Além da notícia da extinção da Alfândega do Aracati por decreto, no dia 6 de novembro desse mesmo ano, causando uma profunda comoção, abalando de forma irreparável, a já então combalida economia do nosso município, as outras notícias que chegavam do Aracati em Fortaleza, eram pavorosas. “A população inteira estava sendo atacada e iam desaparecendo os membros proeminentes da sociedade local, os que dispunham de conforto e recursos. Os pobres, os pobres desvalidos, esses morriam às dezenas diariamente...”.
Nessa época, não havia um só médico em Aracati. A população, diante da violenta epidemia que a todos atacava e a muitos vitimava, tinha somente alento na figura do boticário José Teixeira de Castro, a quem recorriam em busca de socorro contra a febre amarela.
Infelizmente os conhecimentos do boticário Teixeira de Castro eram escassos, e os doentes só podiam contar com sua boa vontade, ajudando especialmente muito os pobres que o procuravam.
Em meio às calamidades que se alastravam a cada dia na cidade, chegou um dia, vindo de Pernambuco, um espanhol de nome Epifanio Astrudillo Y Busson.
Astrudillo Busson se instalou em nossa cidade e “se apresentou como médico passou a atender aos doentes acometidos de febre amarela que solicitavam a sua ajuda em forma de consulta”
Aqueles a quem o “médico espanhol” conseguiu curar, contavam e distribuíam elogios aos seus conhecimentos científicos e medicinais. Dos que não tiveram êxito com seu tratamento, recebeu “maldições” sem contar os parentes que assistiram a seus familiares morrerem sem receberem a cura da medicação prescrita pelo médico Astrudillo Busson. Atribuíram à sua ignorância a perda de inúmeras vidas...
Diante das denúncias e controvérsias a respeito da atuação do “médico” espanhol Astrudillo Busson, a Câmara Municipal que era a instituição responsável pela administração do município àquela época, comunicou os fatos ao conhecimento do Presidente da Província Dr. Joaquim Marcos de Almeida Rego, pedindo que “acudisse a população do Aracati, enviando um médico para a cidade”, caso se concretizasse a suspensão do ofício da medicina do suspeito médico espanhol como se estava anunciando...
Dr. Almeida Rego, Presidente da Província, que também era médico, ficou embaraçado diante da situação alarmante em que se encontravam várias localidades do Estado a lhe pedirem socorro. A carência de médicos era tremenda; afinal, como poderia atender a todos sem os profissionais dessa qualificação? Não poderia deixar que a cidade de Fortaleza, contaminada pela terrível epidemia ficasse sem seus dois principais combatentes contra a febre amarela, os médicos aracatienses: Dr. Jose Lourenço de Castro e o Dr. Liberato de Castro Carreira.
Como então atender ao pedido alarmado de socorro do povo aracatiense?
Querendo realmente atender ao apelo do povo do Aracati, o presidente da Província recorreu então ao médico Dr. Marcos Teófilo que cuidava na ocasião das cidades de Aquiraz e Maranguape também fortemente atacadas pela febre amarela. Com a recusa do Dr. Marcos Teófilo em vir para o Aracati, em virtude da péssima situação em que se encontravam as duas cidades sob sua responsabilidade médica, o presidente da Província Dr. Almeida Rego, usando a prudência e as circunstâncias que se apresentavam num momento tão drástico para a população do Aracati, permitiu então que provisoriamente o “médico espanhol Epifanio Astrudillo Busson permanecesse exercendo o ofício da medicina”.
Portanto, enviou um ofício ao Presidente da Província de Pernambuco, de onde viera o tal médico Astrudillo Busson, indagando se o “suspeito médico exibira ali documentos que lhe provassem a qualidade profissional.”
De posse das informações negativas que lhe foram enviadas de Pernambuco, em resposta ao seu ofício, O Dr. Almeida Rego, encaminhou então à Câmara Municipal de Aracati, despacho recomendando que a dita Câmara não permitisse ao Astrudillo Busson a prática da medicina que já vinha exercendo...
Em defesa do suspeito médico espanhol Astrudillo Busson, se pronunciou o jornal O Cearense, que era publicado em Fortaleza, censurando a “severidade da medida contra o médico, informando que Astrudillo Busson contava 28 anos de prática e tinha conhecimentos profundos das matérias de sua profissão”, merecera, ao que diziam, prosseguia o jornal, o hábito da Legião de Honra, na França, e estava prestando reais serviços no Aracati.
Enfatizando ainda com mais convicção, o jornal O Cearense, finalizava a defesa do Astrudillo Busson com a argumentação de que; “O fato de não ter mostrado provas de habilitação, no Brasil, não justificava a medida tomada pelo Presidente da Província do Ceará, porquanto havia médico, na Província, formado no estrangeiro, sem provas de habilitação no País e que clinicava livremente...”.
Enquanto isso, a situação no Aracati continuava se agravando sem que nenhuma medida fosse realmente tomada. Foi preciso que a viúva do rico e importante comerciante, Domingos Teófilo, ficasse gravemente enferma com febre amarela para que, atendendo ao apelo desesperado da família, o Dr. Castro Carreira, que era amigo de longa data da família da enferma, pedisse uma licença em caráter de urgência do cargo de provedor da saúde em Fortaleza, e fosse ao Aracati.
As cartas que chegavam às mãos do Dr. Castro Carreira davam-lhe conta dos acontecimentos e falecimentos de figuras importantes do Aracati, citando entre outros os nomes dos irmãos, Manoel Alves Ribeiro e Domingos Teófilo, “homens de fortuna e prestígio incontestável com influência em toda a Província, com crédito na Praça do Recife e em praças estrangeiras”.
O falecimento desses dois membros da família Alves Ribeiro em muito prejudicou e acelerou o decaimento de nossa economia, enfraquecendo substancialmente o nosso comércio.
Em 15 de Setembro de 1851, partiu o Dr. Castro Carreira para o Aracati. Sua impressão foi de dó e espanto, ao chegar a sua terra natal, como relatou em carta ao Dr. Almeida Rego. A cidade parecia abandonada e rara era a casa em que não havia doentes...
A permanência do Dr. Castro Carreira se prolongou em Aracati muito além do tempo previsto da sua licença consentida pelo Presidente da Província. A Câmara Municipal entendendo que a epidemia não declinava, mandou um ofício ao Dr. Almeida Rego, pedindo que não retirasse o Dr. Castro Carreira do Aracati. Em resposta ao pedido da Câmara Municipal, o Dr. Almeida Rego consentiu na permanência do médico aracatiense em sua terra, observando, no entanto, que a Câmara Municipal “reprimisse o abuso em cuja prática continuava Epifanio Astrudillo Busson”.
Em carta ao jornal O Cearense, Dr. Castro Carreira relatava que em Aracati “muitos são ainda os doentes de febre amarela”, lamentando na mesma correspondência, o falecimento do rico comerciante José Pereira da Graça, pai do Dr. Jose Pereira da Graça Filho, que viria a ser no futuro o Barão de Aracati.
A febre amarela que se iniciou em Aracati em outubro de 1851, infectando 5.000 pessoas e causando a morte de 99, começou a declinar em março de 1852 favorecendo assim o deslocamento do nosso conterrâneo Dr. Castro Carreira, para a vila de São Bernardo – Russas -; onde a epidemia começava a ceifar vidas e a causar pânico à população...
Em começo de julho de 1852, A Câmara Municipal de Aracati nomeava como médico da municipalidade, o inglês Dr. Cristovão Leycester Malet que, “tendo granjeado entre a classe indigente o nome de seu salvador, por ter nele encontrado um médico humano e caridoso. Conquistara assim Dr. Malet efetivamente, a admiração e o afeto do povo e das autoridades do Município.”
Bibliografia: Revista do Instituto Histórico do Ceará. Tomo XLIX, pag. 173-184. Dr. Cruz Abreu
Singelo Documentário de alguns atentados ao Patrimônio Cultura da Cidade de Aracati. 1940-1994. Dr. Hélio Ideburque Carneiro Leal