O local escolhido para a edificação do imponente prédio foi a Rua do Comércio – atual Cel. Alexanzito – a principal artéria da Vila, próximo ao Cais da Ribeira, onde embarcavam e desembarcavam mercadorias e passageiros vindos do estrangeiro e de toda a parte do Império brasileiro.
Apesar de sua construção ter sido concluída em 1804, somente a partir de 20 de setembro de 1835 começou de fato a funcionar a Alfândega de Aracati.
Infelizmente por motivos pouco esclarecidos, em 1851 no dia 11 de novembro, dezesseis anos depois do início do seu funcionamento, foi extinta por decreto a Alfândega de Aracati, sendo o prédio utilizado por uma Mesa de Rendas Federal.
A decadência que se abateu sobre a Vila de Aracati não atingiu somente as atividades comerciais e sociais que faziam da Vila a mais florescente da Província. Afetou sensivelmente o conjunto arquitetônico que embelezava a tradicional e conhecida Rua Grande pelo abandono dos seus donos que, devido à escassez de negócios, tiveram que imigrar para outras partes da Província deixando ao descaso suntuosos sobrados que tanto impressionavam os viajantes de Aracati.
Com o passar do tempo e o descuido, o belo e imponente prédio da Alfândega de Aracati foi se transformando em ruína causando uma profunda tristeza pelo aspecto de decadência em que se encontrava enfeando a rua central da antiga vila, agora já cidade de Aracati, que aos poucos iniciava sua retomada por um novo crescimento.
Por iniciativa do jornal Folha do Comércio, fundado em 1° de março de 1911, com redação na Rua do Comércio n° 162, foi então deflagrada uma campanha para que o antigo prédio da Alfândega de Aracati fosse demolido dando lugar a uma avenida, espaço que a cidade naquela ocasião não possuía, e que a população ansiava como uma área para lazer e divertimentos da época.
“Pardieiro” foi a expressão utilizada pela Folha do Comércio na edição do dia 19 de março de 1911 para chamar a atenção das autoridades em referência ao velho prédio, que nas palavras do colunista, constituía um grave perigo para o nosso povo.
Continuava o articulista:
“Sabemos que a Delegacia Fiscal deste Estado está autorizada a liquidar esse pardieiro, mas, ou por falta de pretendente que convenha ou por descuido, não realizou ainda as ordens do governo federal. Fato é que o prédio de há muito em ruínas, se ostenta na nossa melhor via pública, ameaçando a quem por ali transita. Alguém nos garantiu que o governo local – Intendente Cel. Pompeu Costa Lima – reclamou do Delegado Fiscal contra tal perigo; mas providências definitivas não foram tomadas. O velho casarão deve ser demolido, mesmo em parte, se o quiserem aproveitar e zelar pelo bem-estar dos incautos transeuntes. Esperamos que o senhor Intendente encontre os meios de livrar-nos de tão perigosa armadilha.”
Entusiasmado com a ideia de proporcionar à cidade um benefício, um melhoramento que viesse de encontro às aspirações da população, o Cel. Miguel Leite Barbosa, um dos sócios da Fábrica Santa Tereza, encaminhou uma proposta ao Ministro da Fazenda para a aquisição do edifício onde funcionou a antiga Alfândega de Aracati.
A resposta não tardou e por meio de um telegrama do Rio de Janeiro para o jornal A República, que se editava em Fortaleza, o Cel. Miguel Leite Barbosa tomou conhecimento de que sua proposta de compra do velho prédio da Alfândega havia sido aceita pelo Ministério da Fazenda.
Tomando para si a ideia e a iniciativa de se prover a cidade através da construção de uma avenida, o jornal Folha do Comércio em sua edição de 7 de maio de 1911, sob o título Jardins Público, assim se pronunciava através de uma coluna na 2ª página:
“Está sendo demolido o velho casarão da rua do Comércio que noutros tempos serviu de Alfândega desta cidade e que o Cel. Miguel Leite Barbosa, há pouco comprou ao Governo Federal. Isso feito ficará no centro da cidade uma pequena praça, fácil de ser transformada num belo jardim público, onde a nossa população possa ter agradáveis horas de recreio. Esta ideia foi há tempos aventada pela imprensa e a seu lado está a maioria da nossa população, e a ocasião é propícia para o Senhor Intendente Municipal tomar a peito um melhoramento de tanta utilidade."
Não podendo contar somente com os modestos recursos da Intendência, foi então criada uma comissão encarregada da construção da nova avenida, que teve a iniciativa de elaborar uma subscrição popular com a finalidade de angariar fundos para erigir o jardim que iria mimosear a cidade.
Todos aqueles que tiveram oportunidade de ver o projeto da nova avenida não se cansavam de elogiar, afirmando mesmo ser “magnífico, e se executado caprichosamente, Aracati ficará dotado de um melhoramento importantíssimo.”
Para as primeiras providências do início da obra não se esperou muito. Depois da retirada dos tijolos e outros materiais, que puderam ser aproveitados na reforma da ampliação que se realizava na Fábrica Santa Tereza, ficaram somente os escombros do prédio demolido que deveriam ser removidos para o aplainamento do terreno, providência que estava sendo tomada pela comissão encarregada da edificação.
A empolgação tomou conta da população que presenciava o andamento em ritmo acelerado da edificação da avenida, que se tornaria uma referência na vida da cidade, palco de todas as manifestações sociais, desde os desfiles colegiais e militares em datas comemorativas, até os memoráveis comícios de grandes campanhas políticas. Isto sem mencionar, que foi por muito tempo o principal recanto de diversão e lazer dos moradores, e o cantinho preferido de românticos encontros dos namorados na nossa velha e estimada urbe.
A motivação dos aracatienses com o erguimento da avenida era tão envolvente, que foi proposto através de um leitor mais entusiasmado, que o jornal Folha do Comércio encampasse um movimento, ou melhor, um plebiscito para se escolher o futuro nome da avenida em construção.
Eis o que dizia a sugestão do leitor ao jornal:
"Estando em grande atividade, entre nós, a construção de uma avenida no local da extinta Alfândega desta cidade; e devendo a mesma, cujos trabalhos já iniciaram, ser feita por meio de uma subscrição popular com o auxílio da municipalidade, justo é que a opinião geral predomine em tudo que a ela se refira, e por isso tomo a liberdade de vos sugerir um alvitre: - abrirdes nas colunas da Folha do Comércio um plebiscito, sobre o título que se deve dar a referida avenida. Pois observado o voto popular ninguém tem o dever de censurar o povo, ao passo que feita a coisa à vontade de poucos, alguém terá uma vez ou outra de soltar a língua."
O jornal Folha do Comércio, acatando a ideia sugerida por seu leitor, abriu as suas páginas para que as sugestões fossem manifestadas; e como era mesmo de se esperar, muitos foram os nomes de pessoas e datas recomendados para a denominação na nova avenida.
Os principais nomes propostos que mereceram a concordância e adesão da população foram: Avenida Dr. Pedro Pereira e Avenida 25 de Outubro.
Para o nome de Avenida Dr. Pedro Pereira argumentavam os que patrocinavam essa indicação. Seria uma homenagem ao deputado Pedro Pereira da Silva Guimarães, aracatiense que no Parlamento Brasileiro em sessão de 4 de junho de 1852, ergueu a voz em prol do elemento servil. Os defensores dessa indicação reforçavam suas justificativas, relembrando fatos do passado, quando o Diretório Emancipador dos escravos de Aracati, reunidos na Câmara Municipal em 2 de junho de 1883, data em que foram libertados os escravos em nossa cidade, 5 anos antes da lei Áurea; se fez uma grande reverência ao deputado Pedro Pereira, inclusive com a ideia lançada na ocasião de se erguer um monumento em sua homenagem.
A outra recomendação com bastante apoio popular foi Avenida 25 de Outubro. Numa alusão a data em que Aracati em 1842 passou então a cidade.
Outras designações que foram sufragadas no plebiscito mencionavam o nome do Barão do Rio Branco e a data de 13 de maio, como sendo também merecedores da titulação da nova avenida.
Enquanto os aracatienses discutiam e votavam em plebiscito qual o nome mais merecedor e justo que deveria receber a principal obra de embelezamento da cidade, os serviços da construção seguiam como noticiava a imprensa em outubro de 1911, através das colunas dos jornais: “Vão bastante adiantados os trabalhos da avenida, já estando ladrilhado o passeio central e em condições de ser cimentado. Tendo sido iniciado o ladrilho dos passeios laterais.”
ACONTECEU...
Aqueles que estiveram presentes, embevecidos, jamais esqueceram daquele domingo 5 de novembro de 1911, quando os dobrados e marchas da Banda Zaranza acompanharam a inauguração da “feérica iluminação da luz de acetileno que se destinava a iluminar o mimoso logradouro. A iluminação produziu magnífico efeito” era a exclamação geral.
Foram momentos de grande contentamento para a família aracatiense que compareceu em massa prestigiando o inesquecível acontecimento. Nesse dia, segundo os colunistas sociais, o “high-life”- como se dizia na época - da elite da nossa melhor sociedade, compareceu em toda sua exuberância dando um grande brilhantismo a essa noite de festas...
FINALMENTE...
No dia 24 de dezembro de 1911, já merecidamente titulada: Avenida Dr. Leite - José Leite Barbosa sócio da Fábrica Santa Tereza -; por ter sido ele, o mais entusiasmado benfeitor e destacado contribuinte para a realização dessa obra, foi finalmente aberta ao público.
Nessa ocasião, o elegante Café Goiana, que se tornou o point da escol mocidade aracatiense, foi também inaugurado na mesma avenida.
As bandas Zaranza e Euterpe Operária tocaram vários números dos seus repertórios, enquanto o povo circulava pelos passeios da nova e aprazível avenida até as primeiras chamadas do sino da igreja para a Missa do Galo, que seria celebrada na Matriz pelo Padre Domingos de Castro.