UMA RUA
Houve um tempo
Em que os anjos saíam do limbo
E vinham colher jasmim
Prá ornamentar suas frontes.
Houve um tempo
Em que numa rua tinha muitos galos
E poucos relógios.
Houve um tempo
Em que dessa rua vinha uma música
Não sei se de um cravo
Ou de uma viola
Ou se da caixinha de música de Adolfo Caminha.
(Domingos Sávio)
VESTÍGIOS
Quando escurecerem as nuvens
sobre a terra ressequida
a água da chuva então
começará a escorrer
por entre as veias
da terra estilhaçada
e
de mim só restará a lembrança
dos tempos em que a lua prateava
o mar e a terra.
(Domingos Sávio)
RECITAL
Vestígios. Domingos Sávio do Vale.
Interpretação: Marciano Ponciano Virginio. 2008.
SOBRADO
O céu comia teus azulejos
e pelas varandas escorriam
teus louros e brasões.
o tempo lavou tua memória de teias
e lá dentro só ficou
o cheiro da urina de tuas últimas crianças
e a Deusa da noite
a chorar saudades
pela eternidade a dentro.
(Domingos Sávio)
***
O cheiro do tempo
perdeu-se nas horas
no mel e na cera das abelhas
no vento manso e azul
no sol dourado e preguiçoso das tardes antigas
que, como gema se derretia sobre os castelos das crianças
construídos mais de saudades que de sonhos
e a rosa dos ventos era mais rosa que oriente
muito mais mar que barco
muito mais teia que renda.
O cheiro do tempo
perdeu-se entre o cheiro das roupas não usadas
jogadas nos baús desusados
nos jasmins cortados.
O cheiro do tempo está guardado no peito dos que guardam saudades
e matizes esquecidas.
(Domingos Sávio)