MARCIANO PONCIANO- Como você percebe a importância do teatro na formação e apreciação estética de crianças e adolescentes?
SILVANISE PONCIANO- Além do desenvolvimento das habilidades cênicas, a atividade teatral como proposta extracurricular proporciona ao jovem ator o alargamento da experiência cognitiva dada a diversidade de propostas e desafios lançados a cada encontro. A experiência teatral é sempre múltipla. No campo da linguagem percebemos com nitidez o aprimoramento da comunicação verbal e não verbal em crianças e adolescentes. A experiência parte do individual para o coletivo. Esse movimento auxilia no autoconhecimento desperto pelo lúdico presente nos jogos teatrais. É maravilhoso ver como o teatro pode impactar positivamente a vida das crianças e dos adolescentes, ajudando-os a se tornarem pessoas mais seguras, criativas e empáticas.
MP- Qual é a importância da formação estética na prática teatral, tanto para os alunos quanto para a formação de plateia?
SP- Considero a descoberta de valores artísticos por meios estéticos como ponto primordial da vivência teatral. Seja na construção de cenografia, na elaboração do texto, na composição de figurino ou até mesmo interação com a plateia essa experiência é essencial. A formação na prática teatral e a formação de plateia são elos importantíssimos para a permanência do fazer teatral.
MP- Como a criação do Grupo Dias de Teatro contribui para a valorização e difusão das artes cênicas em Aracati-CE?
SP- O Grupo Dias de Teatro surgiu no ano de 2003. O nome do grupo é uma homenagem ao escritor e dramaturgo Eduardo Alves Dias que se notabilizou em Aracati pelos serviços prestados à municipalidade. Dr. Eduardo Dias está vinculado à fundação do Instituto São José como um dos mais importantes benfeitores dessa instituição a qual se vincula o Grupo Dias de Teatro. O grupo traz em sua história uma vivência de intercâmbios enriquecedora com o Grupo Lua Cheia de Teatro, um dos mais proeminentes coletivos teatrais com atuação em Aracati. Essas conexões entre arte e história, memória e pertencimento cultural se vinculam ao compromisso do grupo com a preservação do Patrimônio Aracatiense, a conscientização e a valorização das Artes Cênicas em Aracati.
MP- Quais são os principais desafios enfrentados ao desenvolvimento de oficinas para a iniciação teatral?
SP- Quando o grupo foi fundado não havia acesso à internet banda larga; os aplicativos e redes sociais em nada se comparam com a insurgente realidade a que os jovens e todos nós somos confrontados diariamente. Os primeiros anos do grupo foram fortalecidos pela entrega e disponibilidade dos jovens atores nas oficinas e vivências teatrais propostas naquele período. Hoje, o uso indiscriminado da internet e dos dispositivos móveis entre crianças e adolescentes tem provocado a dispersão e a acomodação das novas gerações o que se configura uma realidade desafiadora à prática teatral e à própria existência das práticas de grupo. Diante desta realidade tenho instigado os jovens com novas propostas artísticas. Nos encontros conversamos quase que diariamente sobre esta problemática, dando suporte e buscando promover entre os jovens a compreensão de que a vivência em grupo é uma experiência inigualável que prescinde ao uso de qualquer tecnologia! Mesmo com as dificuldades comuns a esse contexto, conseguimos alcançar resultados muito satisfatórios.
MP- Quais são os principais benefícios da prática teatral para os jovens em termos de autoestima e expressão artística?
SP- São inúmeros os benefícios! Além de acompanhar as transformações vividas pelos adolescentes, a prática teatral ajuda-os a desenvolver habilidades como comunicação, criatividade, responsabilidade e trabalho em equipe. Essas experiências complementam-se ao currículo escolar. As inúmeras descobertas advindas das expressões artísticas leva-os a serem protogonistas quer seja na comunidade escolar, quer seja em suas relações interpessoais.
MP- De que forma a prática teatral pode auxiliar no desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos jovens?
SP- Através de vivências, da capacidade de relacionamento com outras pessoas, a atividade teatral leva-os a superação de desafios de maneira saudável e equilibrada. Sabemos o quanto é importante ter clareza sobre esse pontencial! Os estudos sobre as experiências vividas no fazer teatral, revelam o quanto é favorável e engrandecedor o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, cognitivas e interpessoais. Além de ser uma forma eficaz de estimular a criatividade e a expressão pessoal.
MP- Como se dá a escolha dos autores, temas e estéticas das montagens teatrais realizadas com os alunos?
SP- Há sempre um estudo específico do tema a ser trabalhado. A escolha do grupo, em sua imensa maioria, se pauta por trabalhar com temas atuais. Já nos dedicamos à elaboração de montagens com a junção de vários textos teatrais para compor recitais cenopoéticos. Para dar uma noção da diversidade e qualidade dos autores que compõem a base textual dessa seleção destacamos: Jairo Lima, Ariano Suassuna, Maria Clara Machado, Bertolt Brecht, Joracy Camargo, Henry Van Dyke, João Cabral de Melo Neto, Lúcio Lombardi. Outro aspecto relevante na dramaturgia utilizada pelo Grupo Dias refere-se a parceria com o dramaturgo aracatiense Marciano Ponciano. A estética adotada pelo grupo é resultado da experimentação criativa ocorrida nos encontros e oficinas teatrais sob minha supervisão.
MP- Como você incentiva a participação e o engajamento dos jovens nas atividades teatrais?
SP- A qualidade dos resultados apresentados é um dos grandes motivos para o ingresso de novos participantes. A renovação do grupo ocorre dessa credibilidade que é, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade! Somos sempre referência e modelo para àqueles que nos acompanham ou vivenciam a prática teatral em nossa escola e, de modo específico, no Grupo Dias de Teatro. Conto ainda com uma metodologia baseada em jogos teatrais cuja abordagem estimula a criatividade, a expressão e a colaboração entre os participantes. Essa prática ajuda a criar um ambiente seguro onde os alunos se sentem à vontade para experimentar e se expressar.
MP- O Grupo Dias encenou peças como "Tropicália: a roda viva da expressão tropical” (2018) e “A casa que a fome mora” (2023) que apresentam temas como a liberdade de expressão e a fome em seu viés político e social no Brasil. Qual é o impacto da abordagem de questões sociais e contemporâneas nas peças encenadas pelo Grupo Dias de Teatro?
SP- São temas reflexivos e ao mesmo tempo revestidos de uma atualidade que levam a sociedade a se perceber e a se questionar! Confesso que essas duas montagens, trouxeram uma experiência inigualável para os jovens/atores. É preciso em primeiro lugar se sentir parte da história e quando há esse pertencimento tudo aflora com intensidade. Sempre que utilizamos temas sociais e contemporâneos possibilitamos a todos os participantes do fenômeno teatral, atores e público, a reflexão, conscientização e provocação a partir dessas temáticas para a busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
MP- Quais são os principais aprendizados e transformações que você observa nos alunos ao longo do processo de criação e apresentação de espetáculos teatrais?
SP- É sempre uma rica experiência a de trabalhar com a arte. Ela é transformadora e por conseguinte promotora de aprendizados significativos em várias áreas. Os aprendizados são inúmeros! Eles são perceptíveis na construção de personagens, nas vivências ocorridas nas oficinas e, consequentemente, no crescimento pessoal dos atores envolvidos. Para mim é sempre valoroso e gratificante notar que, ao longo de duas décadas de existência desse trabalho, a atividade teatral contribuiu com a história de vida dos jovens aracatienses e com o fortalecimento da arte local.
Entrevista concedida por Silvanise Ponciano a Marciano Ponciano em 12 de julho de 2024.