POUCOS REGISTROS
Não existe, ou melhor, não encontrei, nenhum registro sobre a origem do nosso teatro: quais as pessoas que faziam essa arte ou mesmo onde ficava localizado. Todavia, por intermédio do jornal o Aracaty, publicado aqui em nossa cidade no ano de 1859, encontrei algumas referências ao funcionamento de um teatro.
COMEÇANDO COM A CRÍTICA
Na sua edição de 14 de setembro de 1859, fazia o jornal através do seu editor, uma crítica aos atores e também a plateia quando da exibição do drama “Espinhos entre flores” no Teatro União. Interessante que aqui seja lido na integra o texto do jornal para se ter a ideia de como a crítica se manifestava em 1859 exatamente 145 anos atrás. Vamos ao texto:
"Desta vez seremos indulgentes; trataremos dos vícios, e pouparemos as pessoas; pois persuadimo-nos, visto o bom conceito, que formamos do nosso povo, que não seremos em seguida compelidos a denunciar o nome de alguém. O drama Espinhos entre flores- foi sofrivelmente desempenhado no que diz respeito aos três principais personagens; e melhor se teria tornado, se os que fizeram de mulher tivessem representado com naturalidade. Há um grande defeito entre nós que é preciso extinguir-se. Sabemos, é verdade, que há grande dificuldade, e mesmo que é impossível acharem-se senhoras, que representem de damas; mas notamos, que sem escolha se procure para o desenvolvimento de tais papeis rapazes, cujas vozes, e maneiras mais servirão para representar de beleguins da polícia. Há muitos moços que na falta absoluta de mulheres se prestariam com mais alguma propriedade; e estes, quiséramos que fossem os preferidos, suprindo melhor essa lacuna, de que tanto se ressente o nosso teatro”.
Quase sempre depois da apresentação do drama era seguido de uma comedia ou farsa como se costumava chamar. E como toda boa farsa, sempre se utilizava de um linguajar popular que em algumas vezes era reprovado pelos mais conservadores. Na mesma noite que apresentou o drama “Espinhos entre flores” o teatro União também apresentou a farsa “Velho gaiteiro” que também sofreu crítica do jornal o Aracaty pelo linguajar que foi utilizado na comedia. Segundo o crítico do jornal “o teatro foi criado para correção e recreio, e não para perverter”.
O público que se manifestava durante a comedia também sofria críticas por seu comportamento- como vemos as plateias sempre iguais.
Sempre aos sábados o teatro União apresentava suas peças promovidas pela companhia dramática. Na primeira parte do espetáculo era sempre encenado o drama, em seguida uma comédia/farsa. Diante das críticas recebidas a direção do teatro colocou um aviso “pedimos aos espectadores da plateia mais comedimento e decência, visto que em um teatro particular não se admitem as liberdades de uma plateia pública.”
O Teatro União que tinha como atores moços que não eram profissionais, mas que bem desempenhavam seus papeis, como foi no caso da apresentação do drama “A morte de Camões” motivo de elogios a todos os atores que trabalhavam na peça.
A MODERNIDADE
Numa peça encenada em 1890 – O Judeu – no nosso teatro União, foi usado como decoração em dois atos da peça, imagens de santos. Por isso foi duramente criticada pelos conservadores que consideraram “aquilo” uma profanação. A direção do teatro se explica dizendo que para compor a cena foi necessário se utilizar daquelas imagens, já que a história se passava na época da inquisição. E dando uma demonstração de modernidade mostra que o uso das imagens, e mesmo do Cristo, já foram usadas nos teatros de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro onde havia teatros regulares e cita o drama “As catacumbas de Roma” onde o emblema do Salvador com a sua efígie é a primeira coisa que nele depara o espectador, assim também como no drama “Máscara negra”. Isto vem mostrar que nosso pessoal de teatro estava sincronizado com o resto do mundo daquela época.
Com o sucesso do teatro União em nossa cidade foi então criada uma sociedade denominada de União Aracatiense com a finalidade de sustentar as atividades do teatro União. Os associados teriam direito aos camarotes e a plateia de acordo com sua colaboração.
Neste período circulavam dois jornais em Aracati. “O Aracati” que saía às quartas-feiras e o jornal “Época” que circulava no sábado. Ambos os jornais advogavam a construção de um teatro decente para o Aracati, já que o Teatro União era ainda muito acanhado e não pertencia a municipalidade.
Em editorial o jornal “O Aracati” assim se expressava:
“Se a cidade de Icó já possui seu teatro (Teatro Ribeira dos Icós- 1860. Pedro Theberge. Historiador) cuja arquitetura e capacidade tanto admira a todos... se aquela cidade nunca esteve, e nem está em melhor posição desta, quer em riqueza, quer em população, sendo até de muito menor movimento... Nossa cidade com tanto movimento já, e população concorrem para ter um teatro” (08/08/1860).
Em outubro do mesmo ano, 1860, o jornal O Aracati, volta a se manifestar em favor da construção do novo teatro.
“O teatro é uma escola de civilização, não somos nós os primeiros a dizê-lo. Nele se corrigem os costumes, e se faz nascer no povo o gosto que ameniza o trato e sem o qual não pode haver perfeita sociabilidade. A existência de um teatro convenientemente dirigido é, portanto sempre um benefício, que se faz ao público; e digno de louvores, quem fornecesse aos habitantes de uma cidade tão útil e agradável distração. Não podemos, portanto, deixar de agradecer em nome dos habitantes desta cidade a digna Sociedade União, esse benefício, que com sacrifício próprio lhes tem feito; e lhes pedimos que não desanime na carreira encetada. (Tudo tão atual!!!). São, porém, conhecidas as dificuldades que encontra uma empresa desta ordem, e que não pode viver abandonada aos seus próprios recursos: por isto pedimos a todos, e com especialidade aos comercio, o seu concurso generoso, para que a empresa prospere, e possamos ter em breve um melhor teatro”.
Infelizmente não foi possível se concretizar o sonho da construção do teatro. A partir de 1860 uma grave crise econômica que já vinha se delineando já algum tempo, agravou ainda mais o comércio do Aracati. Aconteceu a Cólera e a falência de várias casas comerciais na cidade de Aracati.
Do nosso teatro União ficaram os nomes dos dramas e das comédias encenadas pela companhia dramática da Sociedade União: O judeu, A morte de Camões, Os dois desafios, O sedutor e o amante (drama em 4 atos), Os ciúmes de Marido (drama em 3 atos). E as comédias: O Criado ladino, Gato por lebre, Vinte contos herdados, O padeiro ambicioso, e O Taberneiro namorado...
Não consegui localizar quando foi inaugurado o teatro Santo Antônio que pertenceu à família Figueiredo. No entanto encontramos em fevereiro de 1898, o teatro Santo Antônio em pleno funcionamento. O teatro Santo Antônio ficava localizado na antiga Travessa do Riachuelo esquina com a Rua do Rosário. O Jornal “O Jaguaribe” que era publicado pelo Gabinete de Leitura, anunciava em sua edição de domingo o espetáculo com os artistas do Sul do país, Alexandrino e Isabel, que iriam encenar o importante drama em 3 atos intitulado O Leão do Mar. A orquestra do teatro tinha como maestro o Sr. José da Silva Ramos.
Em 1901, quando aqui esteve em visita ao Aracati, o jornalista e historiador Antônio Bezerra assim descreveu o nosso teatro Santo Antônio: “Um magnífico cenário e duas ordens de camarotes. A plateia pode comportar 300 pessoas. É bem decorado e satisfaz perfeitamente as exigências do público amador. Ali se tem levado à cena bons dramas e algumas operetas”.
Convite da reinauguração
Aracaty 16 de novembro de 1911
Ilmo. Sr.
O Grêmio Thaliense Recreativo, por sua Diretoria abaixo assignada, desejando dar maior brilho aos festejos que tem de realizar no dia 19 do corrente mês, por ocasião da inauguração do seu Theatro Santo Antônio, ultimamente reconstruído, tem a honra de convidá-lo e a sua Exma. Família, para comparecerem ao acto inaugural que será às 7 ½ horas da noite do referido dia, agradecendo de antemão a sua presença.
A. P. Figueireido- Presidente
João Porto Caminha- 1° Vice-Presidente
Bruno Porto da Silva Figueiredo- 2° Vice-Presidente
Eliseu N. Scipiao – 1° Secretário
Bento Cotares – Thesoureiro
Nota: Não havendo tempo para o mobiliamente do Theatro a Directoria pede enviar até 5 horas da tarde do dia da inauguração, as suas cadeiras, que serão recebidas ali por encarregados especiaes os quaes fornecerão ao portador um documento com o número do camarote.
Observações: Convite para camarote. Pede-se a apresentação deste no acto da entrada.
Na década de 1900 até 1910, surgiram alguns grupos de teatro e sociedades literárias. Podemos destacar algumas que tiveram projeção no teatro aracatiense durante os anos de 1910 e 1912: A Sociedade Recreio Dramático; Núcleo Recreativo Artur Azevedo. Todos, amadores. Estes grupos se apresentavam no teatro Santo Antônio.
Uma das últimas apresentações que tiveram como palco o teatro Santo Antônio foi a festa idealizada por Dr. Eduardo Dias quando reuniu no teatro as duas últimas bandas de música da cidade para um grande concerto em benefício da Sociedade São Vicente de Paulo.
Ignoravelmente, o teatro Santo Antônio foi totalmente desativado já na década de 20/30.
Na década de 1920, tivemos nossa Francisca Clotilde como incentivadora do nosso teatro (Revista Estrela). Outro grande incentivador do teatro aracatiense foi Dr. Eduardo Alves Dias que promoveu a encenação de várias peças teatrais.
Tivemos na década de 50 o Colégio Marista e das Irmãs de caridade (Instituto São José) como promotores do nosso teatro. Havia um pequeno auditório no Ginásio São José onde se realizavam as peças teatrais.
O circo também foi um dos grandes promotores do teatro em Aracati. O final do espetáculo era sempre um drama que emocionava a plateia.
Palestra proferida pelo historiador Antero Pereira Filho na programação de encerramento da II edição do evento Faces das Artes. Aracati, 25 de agosto de 2004. Promovido pela Associação Artístico Cultural Lua Cheia nas dependências do Teatro Francisca Clotilde em Aracati.