Em 20 de junho de 1780, Dom Thomaz da Encarnação Costa Lima, décimo Bispo de Pernambuco, assinou provisão dividindo a "freguesia das Russas" e "criando e erigindo em novo Curato a Villa de Santa Cruz do Aracaty" e elevando à dignidade de Igreja Matriz a de Nossa Senhora do Rosário da mesma Vila. 

Cabe aqui uma pergunta. Por que um Curato e não uma Paróquia? O monsenhor Severino Leite Nogueira nos fornece o esclarecimento necessário: "Como a criação de paróquias era atribuição do Rei, por força do padroado,... e, como o Rei não se interessava pela criação de paróquias, cuja sustentação iria onerar o erário real com dotações, construção de matriz e côngruas, e manutenção, por conta dos dízimos do Senhor, que os Reis arrecadavam, os Bispos para atenderem ao crescimento populacional e à assistência religiosa a inúmeras novas povoações, iam constituindo dentro das imensas freguesias, igrejas às quais davam um Cura, e que, por isso, se denominavam Curatos, criados a título precário e provisório, até que passassem a freguesias coladas". (40, p. 118) 

 
Os motivos e justificativas para a criação da hoje Paróquia de Nossa Senhora do Rosário vêm explicitados na aludida provisão que expediu de Olinda Sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispo Diocesano, assim concebida: "Dom Thomaz da Encarnação Costa Lima, Cônego Regrante de Santo Agostinho, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Pernambuco e do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima, que Deus o guarde, 

"A todos os nossos amados súditos saúde e paz para sempre em Jesus Cristo, Nosso Senhor. Por ser de nosso cargo e pastoral ofício atender as necessidades dos nossos súditos e fazer apascentar o rebanho que nos foi entregue, para que não pereça faltando-lhe a luz do Evangelho, a Doutrina Santa e a frequência dos Sacramentos e por nos constar que grande porção deste nosso rebanho na freguesia das Russas padece falta de pasto espiritual por ser muito vasto e dilatado o termo dessa freguesia e não poder o próprio Pároco, ainda que diligente, acudir por si mesmo com pronto remédio a todas as suas necessidades, cuja falta nos tem proposto o nosso Reverendo Doutor Visitador daquela repartição e o mesmo Senado da Câmara de Aracati requerendo-nos divisão da Paróquia para utilidade dos povos e o maior aumento da mesma Vila; 

 
 
"Portanto, desejoso nós de acudir com pronto remédio as necessidades destas nossas ovelhas, e querendo apascentá-las do melhor modo que nos é possível, com o saudável pasto da doutrina cristã e todos os Sacramentos; atendendo a grande extensão da freguesia de Nossa Senhora do Rosário das Russas, e que pode muito bem sustentar dois e mais párocos, e ser a Vila do Aracati a ela anexa, a mais populosa e de maior comércio em toda a Comarca do Ceará, pois contém em seus limites quatrocentos fogos e mais de mil pessoas de comunhão; conformando-nos com as ordens de sua Majestade Fidelíssima, pelo Conselho de Ultramar de 13 de dezembro de 1746 e pela Mesa da Consciência e ordens de 14 de dezembro de 1746, que nos concede e manda fazer divisões ainda nas freguesias coladas quando a necessidade o pedir com madura ponderação havemos por bem dividir a freguesia das Russas e criar e erigir em novo Curato a Vila de Santa Cruz do Aracati, ficando este desmembrado de sua antiga freguesia de Nossa Senhora do Rosário das Russas, da qual o desanexamos pelas nossas presentes letras e a ele consignamos por termo o que prudentemente arbitrar o nosso Reverendo Doutor Visitador, a quem cometemos os seus limites, o qual atenderá muito a que na divisão de seu distrito não fique notavelmente desfalcada a freguesia das Russas. E para que chegue a notícia a todos desta nova divisão e saibam os párocos de uma e outra freguesia o que lhe pertence e a quem devem administrar os Sacramentos e todo mais pasto espiritual, mandamos passar apresente provisão de divisão a qual se registrará nos livros das duas freguesias, Russas e Aracati, depois de ser publicada nas principais três missas conventuais da nova Matriz que será a Igreja de Nossa Senhora do Rosário da mesma Vila de Aracati, pelas boas informações que temos da sua capacidade e haver já nela Sacramento. Dada em Olinda, sob o nosso Sinal e selo das nossas armas, aos 20 de junho de 1780. E eu, Pé. Alexandre Bernardino dos Reis, Secretário de Sua Excelência Reverendíssima a fiz escrever e subscrevi. Dom Thomaz, Bispo de Pernambuco". (34, ps. 11 a 14) 

 
Transportando-se para Aracati, em obediência à ordem episcopal, o padre visitador doutor Manuel Antônio da Rocha, em casa de sua residência, na Vila de Santa Cruz do Aracati, aos vinte e um dias do mês de julho de 1780, onde se achava, reuniu-se com as pessoas por ele convocadas, "os oficiais da Câmara e mais pessoas dos principais da mesma Vila, aos quais apresentou a Provisão de Divisão do Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Bispo Diocesano Dom Thomaz da Encarnação Costa Lima, de 20 de junho pretérito", transcrita acima. 

 
Após esclarecer que aquele documento lhe cometia a incumbência da "divisão e criação da freguesia da Villa de Santa Cruz do Aracaty, em novo Curato", solicitou aos presentes "lhe prestassem os seus pareceres a fim de que o novo Curato ficasse com extensão proporcionada e commodidade para a sustentação do seu Pároco e mais operários" e de forma que "na divisão não ficasse notavelmente desfalcada a freguesia de Russas e sim com a mesma igual commodidade e ambos os párocos contentes e satisfeitos". (34, ps. 14 a 17) 

 
Ouvidos os pronunciamentos solicitados, o Reverendo Doutor Visitador, "atento aqueles que lhe pareceram mais conformes e acomodados a boa razão e discernência", determinou os limites do novo Curato que atingiram a freguesia de São José de Ribamar da Vila de Aquiraz, mandando, "por lhe ser requerido, anexar e adir a esta nova freguesia todos os moradores ... do lugar Paripueira, a confinar com o Córrego dos Cavallos, por serem eles mal curados espiritualmente... pela grande distância que medeia do tal lugar aquela Matriz de São José de Ribamar", "quando de outra sorte ficam aqueles moradores muito mais vizinhos a este novo Curato, onde já há muito recorrem e procuram todo bem espiritual da Igreja". 

 
A provisão em apreço, de 20 de junho de 1780, significava, outrossim, atendimento a antigo e reiterado pedido do Senado da Câmara da Vila de Santa Cruz de Aracati, como consta de seu próprio texto. Com sua instalação oficial, a 21 de julho de 1780, pelo reverendo doutor visitador reeleito e autorizado Manuel Antônio da Rocha, ficara o Curato de Aracati com limites definidos: "Além da dita Vila, o terreno da barra do Jaguaribe, por outra parte até finalizar na ponta de cima da ilha Poró, compreendendo da mesma sorte a fazenda do Estreito, e pelo riacho das Russas acima, por um desaguadouro que fica na estrada das Russas que faz barra e desagua no mesmo riacho, atravessando em linha reta para a ponta de referida ilha Poró, incluindo juntamente o riacho chamado Palhano, Mata Fresca, Cajuais, Retiros e Capelas neste distrito compreendidos". (34, ps. 6 e 7) 

 
Em resumo, três foram as justificativas principais da provisão de criação do Curato de Aracati, a 20 de junho de 1780: "1) - A grande extensão da paróquia de Russas à qual Aracati estava ligada; 2) - O fato de Aracati ser a maior Vila do Ceará com mais de 400 casas e mais de mil pessoas de comunhão; e 3) - Por já residirem aí padre e funcionários, desde 1742, servindo como pre-matriz a igreja do Rosário, com balizados, casamentos e outros ofícios divinos". (34, p. 6) 

 
É de se ressaltar, a esta altura, uma particularidade: Citada provisão de Dom Thomaz da Encarnação Costa Lima ao criar o Curato de Aracati, com o desmembramento da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário das Russas, elevara à dignidade de matriz a igreja de Nossa Senhora do Rosário de Aracati; todavia, de 1780 a 1785, "serviu provisoriamente de matriz a Capella de Nossa Senhora do Rosário, dos Pretos", consoante esclarece Benedicto Santos, por isso que o edifício do mais antigo templo da cidade, como já registramos acima, "não estava devidamente concluído, com suas paredes conservadas em preto", falha que somente foi sanada, em definitivo, no ano de 1786. (46, p. 310) 

Do livro Igreja de Nossa Senhora do Rosário- A Matriz de Aracati. Hélio Ideburque Carneiro Leal. Fortaleza, Minerva, 1998.