O CANTO DA GRAÚNA
Sou o cantor
Principal
Da madrugada,
Sou o clarim da alvorada,
Germinal
Do sol nascente;
Meu canto vibra
Pelo céu ainda estrelado
E no campo matizado
Pelo orvalho reluzente.
(Estribilho)
Acorda, boiadeiro,
Vai ver o gado
No terreiro.
Eu tenho as penas
Cor da noite
Sem luar,
Quando passa o rijo açoite
Da nortada a assobiar...
Mas, no negrume
Da plumagem que me encanta,
Tenho estrelas na garganta
Que me fazem mais cantar!
Escuto o vento
Farfalhar
Na carnaúba,
Como o mar
A branca juba
Aos bramidos do tufão;
Então minh'alma
De cantor
Bebe com calma
Os eflúvios deste amor
Que me dá tal emoção . . .
O sol imenso
Abre as portas do Infinito
Para escutar o meu grito
O meu canto matinal;
E a madrugada,
Despertando
Lacrimosa,
Ouve a voz harmoniosa
Do verde carnaubal.
Eu sinto a dor
Deste mato ressequido
E o doloroso gemido
Dos rebanhos desolados;
Enquanto o vento,
Sibilando
Sem cessar,
Vai passando
A requeimar
Os agrestes desmaiados.
Aracati, abril de 1922.
(Eduardo Dias)
DIAS, Eduardo. "Cearenses": Poemas das Secas. São Paulo: João Bentivegna, 1950. 202 p.
CARNAUBAL
Ereto, verde-negro, as extensões bravias
Das várzeas e sertões ocupa sobranceiro,
Desde os rios caudais ao vasto tabuleiro,
Dos penedos da serra às encostas sombrias.
Murmura, como o mar, sublimes harmonias.
Geme, soluça e canta, arfando o dia inteiro
Ao sopro vesperal do nordeste banzeiro,
Cheio de gratos sons e gratas melodias.
Tem sibilos sutis e rugir de caudais,
Das vagas o bramir nos vastos areais,
Ou farfalha agitando os leques balouçantes...
No rijo massapé as raízes enterra.
— Carnaubal! Tu és a música da terra,
O saltério da dor dos tristes retirantes.
Fortaleza, 31-12-1922
(Eduardo Alves Dias)
DIAS, Eduardo. "Cearenses": Poemas das Secas. São Paulo: João Bentivegna, 1950. 202 p.
ELOS
São duas rodinhas só
Formando às vezes cadeia
A acarretar duas almas
Uma vida a vida alheia.
Formando união perene
Coração com coração
Que coisa linda meu Deus
Nascerá dessa união.
Oh! corrente pequenina
Essa doirada corrente
A prender um coração
Ao coração que é da gente!
Que ligação tão bem feita
Para não se separar
Se vive por causa dela
A canção do verbo amar.
Como nasce, não sei...
Como se cria, mistério,
Duas rodinhas doiradas
Ligando um ato tão sério!
Mas a alegria que encerra
Todo o amor que a gente sente
Quando se quebra um dos elos
Fica desfeita a corrente.
Quando elas são batizadas
São chamadas de alianças
Quantos sonhos e ilusões
Cristalizando esperanças.
Só pode compreender
Com profunda exatidão
Quem traz bem dentro do seu
Outro amado coração.
Que coisa para assombrar
De resultados tão belos
Como é forte esta corrente
Que tem apenas dois elos.
Russas, 1970
(Eduardo Alves Dias)