Aracati

Saturday, 12 December 2015 21:31

ARACATI | DESASTRE AÉREO NA VÁRZEA DA MATRIZ

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Sábado último, à tarde, verificou-se em Aracati impressionante desastre aviatório, cujas proporções só agora se pode conhecer através dos informes que vêm chegando daquela cidade. Do doloroso desastre aviatório, saíram gravemente feridos o sargento Farias piloto do aparelho e o irmão Daniel da ordem Marista. 

O aparelho sinistrado pertence ao Aeroclube do Ceará e encontra-se parcialmente destruído, dada a violenta pancada que recebeu ao cair no solo. O irmão Marista sofrera acidente de carro de certa gravidade, tendo sido pedido um avião para transportá-lo a Fortaleza, sendo assim, aquele religioso foi vítima de dois desastres num só dia. (Jornal O Povo edição do dia 09 de janeiro de 1950). 

  

- Seu Balduino, irmão Daniel mandou reservar uma passagem para Fortaleza. 

Balduino, com seu inseparável cigarro no canto da boca, resmungava assungando as calças, arrastando o “saco” com as mãos para o pé da barriga, gesto característico quando ficava zangado. 

- Seu Zé dos Anjos, diga ao irmão Daniel que vá noutro carro, procure o Edson, o Evaristo Zaranza, Assis Nogueira. Eu sou um homem casado, pai de família tenho filhos pra criar, não posso me arriscar, você entende né, né? 

  

Balduino, assim como Edson, Evaristo Zaranza e Assis Nogueira eram proprietários dos mistos, tipo de caminhão como o nome mesmo definia; misto de carga e passageiro, que faziam o transporte coletivo entre Aracati e Fortaleza na década dos anos 1940 e 1950. 

  

O funcionário Zé dos Anjos, serviçal dos primórdios do Ginásio Marista, voltava então com o recado do Balduino ao vice-diretor do Ginásio, irmão Daniel. 

  

- Irmão, ele mandou dizer que o senhor procurasse outro carro, no dele não levava não! 

- Por que Zé? 

- Irmão, é a sua fama de azarado... 

- Azarado?! 

  

Tinha realmente a fama de azarado o vice-diretor do Ginásio Marista, Joaquim de Castro, seu verdadeiro nome, português, que adotara como religioso o nome de Daniel, costume da época. 

  

De fato, o povo de Aracati gostava de contar casos de incidentes e acidentes ocorridos com o irmão Daniel durante sua permanência em nossa cidade. 

 
Ainda estava bem presente na lembrança da população o acidente de carro sofrido pelo motorista de Renato Caminha, o responsável e cauteloso Zé Nogueira. Numa viagem a Fortaleza, conduzindo o irmão Daniel como passageiro, o carro capotou, ficando fora da estrada. Sofrendo ambos pequenas escoriações. 

  

Funcionários que trabalhavam no Ginásio Marista contavam e repetiam sempre que com o irmão Daniel era preciso ter cuidado. Relatavam a queda por ele sofrida quando se empenhava em consertar um cata-vento. E por aí seguiam... 

  

“A verdade existe. Só se inventa a mentira.” Então vejamos: 

  

Domingo, 7 de janeiro de 1950, encontrava-se o irmão Daniel na praia de Majorlândia, em gozo de férias com os demais irmãos. Logo cedo, de manhã, chegou o motorista no jipe do senhor Newton Pinto para levar a passear pela beira-mar os irmãos maristas. O irmão Daniel resolveu ir sentado no capô do jipe para melhor desfrutar do passeio. Num determinado trecho da praia, para se desviar de uma depressão, causada pela vertente que descia das falésias, o motorista foi obrigado a dar um brusco freio, movimento este que fez o irmão Daniel ser jogado fora do jipe e logo em seguida ser atropelado pela roda dianteira. 

  

O alegre passeio foi imediatamente interrompido, retornando todos para Majorlândia e em seguida para o Aracati em busca de atendimento médico. 

  

Transportado no mesmo jipe para Aracati, seguiu diretamente para o consultório do médico que depois de examiná-lo, diagnosticou fratura nas costelas. Foi então imobilizado, sem condições de seguir para Fortaleza por via terrestre. 

  

Nesse tempo não havia na cidade nenhum recurso médico que pudesse melhorar o estado de saúde do marista acidentado. Foi, portanto, necessário que o diretor do colégio, o irmão Osvaldo Lúcio, providenciasse a vinda de um avião de Fortaleza para fazer o transporte do irmão Daniel. 

  

O avião que pertencia ao aeroclube de Fortaleza, modelo chamado de “teco-teco,” prefixo PP-HEM, partiu de Fortaleza por volta das 13 horas, levantando voo com destino ao Aracati do campo de pouso da Base Aérea, era pilotado pelo sargento Farias que, além de piloto, exercia a função de mecânico da Base Aérea. 

  

A Várzea da Matriz, local de pouso dessas pequenas aeronaves que chegavam a nossa cidade, já se achava repleta de curiosos quando às 15 horas o pequeno teco-teco foi visto nos céus do Aracati, aterrissando em seguida, deslizando na pista de barro da então quase deserta várzea. 

 
     
Logo depois da chegada do avião ao campo de pouso também chegou o irmão Daniel que vinha conduzido sobre uma maca para ser embarcado no pequeno avião com destino a Fortaleza. 

  

Passados 30 minutos apenas da chegada do avião, tempo necessário para acomodar o religioso marista na aeronave, o teco-teco levantou voo, levando consigo o irmão Daniel. Parecia que tudo corria bem, quando, de repente, ao fazer uma curva fechada para sobrevoar o Ginásio Marista, o pequeno avião projetou-se de bico ao solo de uma altura aproximada de 15 metros. 

  

Na sua edição do dia 15 de janeiro de 1950, o jornal Gazeta do Jaguaribe em detalhe relatou os acontecimentos daquele triste episódio: 

  

“O aparelho caiu bem perto do Ginásio Marista, dentro do quintal da casa do Sr. Joaquim do Cosme, tendo uma de suas asas ficado presa a uma cerca de arame. Em poucos momentos uma multidão incomputável encontrava-se no local do sinistro.” 

  

Prossegue a Gazeta do Jaguaribe: “Retirado dos escombros, o irmão Daniel foi conduzido nos braços do povo, comovido, para o Ginásio Marista enquanto o sargento Farias era levado, em um caminhão para o consultório do Dr. Alci Gurgel, na Av. Cel. Alexanzito nº. 187, onde recebeu os primeiros socorros e a medicamentação que se fazia necessária.” 

O trecho da Rua Cel. Alexanzito, onde estava localizado o consultório do Dr. Alci Gurgel, ficou tomado de gente querendo saber notícias sobre o estado de saúde do piloto acidentado que, apesar de todos os recursos e esforços médicos existentes, continuava padecendo sem melhora. 

Ao final da reportagem, sobre o infausto acontecimento, a Gazeta do Jaguaribe concluía: 

  

“Comunicado o fato ao comando da Base Aérea e ao diretor do Colégio Cearense, foi providenciado com a máxima urgência a remessa de socorros, partindo com o médico de serviço da Base o avião da F.A.B.  prefixo AP-7, pilotado pelo capitão aviador Pitágoras, a fim de conduzir os feridos para Fortaleza, o que, em virtude do seu estado, no caso do piloto, não foi possível realizar. Apesar da assistência médica, o sargento Farias não pode suportar os efeitos do tremendo choque, vindo a falecer às 5 horas da manhã do dia seguinte recebendo ordem o então capitão Pitágoras, para conduzir o cadáver, juntamente com o religioso ferido. Feitos todos os preparativos e colocado o cadáver no aparelho da F.A.B. foi o irmão Daniel transportado, por sua vez, em cama no pontão, para a outra margem do rio Jaguaribe e levado ao campo, aonde chegou às 9 horas e 30 minutos.” 

  

Conta o folclore da cidade que, no momento em que era colocado no pontão, o encarregado da embarcação tropeçou quase levando o irmão Daniel com cama e tudo para dentro do rio. 

  

Assim o semanário “Gazeta do Jaguaribe” sintetizava o epílogo dessa lastimável história de desolação e pesar: 

  

“Decolando o possante aparelho às 10 horas e 15 minutos, rumo a Fortaleza. Providenciou-se o internamento do irmão Daniel na casa de saúde Cesar Cals e a remoção do cadáver do piloto para sua residência na vila dos sargentos, onde o aguardava sua esposa Dª Zilma Dias Farias e as duas filhinhas do casal. Seu enterro com grande acompanhamento saiu às 17 horas para o cemitério São João Batista.” 

  

O irmão Daniel que sofrera ligeira fratura do maxilar e luxação da articulação coxofemoral no acidente aviatório (o 2º ocorrido em Aracati), depois de recuperado retornou à cidade onde continuou lecionando no Ginásio Marista. 

  

Depois desse acidente, aumentou ainda mais a fama de azarado do irmão Daniel que permaneceu em Aracati até meado dos anos 1955/1956, quando se retirou para outra província Marista. 

 

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Antero Pereira Filho

ANTERO PEREIRA FILHO, nasceu em Aracati-CE em 30 de novembro de 1946. Terceiro filho do casal Antero Pereira da Silva e Maria Bezerra da Silva, Antero cresceu na Terra dos Bons Ventos, onde foi alfabetizado pela professora Dona Preta, uma querida amiga da família. Estudou no Grupo Escolar Barão de Aracati até 1957 e, a partir de 1958, no Colégio Marista de Aracati, onde concluiu o Curso Ginasial.
Em 1974, Antero casou-se com Maria do Carmo Praça Pereira e juntos tiveram três filhos: Janaina Praça Pereira, Armando Pinto Praça Neto e Juliana Praça Pereira. Graduou-se em Ciências Econômicas pela URRN-RN em 1976 e desde então tem se destacado em sua carreira profissional.
Antero atuou como presidente do Instituto do Museu Jaguaribano em duas gestões (1976-1979/1982-1985) e foi secretário na gestão do prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima Filho (1992-1996), responsável pela Secretaria de Indústria, Comércio, Turismo e Cultura.
Além de sua carreira profissional, Antero é conhecido por seus estudos sobre a história e a memória da cidade e do povo aracatiense, amplamente divulgados em crônicas e artigos publicados na imprensa local desde 1975. Em 2005, sua crônica "O Amor do Palhaço" foi adaptada para o cinema em um curta-metragem (15") com direção de seu filho, Armando Praça Neto.

Obra

Assim me Contaram. (1ª Edição 1996 e 2ª Edição 2015)
Histórias de Assombração do Aracati. Publicação do autor. (1ª Edição 2006 e 2ª Edição 2016)
Ponte Presidente Juscelino Kubitschek. (2009)
A Maçonaria em Aracati (1920-1949). (2010)
Aracati era assim... (2024)
Fatos e Acontecimentos Marcantes da História do Aracati. (Inédito)
Notícias do Povo Aracatiense (Inédito)

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O Grupo Lua Cheia, com sede na cidade de Aracati-CE, é um coletivo de artistas formado em 1990 com o objetivo de fomentar, divulgar e pesquisar a arte e a cultura.