MARCIANO PONCIANO- Qual a importância dos sonhos?
ALAN UCHOA- Eu acredito que é nos sonhos onde todos podem perceber sua capacidade artística. Todas as suas experiências de vida e do seu cotidiano estão misturadas de maneira abstrata e sem controle na sua mente. Sonhar é uma maneira de nunca deixar a criança que existe em você morrer. Também permite que você amadureça, afinal, alguém que não tem sonhos, não tem ambições nem objetivos.
MP- Ao olhar pelas lentes de sua câmera que mundo você revela?
AL- Muitas coisas eu não consigo ver a olho nu. É como olhar com o coração. É através da câmera que eu consigo compartilhar com as pessoas como eu vejo o mundo. Fotografar e manipular a realidade é sempre uma jornada que faço, e quando o trabalho está feito, é como uma história que tenho para contar.
MP- As imagens que você cria estão repletas de narrativas mágicas, misteriosas, surreais. Algumas ambientadas em cenários utópicos sugerem um tom dramático ao resultado final.
AL-Criar é o meu remédio. Ter poder sobre a realidade de quem sou e onde vivo é minha terapia. Muitos dos meus trabalhos surgem a partir de experiências ruins ou traumas, então é assim que eu me curo; transformando-a. Não é que eu precise ser masoquista para produzir. Sofrer é algo natural da vida, mas cabe ao artista contá-la de uma forma sublime.
MP- Na fotografia o instante capturado eterniza a imagem. Você parte do instante para intervenções plásticas que conferem ao registro novas camadas de informação. Como se dá esse processo?
AL- É, normalmente, sempre uma interação entre minha imaginação e a natureza. Muitas vezes, quando vejo um lugar parece que mora alguma história ali. Eu procuro, na edição, isolar o máximo possível aquele lugar do meio contemporâneo em que vivemos. É mais um trabalho de tirar: tiro carro, azulejos, pessoas transitando... só resta a natureza e eu. Acredito que eu possa dizer que é mais fácil passar uma informação para alguém quando não há ruído.
MP- Em vídeo, publicado na web, você declarou que o estopim para o seu processo criativo foi a passagem por um grupo de teatro amador no qual você participou, interpretando o personagem Severino, na montagem de Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto.
AL- No vídeo eu falo sobre o processo criativo de uma imagem minha que foi inspirado nessa personagem que interpretei e na fase da minha vida que vivi- nessa época em contraste com outras experiências de há pouco tempo atrás.
Se eu puder falar sobre a minha passagem pelo teatro, vou ter de ir mais afundo, vou precisar falar de Aracati e tudo que aquela cidade me trouxe: amores, música, poesia e teatro.
Na minha formação como artista, eu passei por vários grupos até entender qual a melhor linguagem que representava o tipo de trabalho que eu realmente amo fazer. Na minha passagem pelo teatro, pude perceber que meu corpo também fala e pode falar muito. Algo que as pessoas sempre comentam em meus trabalhos é exatamente a linguagem corporal. E na fotografia é assim que eu me comunico: em silêncio, com meu corpo, cores e a natureza.
MP- Quais os diálogos possíveis entre as artes visuais e o teatro, em sua obra?
AL- Não haveria obra alguma sem essa comunicação. Eu nunca na vida tinha gostado de fotografia antes de passar pela música, poesia e teatro. Depois disso foi que eu entendi onde a fotografia podia me levar. Eu não gosto de fotografar momentos, eu gosto de contar histórias e dessa forma eu posso escrever, atuar e dar vida a um mundo fantástico.
MP- A fotografia aprisiona o instante ou o liberta?
AL- Que pergunta intrigante. Acredito que ambos. Eu a via como algo que aprisionava e por esse motivo nunca me aproximei dela. Não que eu tenha preconceito, mas eu não nasci para fotografia documental ou jornalística, que têm um tanto de necessidade de ser preciso com a mensagem que se quer passar e fidelidade com a realidade, período, enfim. Para mim a fotografia só foi importante quando eu descobri que ela tem o poder de libertar. Quando eu crio algo fico feliz que aquilo, logo após apresentada ao público, irá ganhar outros significados. Gosto de promover essa jornada em cada pessoa que para e aprecia os meus trabalhos. Como Anaïs Nin já dizia: "não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos."
MP-Seu trabalho pode ser considerado um autorretrato?
AL- Sob o ponto de vista técnico, sim: eu me fotografo sozinho, na maioria das vezes. Sob o ponto de vista poético também, mas isso já vale para todos nós. Cada indivíduo registra o mundo a partir do que ele é como indivíduo.
MP-Qual o papel da imagem na contemporaneidade?
AL- Acredito que ela tenha se tornado uma arma com capacidade de promover o bem e o mal.
Para conhecer o trabalho de Alan Uchoa acesse:
https://www.facebook.com/alanuchoaphotography?_rdr=p
Video citado na entrevista:
Entrevista cedida por Alan Uchoa a Marciano Ponciano no dia 03 de dezembro de 2015.