MEU JEITO DE VER AS COISAS
Não me importa que me chamem
De matuto ou beradeiro,
Conheço pau pela casca,
Flor, conheço pelo cheiro,
Agricultor, pela lavra,
Cidadão, pela palavra
E rico, pelo dinheiro.
Nunca gostei de lambança,
De rapapé nem fuzarca,
Quem pratica despautério
Com as conseqüências, arca,
Por besteira não me amarro,
Conheço chão, pelo barro,
Conheço boi, pela marca.
Sou do sertão vulnerável
De raquítica ramagem,
Inimigo de injustiça,
Contrário da pabulagem,
Posso gemer, mas não berro,
Homem tem que ser de ferro,
De palavra e de coragem.
Na interminável batalha
Do viver, não tenho trégua,
Faço círculo sem compasso,
Traço reta sem ter régua,
De tudo tiro lição
E trago no coração
De sentimento, uma légua.
Não admiro a quem pensa
Como homem das cavernas,
Respeito as coisas antigas,
Gosto das coisas modernas.
Amo gente equilibrada
Que não dá uma passada
Além do alcance das pernas.
Não gosto de fanfarrice
Nem de gente come-unha,
Tenho respeito a quem mesmo
Vencido, não se acabrunha,
Honra tratos com lisura,
Palavra é assinatura,
Não precisa testemunha.
Admiro quem procura
Viver no ritmo correto,
Seja urbano ou caipira,
Letrado ou analfabeto.
Gente caprichosa e meiga
Do coração de manteiga
E palavra de concreto.
Pra mim é mais degustável
A estrofe mesmo peba
Do repentista modesto
Que rima regra com zeba
Se tiver sentido lógico,
Do que o verso antológico
Do cantador decoreba.
Eu sou ardoroso fã
De quem tem perseverança,
De quem avança na luta
Por ter auto-confiança,
De quem não tem preconceito
E abriga feliz no peito
Um coração de criança.
Admiro o ser humano
Seja simpático ou sisudo
Que para não ser grosseiro
Fica por minutos mudo,
Humilde nos gestos seus,
Reconhecendo que Deus
Está acima de tudo.
(Dideus Sales)
ROSTO DE UMA ESTIAGEM
Nós estamos sequiosos
de oferendas divinas,
ausência de bons invernos
em baixadas e colinas
faz o nosso sertão feio
afugentando gorjeio,
despindo nossas campinas.
As nuvens estão sovinas,
o céu está avarento,
o espaço está envolto
num largo lençol cinzento
que muda o rumo da chuva
e é ver um véu de viúva
no rosto do firmamento.
... Sem mais nenhum alimento
roendo paus no cercado,
parecendo esqueletos
faz pena se olhar o gado
faminto cambaleando
quem vê fica imaginando
um fantasma embriagado.
Pouco alento e descorado
foice ao ombro e um boné
de casa para o roçado
meia légua tira a pé
o lavrador de esperança
que estica a confiança
ao dia de São José.
Tem gente que perde a fé
vendo este verão nefasto,
os silos sem ter mais grãos,
os campos todos sem pasto,
mugir dorido ao terreiro
e o criador sem dinheiro
pra garantir tanto gasto
Berros ecoam no pasto
em tom de lamentação,
poeira faz caracol
subindo na amplidão,
neste quadro de aspereza
um tecido de tristeza
veste a alma do sertão
E para indignação
do homem da agricultura
nos surrões não tem farinha,
nos litros pouca gordura,
na lata pouco feijão
e a água no cacimbão
com cem palmos de fundura
Aumenta mais a agrura
do camponês descontente
é ver ao invés de nuvens,
constelação reluzente
enfeitando a madrugada
como cortina bordada
na janela do nascente.
(Dideus Sales)