Foi pela poesia que ingressei no teatro a convite de amigos para fundar o Grupo Lua Cheia. Naquela experiência vivenciada, em 1990, data de fundação do Grupo Lua Cheia, o lirismo e a dramaturgia foram complementares aos fazeres teatrais do recém-formado coletivo. A poesia sempre foi uma constante na cena do Grupo Lua Cheia. Uma experiência estética que promoveu e deu publicidade à poesia em recitais promovidos pelo grupo para o lançamento de livros e exposições artísticas realizadas em Aracati nos anos 1990. O teatro era, de um modo simbólico, a página de um livro vivo na qual a poesia era verbalizada e diante do público reverberava. A constatação que tive quando escrevi os primeiros versos e como seria difícil publicá-los era a mesma vivenciada por diversos poetas contemporâneos a mim ou não. Entre esses poetas encontrei Raimundo Herculano de Moura.
O primeiro contato que tive com a poesia de Raimundo Herculano de Moura ocorreu por ocasião de uma das exposições promovidas pelo Instituto do Museu Jaguaribano nos anos 1990. A sua poética me foi apresentada em versos recitados pelo próprio poeta em que dizia com voz suave: “Vênus tostada, ó sol de minha vida,/Rosa morena do jardim do amor, /Vem, que, de tua boca enrubescida,/Quero libar dos beijos o sabor.” O trecho mencionado compõe o soneto “Anseio” escrito em 1936. Aquele momento foi revelador para mim. De imediato, vi-me diante de um grande poeta e uma obra repleta de sensibilidade. Aquele momento nos aproximou e nos fez amigos na vida e na arte. Queria dar publicidade aos versos daquele poeta octogenário e compartilhar o mesmo encantamento que tive ao ouvir o soneto “Anseio”.
Esse propósito começou a tomar forma quando externei ao poeta o desejo de compor uma peça teatral tendo por base os poemas de sua lavra. O projeto só foi possível quando a sua modéstia se rendeu à minha insistência. Fui recebido, posteriormente, em sua casa onde tive a oportunidade de conhecer muito da intimidade do poeta Raimundo Herculano de Moura. Naquele primeiro encontro pude acessar um calhamaço de folhas datilografadas de um amarelo marcado pela acidez do tempo. Naquele volume disforme se assentavam os versos primorosos do “Índio Moreno”. A primeira ideia foi montar um recital poético em parceria com os atores do Grupo Lua Cheia. O objetivo era dar publicidade aos poemas de Herculano e assim aproximar sua obra, gestada ao longo dos anos, da juventude aracatiense.
Nascia assim a peça “Memórias de um poeta Vivo”. A obra fora composta de poemas, versos e falas ditas pelo próprio autor, coletadas ao longo de nossos encontros. A primeira montagem, realizada no dia 10 de janeiro de 2000, foi apresentada no Instituto do Museu Jaguaribano. Participaram naquele primeiro momento os atores: Manuel Lima, Silvanise Ponciano e Emerson Gomes. Assinei a direção do espetáculo e a produção do argumento cênico. A primeira montagem foi realizada para o teatro de rua, bem ao estilo das montagens encenadas pelo Grupo Lua Cheia e que notabilizaram esse coletivo teatral. Outra proposta foi feita para o teatro à italiana cuja encenação ocorreu no antigo Cineteatro Moderno São José, atual Teatro Francisca Clotilde. Nesta segunda proposta participaram os atores: Manuel Lima, Silvanise Ponciano, Betto Lins, Marly Correia e Aureliano Silva.
Desse movimento que conjugou poesia e teatro resultou a publicação da obra “Coisas Velhas Saídas da Beira do Túmulo” que reuniu poemas, trovas e crônicas escritas por Raimundo Herculano de Moura. O livro foi por mim editado e publicado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Sobre o Desenvolvimento do Estado do Ceará-INESP em 2002, com apresentação de R. Leontino, capa de Antônio Carlos e ilustrações de Edson Virginio. O sonho que culminou com a publicação do livro foi gestado sob auxílio de muitos colaboradores entre os quais destaco o amigo e empresário Marcos Monteiro.
A prosa de R. Leontino Filho presente no texto “SAUDADE: UM RIO QUE CORRE NA RETINA DO TEMPO”[1] escrito para a apresentação do livro nos revela essencialmente o que representa a obra do vate aracatiense Raimundo Herculano de Moura: "[...] Coisas velhas saídas da beira do túmulo é, em suma, a miragem entardecida da plena consciência da saudade, é a rapsódia frondosa de amores noturnos, é o mágico substrato das águas que correm pelo corpo reticente dos adeuses. É mutação à beira da vida, agora e sempre".
O poder da palavra, sua atemporalidade e lirismo fez nascer a peça “Memórias de um Poeta Vivo”. Esse encontro entre a poética de Raimundo Herculano de Moura e o Grupo Lua Cheia de Teatro comemora neste dia 10 de janeiro de 2024, 24 anos.
A efeméride é importante pelo que representa a obra de Herculano, cujos versos iluminaram a cena do Grupo Lua Cheia de Teatro.
[1] MOURA, Raimundo Herculano de. Coisas Velhas Saídas da Beira do Túmulo. Fortaleza: INESP, 2002.