lucas.
Dissimulado e cabisbaixo como se nada tivesse acontecido, logo depois do seu malvado e cruento crime, José Lucas chegou ao sítio do Cel. Raimundo Calixto que não ficava muito longe do local onde acontecera o assassinato do Eliezer Valente, pedindo para que lhe deixasse passar a noite. Como “se tratava de um empregado do Cel. Raimundo Porto, foi-lhe dada hospitalidade”.
O Cel. Raimundo Calixto, homem experiente, ficou meio cabreiro com a chegada daquele tangerino do Cel. Raimundo Porto, àquela hora da noite, sozinho sem o companheiro, já que havia visto os dois juntos de manhã cedo quando passaram vindos do São Chico com o gado.
- O outro rapaz que estava com você onde está? Perguntou o Cel. Raimundo Calixto.
- Ele está indo por outro caminho. - Respondeu José Lucas.
Chegando à São Chico, José Lucas voltou ao seu trabalho normal no cotidiano do sítio sem aparentar nada de anormal ou estranho em seu comportamento. Suas atividades rotineiras eram cumpridas sem que nada denunciasse que tivesse cometido um grave e horrendo delito com uma pessoa do seu convívio familiar, seu primo legítimo Eliezer.
Dona Maria José, em sua agonia materna, não se conformava com a ausência de notícias do Eliezer, que tinha sumido sem ninguém dar por ele, desde o dia daquela viagem para deixar o gado no Aracati em companhia de José Lucas.
Já havia passado uma semana, quando um irmão do Eliezer foi então perguntar a José Lucas pelo paradeiro do irmão. Este respondeu: “Eliezer deu uma topada e ficou por lá”.
Na quinta-feira, 24 de abril de 1947, um homem que viajava pela trilha da várzea se deparou com um corpo sem cabeça na superfície do Riacho da Tapaginha em adiantado estado de putrefação. Apavorado com o avistado, o homem retornou à cidade e comunicou à polícia o seu macabro achado. Diante da situação e do estado em que se encontrava o cadáver, resolveram então sepultar o desconhecido a “curta distância da margem do córrego.”
A notícia logo se espalhou por toda cidade de Aracati sem, no entanto, as autoridades policiais terem noção alguma de quem se tratava pois, a notícia do desaparecimento do Eliezer Valente até então não tinha sido informado às autoridades policiais.
Algum tempo depois, um caçador que buscava sua sobrevivência caçando preás e outras pequenas caças naquela vegetação de arbustos rasteira da várzea da Tapaginha, descobriu por “acaso uma caveira quando tentava pegar uma caça debaixo de uma moita”.
Mais uma vez essa nova e estranha descoberta foi notícia em todo o Aracati.
Como para confirmar o dito popular de que “coração de mãe não se engana,” Dona Maria José, mãe de Eliezer Valente, ao tomar conhecimento desse novo achado na várzea da Tapaginha, desconfiou de que esses restos mortais pudessem ser de seu filho e clamou por justiça junto às autoridades.
Pediu permissão ao Cel. Raimundo Porto e foi até ao Aracati dar parte à polícia do desaparecimento de seu filho. Contou ao Tenente Pinheiro sobre a última viagem que o filho Eliezer fizera em companhia do primo Zé Lucas, de São Chico para Aracati, para entregar um gado no açougue a mando do seu patrão o Cel. Raimundo Porto, desde então não teve mais notícia sua.
O Tenente Pinheiro delegado de Polícia de Aracati à época, comovido com o apelo da mãe que rogava por notícias do filho, empenhou-se então em solucionar o mistério que já se prolongava por mais de seis meses.
As investigações, como seria óbvio, levaram o delegado, Tenente Pinheiro, ao sítio São Chico onde morava o principal suspeito, José Lucas, o companheiro de última viagem do inditoso Eliezer. Com a colaboração do Cel. Raimundo Porto e do seu filho Ruperto Porto, José Lucas foi chamado à presença do Tenente Pinheiro e ao ser inquirido pela autoridade sobre os acontecimentos daquele dia em que fora ao Aracati com seu primo Eliezer, José Lucas com a voz mansa e pausada desviando o olhar do rosto severo e temeroso do Cel. Raimundo Porto, confessou o crime e na mesma hora foi preso e entregue a polícia.
Em depoimento na Delegacia de Polícia de Aracati, perante o delegado e o prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima, José Lucas confessou o hediondo crime, espontaneamente, com todos os detalhes sem demonstrar nenhum arrependimento da “sórdida tragédia”.
O Jornal O Jaguaribe[3] na edição do dia 02 de novembro de 1947, sobre o crime da Tapaginha assim se expressou a respeito do seu autor: “José Lucas revelando-se um criminoso frio e de perversidade raramente vista, escreveu o seu nome entre os mais tarados delinquentes.”
José Lucas foi julgado e condenado a cumprir um longo período na cadeia pública de Aracati. Libertado depois de pagar sua pena, retornou ao Sítio São Chico onde veio a falecer em adiantada idade.
[1] Agricultor e Pecuarista, chefe político, pai dos ex-prefeitos de Aracati, José Cavalcante Porto Ruperto Cavalcante Porto.
[2] Prefeito de Aracati: 1º Período – 1958-1962 2º Período – 1966-1970
[3] Jornal Fundado por João Freire de Andrade em 1930.