Essa evolução aconteceu em dois setores: o da cultura da cana, nas áreas litorâneas, para o fabrico do açúcar e o da criação do gado, respondendo pela ocupação do interior.
O primeiro setor da evolução foi representado a Portugal como alternativa de integração do Brasil ao sentido da colonização. Isto é, com aqueles objetivos a que as colônias foram constituídas, a partir da expansão comercial europeia, para fornecer, ao mercado do Velho Mundo, certos gêneros tropicais comercializáveis e metais preciosos, produtos inexistentes ou escassos no velho Continente.
A ocupação e a exploração das terras interioranas, principalmente daquelas situadas nas áreas semi-áridas, só foram objetivadas quando o solo mais áspero do Brasil se revelou de boa qualidade para a pecuária. Isso se deu quando o colonizador, tentando vencer a aridez climática, rompeu com avidez a caatinga; e o gado, seguindo a trilha ribeirinha, instalou-se do Recôncavo Baiano ao São Francisco, e daí, veio a ocupar outras áreas adjacentes.
É sabido que as terras da Capitania do "Siará Grande" não provocaram interesse, nem mesmo aos invasores.
As tentativas de conquista portuguesa, a partir de 1603, e o domínio holandês não tinham objetivos colonizadores. Até mesmo depois de efetuada a administração portuguesa, continuou o Ceará sem nenhuma mudança estrutural na sua parte social e econômica.
Só com o pastoreio, dá-se a quebra do exclusivismo econômico do açúcar e se efetiva a exploração do interior e o desenvolvimento das chamadas Capitanias do Norte. A ocupação primária do sertão cearense se deu com o gado trazido das capitanias vizinhas, principalmente de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, por colonizadores que, requerendo as primeiras sesmarias interioranas, vieram ocupar, de início, os vales dos rios Jaguaribe e Acaraú — os pontos essenciais de colonização.
As fazendas aumentavam e a produção bovina crescia com rapidez.
Dada à escassa população de baixo poder aquisitivo, a produção de carne excedia às necessidades do mercado local. Assim sendo, não era justificável, para a acanhada economia da Capitania, que centenas de reses fossem mortas apenas para aproveitamento do couro, produto de destaque da Colônia.
Além do mais, havia necessidade de carne, tanto nos engenhos da zona da mata, como nas demais concentrações populacionais.
O problema, de início, foi solucionado com a comercialização do gado em pé, nas feiras pernambucanas, primeiro em Olinda, depois em Igaraçu e Goiana, assim como, na Região do Recôncavo Baiano.
Deve-se salientar que, mesmo para Pernambuco, o negócio não era compensador, uma vez que o gado emagrecia, diante de tantos dias de longas caminhadas, debilitando-se a ponto de não ter condições físicas para o abate.
Os prejuízos se faziam mais comuns com os rebanhos das áreas próximas ao litoral, faltando, a essas reses, condições de competir no mercado com o gado das Capitanias mais próximas das feiras e de melhor estrutura física.
A impossibilidade de concorrer comercialmente com os rebanhos oriundos dos sertões da Capitania e de suas vizinhas, faz com que os fazendeiros da área litorânea, já a partir da primeira metade do século XVIII, passem a exportar seu gado abatido transformando em carne-seca salgada e couro.
Surgiram, assim, no Ceará, as fábricas de beneficiar carne, as chamadas Oficinas, Charqueadas ou Feitoria, instaladas nos estuários dos rios Jaguaribe, Acaraú e Coreaú, estendendo-se depois ao Parnaíba, no Piauí e ao Açu e Mossoró, no Rio Grande do Norte.
As condições geofísicas do litoral pastoril do Ceará favoreceram o surgimento daquela indústria, "que além de matéria-prima abundante, possuía outros fatores locais asseguradores do êxito: ventos constantes e baixa umidade relativa do ar, favoráveis à secagem e duração do produto; existência de sal, cuja importância se não precisa destacar; barras acessíveis à cabotagem".[2]
Com as charqueadas ocorre o período áureo da pecuária nordestina em que essas feitorias marcam o desenvolvimento econômico da indústria animal.
Segundo o Professor Francisco Alves de Andrade, o litoral e os sertões se "seguem em linhas paralelas da agroindústria rural (...) em três aspectos ou tônicas, equiparam-se um e outro domínio: a) as charqueadas marcam o encontro do homem da marinha com os homens do sertão; b) contribuem com o primeiro impulso monetário para desenvolver as fazendas de gado com divisas de sua própria indústria; c) abrem caminho às importações".[3]
As boiadas, que antes se deslocavam para as feiras pernambucanas e baianas, começavam a rumar em direção à foz de suas próprias ribeiras. Esse movimento revolucionou a feição econômica, social e política da Capitania.
O litoral e o sertão interpenetravam-se comercialmente e os laços administrativos entre as duas zonas tornaram-se mais significativos.
Aracati possuindo as duas zonas: a sertaneja e a praiana foram, por muito tempo, a localidade de maior influência no processo histórico da formação econômica, social e política do povo cearense, precisamente em função das Oficinas de carne-seca ali existentes, responsáveis por intenso comércio com as praças de Pernambuco e Bahia.
2 A CIDADE DE ARACATI
O município de Aracati situa-se às margens do Rio Jaguaribe, na data de sesmaria adquirida pelo Capitão-mor Manuel de Abreu Soares, assim documentado pelo historiador Antônio Bezerra.
"A cidade do Aracati está encravada na data que tirou, em 23 de janeiro de 1685, o Capitão-mor Manuel de Soares, e seus 14 companheiros, na parte que pertenceu ao mesmo Capitão-mor, demarcada pelo Desembargador Cristóvão o Soares Reymão, em outubro de 1707, que foi vendido por sua viúva D. Maria de Siqueira e seu filho Pachoal de Lima, em 6 de dezembro de 1701 ao conmissionário geral Teodozio de Grasciman".[4]
Daquele local, com a denominação de Arraial, partiu a colonização do Siará Grande.
Com o desenvolvimento do "arraial" através do aumento da indústria pastoril que se estendia por toda a "Ribeira do Jaguaribe", colonos portugueses, paraibanos e pernambucanos vieram habitar a foz do rio Jaguaribe, lugar já conhecido por Cruz das Almas, depois, São José do Porto dos Barcos.
Os documentos são claros, quanto ao surgimento das charqueadas no Aracati, e com elas o desenvolvimento da povoação.
Na segunda década do século XVIII, Sebastião da Rocha Pita, em sua História da América Portuguesa, ao tratar da criação da Ouvidoria do Ceará em 1723, afirmava:
"Vinte léguas para o Rio Grande, tem pelo sertão uma formosa povoação com o nome do Rio Jaguaribe, que por ela passa, o qual seis léguas para o mar fazem uma barra suficiente a embarcação pequena, que vão carregar carne de que abunda, com excesso aquele país".[5]
Não é conhecido o ano de instalação das primeiras salgadeiras na Capitania; porém, documentos referentes à construção da Igreja de Aracati, revelam que:
"no ano de 1714, devastadas as carnaubeiras e marizeiros, construíram os charqueadores, vindos de Pernambuco e da Bahia, uma capela de taipa com frente de tijolo e coberta de palha, sob a inovação de Nossa Senhora do Rosário".[6]
Enquanto Raimundo Girão, confirmando a primazia da comercialização da carne-seca da região jaguaribana para outros centros, escreve:
"Não se sabe ao certo quando principiaram a funcionar as charqueadas no Ceará, mas é fora de dúvida que datam de épocas anteriores a 1740 e surgiram primeiramente no pequeno arraial de São José do Porto dos Barcos, depois elevada à categoria de vila com o nome de Santa Cruz do Aracati, hoje cidade do Aracati...".[7]
Aracati, como porto de mar acessível, relativamente próximo a Recife e Salvador, tornou-se, mesmo antes de ser elevada à vila, o pulmão da economia colonial da Capitania, cuja riqueza era, em maior parte, por ela transmitida.
Atraído pelo seu desenvolvimento, logo convergiu para o Aracati um número considerável de forasteiros; população esta oriunda não só da própria Capitania, como também das capitanias vizinhas, entre elas colonos portugueses e de outras nacionalidades, que ali passaram a desenvolver as suas atividades,
“Dando lugar a que o comércio, não só de xarque, como de couro salgado de boi, vaqueta, couro de cobra e pellica branca, se desenvolvesse de modo assombroso, transformando em pouco tempo a face do humilde arraial que se tornou um dos mais procurados e populosos daquellas eras da então capitania". [8]
O progresso comercial e populacional do Aracati ganhava cada dia, maior vulto, provocando agitação e insegurança a seus habitantes, a ponto de achar o Capitão-mor, Dom Francisco Ximenes, em 8 de janeiro de 1743, necessário a "estada de um juiz ordinário e um tabelião".[9]
No ano seguinte, em 24 de julho, o Ouvidor Manoel José de Faria já fazia a seguinte representação:
"Acho que será acertado haver ally hua vila, que virá a ser a corte deste Seara em breves annos por ficar nas margens do Rio Jaguaribe navegavel as mesmas somacas em distancia de tres leguas e de facto vêm ao seu porto todos os annos vinte e sinco e mais que a troco de fazendas que trazem, levam a carne e courama de dezoito thé vinte mil boys para Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro".[10]
Não são outras as informações colhidas na ata de 8 de março de 1745, ao tratar da criação da Vila: assim, era
"conveniente ao sucego dos vassalos de S. Magd se erigice huma vila no lugar do Aracati e Porto de Barcos (...) em razão de ser um citio aquelle de amyor negocio destes certoyns por conta das carnes e couramos que todos os anos vem ahy fazer Barcos dos Portos principais de todo o Brasil (...) que vendem a dinheiro e trocão a fazenda; negócio este sete e oyto mezes no anno fez o dito lugar paresser hua Prassa populosa".[11]
Diante das repetidas reivindicações,
"O rei atendeu ao Ouvidor e por carta de 19 de julho de 1747, lhe comunica a resolução de 11 de abril desse anno, pela qual creou a vila de Santa Cruz do Aracaty, autorisando a instalar a dita vila; e por isso, a 10 de fevereiro de 1748, foi ela efetivamente fundada, escolhendo-se de preferência o lugar Cruz das Almas, por ser o mais conveniente, mais alto e livre das inundações do rio Jaguaribe".[12]
A instalação da Vila acarretou, a princípio, um decréscimo no seu desenvolvimento comercial, isso porque os donos de barcos, não querendo se submeter às posturas criadas pelas autoridades constituídas da Vila procuraram outras Oficinas para seus negócios; mas logo Aracati, recuperou seu papel de entreposto comercial com outras regiões, como muito bem expressa o depoimento do Vereador Esteves d'Almeida:
"além deste ramo de comércio da fábrica das carnes, haviam outros muitos com que se faziam grandiosos negócios (...) cujos generos orçavam em cada anno de 25 a 30.000 couros salgados, 50 a 60.000 meias de sola e vaquetas, 30 a 35.000 couros de cabras 2 a 3.000 pelicas ( ...). Abatendo todos os annos para cima de cincoenta mil rezes”.[13]
Tudo girava, portanto, em função daquelas Fábricas e da comercialização dos seus produtos. A própria estrutura urbana, obedecia ao interesse comercial das carnes-secas. O traçado das ruas tinha como finalidade à comunicação do Porto dos Barcos e tráfico das Oficinas. Já na delimitação da vila, ordenou o Ouvidor Manuel José de Faria que
“por falta de agulha de marear (...) se aguardasse a chegada dos primeiros barcos de Pernambuco para então se proceder a demarcação, que havia sido feita estimativamente, devendo ficar o logradouro, próximo ao rio".[14]
É ainda Antônio Bezerra que diz:
Além da rua existente e que dava entrada para villa, mandou o Ouvidor se demarcassem outras duas de 5 braços cada uma para comunicação dos Barcos, e que pela parte do rio se continuassem casa, que do dito porto para cima se iam fundando, e pela da Campanha seguindo ribeira abaixo...".[15]
Depois de criada a vila, o ministro
"dá posse a camara de meia légua de terra da Gamboa para a Ilha dos Viados com outros tantos de fundo para a banda do nascente ou para onde o rumo desse onde se meteria os respectivos marcos a descer para o lado da Gamboa, onde havia então o maior número de casa".[16]
Apesar do descontentamento da população e das graves consequências sugeridas por conta do erro da demarcação do pequeno termo de meia légua quadrada, Aracati progredia na sua parte urbana.
Os vereadores, em sessão realizada em 21 de junho de 1770, fizeram o contrato da edificação da Casa da Câmara que deveria ser construída na rua do Comércio, no trecho antigo das Flores, e na sessão de 19 de fevereiro de 1781, resolveu, a Câmara, trasladar o pelourinho para a pequena praça da Cadeia que ficava quase em frente da mesma câmara.
“O Pelourinho estivera plantado ao sul da rua do Comércio na praça da Cruz das Almas, pouco além das casas do lado do nascente das mesmas casas".[17]
No livro de aforamento de terra da Vila de Aracati de 1775-1812, que se encontra hoje no Arquivo Público do Estado do Ceará, observa-se o pedido de demarcação de Oficinas, Currais e Estaleiros, localizados nas ruas centrais da Vila, de propriedade dos charqueadores, tais como: o Sargento-mor Bernardo Pinto Martins "ao pé da rua de Santo Antônio achamos ocupar quarenta braças em quadro...", o mesmo acontecendo com Tomé de Melo Cabral "sencoenta e sete braços"[18] e tantos outros.
Já no livro de Registro de Escrituras de Foros Pertencentes ao Senado da Vila de Aracati — Ano de 1765-1779 percebe-se um número considerável de pedidos, de aforamento de menores dimensões e em ruas diversas: "Rua do Piolho, Beira do Rio. Arrebol, Rua dos Mercadores, Gamboa, Porto dos Barcos, Rua S. Gonçalo, Rua das Flores, Rua Direita, Rua da Parada, Rua do Pombal".[19]
As edificações aumentavam e a Câmara tomava medidas para organizar o seu desenvolvimento; o que não era fácil, uma vez que, na rua principal — Santo Antônio, como está documentado, encontravam-se as principais Oficinas, com currais, estaleiros e salgadeiras. O texto do Auto da Segunda Audiência Geral, requerida pela Câmara da Vila de Aracati, datada de 2 de março de 1781, comprova a rusticidade das Oficinas,
"herão buas cazas, ou edifícios insignificantes em forma de telheiros formados de paus e telhas vãa que em pouco tempo se podem mudar e construir de novo com os mesmos paus e telhas no lugar que estar destinado, que he o mais conveniente para as mesmas oficinas e mais perto do Porto dos Barcos... ".[20]
Os vereadores e republicanos, insatisfeitos com os provimentos da Audiência Geral de 1781, requereram uma outra, na qual o assunto principal consistiria precisamente em medidas que aliviassem a população dos incômodos decorrentes do abate em lugares centrais da Vila.
"A respeito de se demolirem as oficinas que estão disfigurando a beleza, e arruinando a saúde pública desta Vila (...) porquanto hera bem notório que a matansa dos gados nos sobreditas officinas dentro da vila geravão todos os anos hum morbo pestilento, fétido e imundicais, que não só duravão o tempo das matanças, mas também pelo discurso de todo o anno porque cada vez que xovia se renovava, e parecia coiza incompatível com o bem público conservarem se as tais officinas que só faziam como particular aos donos delas para haver mais hum ano de peste, e de incômodos, os quais athe se estendiam a impedir a decencia com que se devia selebrar a missa que por mais cautela que hajam em estar o acolito continuamente abanando as moscas (...) e as imagens e ornamentos da Igreja sempre estão sortidos e indecentes pela mesma causa, o que principalmente acontecesse na Igreja Matriz por estarem as ditas officinas contíguas a ella. Além disto tão bem he notorio que a rua de Santo Antônio he a parte da Villa mais importante, e mais populoza xeya de logens abertas de mercadores de fazendas...".[21]
No fim do século XVIII a vila do Aracati já gozava dos melhoramentos que a metrópole concedia aos mais ricos e adiantados.
Em 1799, foi construído um edifício para arrecadação do imposto do algodão. O setor educacional iniciava-se com curso de latim e outras disciplinas.
No ano de 1805 abria-se caminho para o comércio direto com a Metrópole, agora com carregamento de algodão.
O saneamento é iniciado em 1872, com o aterramento dos lugares onde se acumulavam as águas das cheias e o nivelamento das calçadas. Nesse mesmo ano foi concluído o mercado.
Elevada à cidade pela lei provincial n.º 244, de 25 de outubro de 1842, Aracati continuava a ser o maior empório comercial e o centro de maior população e importância da Província. Merece transcrição o que afirmou Antônio Bezerra, em 1901, escrevendo sobre Aracati:
"A cidade consta de quatro ruas grandes, mal alinhadas; que se estendem aproximadamente de N.N.E. à S. S. O., a primeira proxima do rio, denominada Apollo, que teve antes os nomes da Parada e do Silvestre; a segunda, a mais importante, do Comércio, outrora do Pelourinho, na sua primeira parte, das Flores, no centro e de S. Antônio no outro extremo; a terceira Direita e a quarta do Rosário. Tem 16 menores, com intervalos mais ou menos desocupados, umas no quadro edificado, outras nos arredores que são chamadas da Paradinha, do Tamarindo, da Matriz, da Carnahuba, da Anna Calista, do Soares, do Cemitério, do Porto dos Barcos e da Cacimba do Povo.
Cortando as ruas principais quasi, em direção de L.S.E. à O.N.O., cruzam-se as travessas do Bonfim, dos Prazeres, do Encontro, das Flores, do Mercado Novo, da Cacimba, da Viação, da Matriz, da D. Luiz, da Parada, da Alfandega, da Botica, da Praia, do Triumpho, do Cano e outras a que não se deu ainda nome.
São belas as praças do Pelourinho, da Ponte, antiga da Alfandega, da D. Luiz, da Matriz, do Mercado, dos Prazeres, do Rosário e da Cruz das Almas.
A cidade, que apresenta magníficos prédios, entre os quais 28 sobrados de um e dois andares, quase todos situados na rua do Comércio, onde se vê grande número de lojas e armazéns de fazenda e outros objetos de negócios.
O edifício da Camara Municipal, um dos mais importantes do Estado, que fica no lado comercial da rua do Comércio com dez portas de frente no andar superior, a que dominam duas grandes torres ".[22]
Além do Mercado Público, situado entre as ruas Direita e a do Rosário; da casa da Mesa Rendas Federais, na rua do Comércio, possuía a municipalidade quatro prédios que foram doados pela Viscondessa de Messejana, ocupados pela Instrução Pública, onde funcionavam três aulas primárias, duas do sexo feminino e uma do sexo masculino, e outro ocupado pelo Gabinete de Leitura.
O Teatro funcionava na rua do Rosário, travessa do Riachuelo.
Quando trata das igrejas, Antônio Bezerra opina:
“Entre os templos nota-se a matriz, bella igreja, alta, espaçosa bem construída, tendo rico trabalho de gravura no altar-mor que resplende aos finos dourados efeito do gosto antigo. Sobre a frontaria montam duas torres, em uma das quais se acha um excelente relógio, presente que lhe fizera o Coronel Domingos Theofilo Alves Ribeiro, no ano de 1844, que com ele despendera a 1:500$000rs".[23]
Assinala, ainda como não menos importantes, a Igreja do Bom Jesus do Bonfim, situada à rua do Comércio; a Igreja de N. S. do Rosário dos Pretos, localizada à rua do Rosário; a Igreja de N. S. dos Prazeres, situada na mesma rua.
No ano de 1860, cessaram os enterramentos de pessoas nas igrejas, passando a ser feito no cemitério, construído com os recursos municipais.
Aracati merece destaque na política, não só nas movimentadas eleições, mas na adesão à Confederação do Equador, quando muitos aracatienses participaram do movimento revolucionário de 1824, e da criação do primeiro clube republicano do Ceará; depois, do manifesto de 3 de dezembro, que teve como promotor, Júlio César da Fonseca Filho.
A vida cultural e jornalística é intensa, no seu período áureo, com os centros culturais: "Gabinete de Leitura, o Clube Literário Aracatiense, Romeiros do Porvir, Tertúlias Aracatiense, e o Centro Cultural da Mocidade".[24]
Com relação ao jornalismo, Aracati teve a primazia de montar o segundo jornal cearense, o Clarim da Liberdade, órgão revolucionário e de combate político, editado em 10 de dezembro de 1831 e outros em número de setenta e cinco, desses, trinta e sete dedicados ao humanismo, à pilhéria e à crítica, tais como: Coruja, Gaspar da Terra, Cometa, A Barquinha, O Pudor, Judas Iscariotes, Tribunal do Povo, Jaguaribe, O Prego, O Martelo e muitos outros.
Na música, além das antigas bandas com que a cidade contava — Dragão, Ribeiro, Filarmônica e Charanga; ainda apareceram, no final do século XIX, a "Filarmônica Zaranza, a Filarmônica Figueiredo, a Charanga 24 de maio, Euterpe Operária e a Capivara.”[25]
Aracati, que cedo se constitui o grande empório da Capitania, e depois da Província, quando, pelo seu porto, o Fortim, transitava a maior parte da riqueza do Ceará, a ponto de se pensar em mudar para ali a capital da Província e que teve o seu mercado assegurado durante o século XVIII pela produção e comercialização da carne-seca, sofreu consideravelmente em seu desenvolvimento, com a extinção definitiva das charqueadas, no último decênio do século.
Os dados historiográficos mais tradicionais indicam como responsáveis únicos pelo fim da "indústria do charque", as crises climáticas por que passou o Ceará nos anos 1777-1778 e 1790-1793.
A documentação analisada, sobre os efeitos daqueles dois períodos de estiagem prolongados, causadores de prejuízos incalculáveis para a estrutura econômica da Capitania, com base na produção animal, aponta também, que outros fatores colaboraram no decréscimo do desenvolvimento de Aracati, já no início do século XIX.
Eusébio de Sousa, em seu livro "Álbum do Jaguaribe" editado em 1922, citado por Abelardo Costa Lima, escreve:
"Aracati decaiu consideravelmente de sua supremacia comercial e apontava como causa a extinção das Charqueadas, o estabelecimento da linha de vapores diretamente para Fortaleza, uma vez que grande parte do comércio do interior que se fazia por seu porto marítimo (o Fortim que já abrigou cinco a seis embarcações de nacionalidade estrangeira e de grande calada carregando para a Europa) diretamente com a praça do Recife, foi desviado, muito propositadamente, em benefício do comércio de Fortaleza. Para um tal resultado concorreu muito nestes vinte e cinco anos a construção da Via-Férrea de Baturité".[26]
O mesmo Abelardo Costa Lima informava em seu livro "Terra Aracatiense", publicado em 1941:
"Até bem pouco tempo o Aracati vegetava no presente, recordando o passado (...), mas, hoje, como que uma clavinada vibrante de coragem tirou os aracatienses da inércia em que faziam e trouxe-os para o limiar de uma nova era ".[27]
E enumera o alto comércio do município representado pelas firmas:
Costa Lima & Mirtil, firma exportadora de invejável situação financeira, operando, não só nos grandes centros comerciais do País, como nos mercados europeus e americanos; a Fábrica Santa Tereza, atuando no fabrico de tecidos de algodão cru, na feitura de redes de dormir; a Caminha & Cia., encarregada da exportação de cera de carnaúba, algodão e outros produtos; J. Correia & Cia Importadora e Exportadora; F Gurgel & Filhos situada na rua Cel. Alexandrino, exportadora de artefatos de palha, algodão, cera de carnaúba, peles de cabra e de carneiro, peles silvestres e sal grosso; E Malveira & Cia., estabelecido na rua Cons. Liberato Barroso, 128-132 e outros tantos que exploravam o comércio a varejo.
Raimundo Girão, já em 1966, dava como base econômica do município a agricultura cujos produtos de maior vulto eram o algodão, a cera de carnaúba, a cana-de-açúcar, o coco da Bahia e a mandioca. "A produção de sal era de 80 mil toneladas anuais. Empresas de industrialização do caju, indústrias da palha de carnaúba e dos afamados labirintos e rendas do Ceará".[28]
Hoje, as antigas indústrias comerciais transformaram-se em outros setores ou deixaram de existir.
Com clima saudável, ameno e seco, suavizado pelas constantes brisas marítimas que se levantam do mar, e as belas praias, Aracati atualmente é um dos polos turísticos do Estado.
Fontes:
[1] GIRÃO, Valdelice Carneiro. Oficinas ou Charqueadas no Ceará. Fortaleza Secretaria de Cultura e Desporto, 1995. p. 31.
[2] BRAGA, Renato. Um capítulo esquecido da economia pastoril no Nordeste. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza, volume 61, p. 150, janeiro/dezembro de 1947.
[3] GIRÃO, Valdelice Carneiro. As Oficinas ou Charqueadas no Ceará. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1995. p. 17.
[4] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do Estado do Ceará, para o ano de 1902. confeccionado por João Câmara, volume 8, p. 102.
[5] ROCHA PITA, Sebastião da História da América Portuguesa. 2ª edição. Bahia: Imp. Econômica, 1878. p. 65-66.
[6] Documentos sobre a Igreja cie Nossa Senhora cio Rosário. Matriz de Aracati. Arquivo da Igreja do Aracati.
[7] GIRÃO, Raimundo. História Económica do Ceará. Fortaleza : Ed. Instituto do Ceará, 1947. p. 149.
[8] SOUSA, Eusébio de. Álbum do Jaguaribe. Belém : Gráfica Amazônica, 1922. p. 121.
[9] Representação do Ouvidor Gerai do Ceará, "sobre a conveniência por se trazerum juiz ordinário e um tabelião" 1684-1762. Coleções Studart, Instituto do Ceará.
[10] Representação do Ouvidor Geral Manuel José de Farias — Sobre a criação da
Vila de Aracati — Livro III, 1684-1762. Coleções Studart, Instituto do Ceará.
[11] Ata da reunião da Câmara de Aracati, 1746. livro III, 1684-1762. Coleção Studart. Instituto do Ceará.
[12] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil. Industrial e Literário do Estado do Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, volume 8, p. 102.
[13] ALMEIDA, Manuel Esteves. Registro de Memória dos principais estabelecimentos. Factos e casos raros acontecidos nesta Vila cia Santa Cruz do Aracati, feita segundo a ordem de S. M., de julho de 1784, pelo Vereador Manoel Esteves d' Almeida desde a fundação da Villa, até o ano presente de 1795. revista do Instituto do Ceará, V. 1, p. 83, jan/dz, 1887.
[14] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário cio Estado do Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, Volume 8, p. 143.
[15] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do Estado do Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, Volume 8, p. 143.
[16] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do Estado cio Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, Volume 8, p. 147.
[17] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do Estado do Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, Volume 8, p. 147.
[18] Termo nº 172 do Livro de Aforamento de Terra da Vila de Aracati, 1775-1212. Arquivo Público do Estado do Ceará.
[19] Registro de Escritura de foros pertencentes ao Senado da Vila de Aracati — Ano 1756-1779_ Arquivo Público do Estado do Ceará.
[20] NOBRE, Geraldo da Silva. As Oficinas de Carnes do Ceará. Fortaleza: Gráfica Editorial Cearense, 1977. p. 84.
[21] NOBRE, Cernido da Silva. As Oficinas de Carnes do Ceará. Fortaleza: Gráfica Editorial Cearense, 1977. p. 84.
[22] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do Estado do Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, Volume 8, p. 134.
[23] BEZERRA, Antônio. A cidade do Aracati. Almanaque Administrativo Estatístico, Mercantil, Industrial e Literário do Estado do Ceará, para o ano de 1902, confeccionado por João Câmara, Volume 8, 13. 136.
[24] MENEZES, Ezequiel Silva de. Aracati e sua vida cultural e jornalística. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1946. p. 7.
[25] MENEZES, Ezequiel Silva de. Aracati e sua vida cultural e jornalística. Fortaleza: imprensa Oficial, 1946, p. 9-11.
[26] COSTA LIMA, Abelardo. Terra Aracatiense. ed. Fortaleza: Imprensa Oficial do Ceará, 1979. p. 72.
[27] COSTA LIMA, Abelardo. Tura Aracatiense. 2' ed. Fortaleza: Imprensa Oficiai do Ceará, 1979. p. 72.
[28] GIRÃO, Raimundo & MARTINS FILHO, Antônio. O Ceará. Fortaleza: Ed. Instituto do Ceará, 1960. p. 62.