MAGDÁ (UM QUADRO DE TIZIANO)
Colo desnudo em flor, lábio entreaberto em prece,
olhos, no alto, exorando o perdão de seu crime,
Magdalena, a ofegar, toda em febre aparece...
E o almo encanto da Vida e do Pecado exprime.
Perscruta o coração, que o Amor, voraz, oprime;
Sente-lhe a luta, e a dor que, dentro da alma, cresce...
E, a cada pulsação que lhe o peito oprime,
Os delírios sensuais, em prantos, amortece.
Em fogo o olhar, tremendo a voz, a mente em brasas,
Desnastrado o cabelo em ondas de veludos,
Demanda o Azul, assim, nessas formosas asas...
Enquanto, aos céus, contrita, a suplicar, exangue,
Mostra os duros punhais dos seios pontiagudos,
Ainda quentes de amor, ainda rubros de sangue!
(Beni Carvalho)
DESCENDO O JAGUARIBE
I
Canta, no agalho agreste, o passaredo... Canta...
Em flor o cajueiral farfalha; o vento açoita...
E vai, de fronde em fronde, e vai, de moita em moita,
Áurea, a luz da manhã que, a sombra, abate e espanta.
Alto, côncavo, azul, escampo, o céu! Levanta
O vôo uma ave, além, que o bamburral acoita;
Não mais a verde mata a treva espessa enoita,
E tudo brilha, e esplende, e exulta, e harpeja, e encanta!
Claro, ao sol refulgindo, o Jaguaribe, lento,
Coleia, estuante, a arfar, os mangues alagando,
E, à praia, o coqueiral move e fustiga o vento...
Ao longe passa a voar, de marrecas um bando...
O rio, ansiando mais, lança-se ao Mar violento:
E o hino triunfal da Luz, ei-lo que vai cantado!...
(Beni Carvalho)
O FLAMBOYANT
Forte, esgalhado, heril, o flamboyant, de flores
Rubras, na antiga fronde, ostentava a vitória
De púrpura triunfal, na opulência da glória
Do sol, no alto do Azul, todo em chama e fulgores.
Lutou. Venceu heróico! A conquista, na história
Vegetal, alcançou no meio de esplendores:
— Ora, altivo, pompeando à luz as rubras cores;
— Ora, verde, a cantar a Esperança ilusória!
Hoje, porém, descansa o flamboyant por terra,
Sangrenta a floração, circundando-o, morrendo,
À agonia mortal, que o seu martírio encerra:
— Egrégio lutador que, na refrega, exangue,
Fulminado, semelha, a cair, combatendo,
Um cadáver de herói, salpintado de sangue!
(Beni Carvalho)