Lembrar da cidade de Aracati, como patrimônio arquitetônico, é lembrar dos seus templos religiosos, dos casarões e sobrados revestidos por azulejos portugueses. Trata-se de uma herança urbana que muito enriquece a história do povo cearense. Mas Aracati também esconde um importante patrimônio, constituído outrora no campo, na zona rural, patrimônio este fruto da economia pecuária, ou seja, resquícios das antigas fazendas de gado.
A origem desse patrimônio remonta ao tempo das primeiras ocupações na ribeira do Jaguaribe, realizadas a partir de 1681.0 primeiro lote de terra foi doado ao capitão Manuel de Abreu Soares e seus catorze companheiros que vieram combater os índios no Ceará. Os sesmeiros do Baixo Jaguaribe receberam 15 lotes de terra, cada um com duas léguas de comprimento, ao longo do rio Jaguaribe, indo de Aracati, no oceano Atlântico desde a Barra do Fortim (onde fica a foz do rio Jaguaribe), ao Boqueirão do Cunha, no alto sertão do Ceará. Esses lotes de terra eram chamados de "sesmaria dos homens do Rio Grande do Norte".
Pelos caminhos por onde eram conduzidas as boiadas surgiram ranchos e fazendas. As casas rurais com seus alpendres hospitaleiros tinham na forma arquitetônica o objetivo de acolher os viajantes, os vaqueiros, os tangerinos, enfim, acolher aqueles que se embrenhavam pela caatinga adentro rastreando as boiadas, e no final de sua marcha, buscavam abrigo nas fazendas próximas. O alpendre também se constitui numa adaptação ao clima semi-árido, um local onde se pode desfrutar a brisa que soprado litoral em direção ao sertão.
Na região do Baixo Jaguaribe permanecem algumas casas rurais, que embora reformadas e descaracterizadas, emitem ainda na forma arquitetônica a tradição das antigas fazendas de gado. Algumas casas conservam o alpendre tão acolhedor, o vasto terreiro e o curral. Esse testemunho material pode ser encontrado em vários municípios do Baixo Jaguaribe. Cito como exemplo as casas rurais em Itaiçaba e em São João do Jaguaribe.
Esses resquícios da vida sertaneja também podem ser encontrados no município de Aracati. Essas áreas aos poucos foram incorporadas à área urbana, mas em épocas distantes faziam parte da área rural do município. O Sítio Santarém, por exemplo, também chamado de "Castelo", faz alusão às características arquitetônicas peculiares dessa época. Pode-se observar o emprego da carnaúba na sua construção, principalmente no madeiramento do telhado. No interior da casa existe uma escada de madeira que dá acesso ao cômodo superior. Embora a estrutura arquitetônica desse casarão apresente as feições das casas da zona rural, do referido período, a mesma apresenta outros motivos arquitetônicos mais modernos agregados à fachada ocidental.
Outro remanescente com características de casa rural se encontra na Vila São José. Nessa localidade se estabeleceu oficialmente o primeiro colonizador de Aracati, o seu primeiro sesmeiro, o Capitão Manuel de Abreu Soares, proprietário da lª Data (1º lote de terra: Foz -Porto das Barcas). A casa pertence à família Costa Lima, descendente dos sesmeiros de São José do Porto dos Barcos.
Trata-se de um comovente testemunho material do modo de vida sertanejo, que não pode ser apagado da memória da nossa cidade. Estes resquícios lembram a história dos colonizadores, mas sobretudo, a história dos nossos primeiros habitantes. Segundo os colonizadores, no momento da ocupação, era necessário "limpar a terra". Isso significava deixar a terra livre para o gado. Para tanto era necessário expulsar, matar e dominar os índios e deixar a terra livre para as fazendas de criação.
É necessário que a população conheça a sua história e identifique o patrimônio constituído. Conhecer, valorizar e dar significado a este patrimônio é, sobretudo, manter viva a memória daqueles que ajudaram a construir, "desconstruir" ou "destruir" a nossa história.