Padre Tito José de Castro, dinâmico Presidente da Câmara de Vereadores e presidente da comissão de socorro às vítimas de cólera-morbo, não se furtava nunca de atender aos apelos e chamamentos daqueles que buscavam, na hora extrema sua presença consoladora. Assim aconteceu, quando da terrível epidemia da bexiga, aqui em Aracati, no ano de 1848, quando enfrentando toda espécie de adversidade jamais deixou de socorrer as vítimas da doença, pondo em risco sua própria vida.
O mesmo viria a acontecer quando em 1851, a febre amarela atacou assustadoramente nossa população. Era padre Tito José de Castro nessa ocasião o coadjutor que auxiliava o vigário nas questões da Igreja. No entanto, seu trabalho não se resumia ao atendimento espiritual. Sempre abnegado, auxiliava os doentes levando o conforto religioso e a assistência, providenciando o melhor tratamento, buscando minorar os sofrimentos daqueles que padeciam com a arrepiante doença.
Impelido por seu espírito destemido, que já se destacara quando de sua atuação desde a primeira vereança em 1848, padre Tito José de Castro não atendeu aos conselhos dos amigos para que não fosse à praia de Canoa Quebrada, onde a cólera-morbo grassava. Das 80 cabanas lá existentes, haviam sido afetadas, pelo mal apavorante, mais de 250 pessoas das quais mais de 70 tinham falecido em poucos dias.
Desconsiderando os conselhos, padre Tito José de Castro, seguiu para Canoa Quebrada, montando um cavalo que haviam lhe trazido para fazer a viagem. Chovia na manhã de 21 de maio de 1862, quando o padre Tito José de Castro, tomou o rumo da Canoa Quebrada, atravessando a várzea por entre as carnaúbas remanescentes do frondoso carnaubal existente no passado, transpondo o Cantinho[1] e subindo o morro, de onde logo se descortinava a praia. Lá iria benzer um lugar destinado a enterramento dos coléricos, confessar os doentes e conceder-lhes a extrema unção.
Retornando no início da noite à sua residência na Rua da Matriz nº 1, padre Tito José de Castro, confessou a alguns amigos que não se sentia bem. Aos 39 anos de idade, o padre Tito José de Castro era um homem jovem e saudável que poucas vezes adoecera.
Embora desconfiado, não aceitou a sugestão de um amigo presente em sua casa, naquela noite, de que sua indisposição poderia ser ocasionada pela extravagante viagem que fizera a Canoa Quebrada.
Infelizmente os sintomas vieram converter a desconfiança em certeza: um abatimento e esmorecimento no corpo fizeram o padre se recolher aos seus aposentos. Foi então chamado o médico Dr. Domingos Pacheco[2], que era amigo do padre Tito José, para examiná-lo. Ao chegar, o médico já encontrou o padre Tito José com bastante febre e fortes arrepios de frio.
O diagnóstico do Dr. Pacheco diante do quadro foi preciso e taxativo: estava padre Tito contagiado pelo vibrião colérico de uma maneira agressiva. Cuidou então o médico de iniciar o tratamento, mesmo sabendo que todo o seu esforço e o conhecimento da ciência médica, seriam “impotentes” ante a certeza iminente da morte do amigo que tanto prezava.
A notícia do padecimento do padre Tito se espalhou por toda a cidade e durante a noite inteira foram feitas vigílias diante de sua casa na esperança de que pudesse vencer o terrível mal, que a cada minuto lhe consumia cada vez mais.
Ao abatimento das forças, sucederam-se os vômitos, seguidos de náuseas, tonturas e a contínua febre alta que não cedia. A respiração antes agitada se tornava lenta e o pulso cada vez mais fraco. Foi chegando o resfriamento geral do corpo e a voz quase totalmente sumida, calou.
Exatamente após 16 horas do início do seu adoecimento, o padre Tito José de Castro, aos 22 dias do mês de maio de 1862, serenamente ao lado dos seus parentes e amigos mais próximos, findava seu pungente sofrimento.
Assim se despediu do padre um jornal da época:
“O Padre Tito já não existe neste mundo, onde parece ter vindo somente para receber a coroa de mártir da humanidade; cumprida sua missão, sua alma voou à mansão celeste, onde o Criador do mundo e Deus da Justiça e da bondade lhe concederá a glória eterna”.
Seu sepultamento, sem pompa nem funeral, foi igualmente idêntico a todos os que morreram de cólera-morbo: enterrado numa vala comum, como todos os demais coléricos, no terreno isolado ao fundo do cemitério São Pedro em Aracati.
Não teve monumento nem rua com seu nome. Nem túmulo para ser lembrado. Somente suas boas ações permaneceram através do tempo. Foi a marca de sua passagem pela terra que deixou a lembrança do seu nome e de sua glória para sempre.
[1] Antigo sítio localizado no caminho para Canoa Quebrada
[2] Médico aracatiense que aqui residiu até seu falecimento.