NUM MOMENTO DE ANGÚSTIA MORAL VOU MORRER
Sinto que a vida me foge
Vou morrer. Pior que a morte
É deixar-vos, ó meus netinhos,
Ao sabor da dura sorte.
Vou morrer, ó que saudades
Da minha querida esposa!
O que sinto dentro d'alma
Ninguém proclamar não ousa.
Vou morrer, ó meus filhinhos,
Quanto sofrer, quanta dor!
Sinto que a vida me foge,
Só não foge o meu amor.
Adeus! Se no Céu é dado
Ter humano sentimento,
Hei de amá-los sempre e sempre
Sem cessar um só momento.
Vou tombar agora inerte
Dos mortos na solidão;
Vou voar para o meu Deus
Nas asas de seu perdão.
(Julio Cesar da Fonseca Filho)
O MAR
Ocean, Terrible Ocean!
Gigante orgulhoso, soberbo, iracundo,
Com águas cerúleas circundas o mundo,
Sempre repleto de imensa altivez!
E as praias inundas com alvas espumas,
E as vagas ruidosas uma por uma
Com cavo rumor beijar vão teus pés!
Às vezes insultado por Éolo importuno,
Rugindo, roncando, o raivoso Neptuno
Arroja-se ás praias aceso em furor!
Vomitando escarcéus, sirtes tamanhas
Nas rochas se quebram com imenso fragor!
Redobram-se as iras do leão-oceano
Bramindo terrível com estrondo vesano.
Os equoteos cilindros girando velozes!
As vagas irritadas se erguem incessantes,
Tragando os baixéis com fauces hiantes,
chocando-s'em fúria, s'embatem ferozes!
Além, em um batel, perdido, e sem rumo
Um nauta inexausto, sacode-lhe o prumo,
Execrando um santelmo ao seu Criador!
Lhe sonda as entranhas, de ouro repleta,
Lutando co'as vagas o exânime atleta,
Se prosta vencido da sorte ao dispor!
Império gigante, que em luta voraz
Rejeitas as tréguas, fugindo da paz
Sempre arrogante, sanhudo e insano!
O indômito dorso não curvas servil,
Não temes a nada, não temes a mil,
Gigante orgulhoso, terrível oceano!
Ó canto terrível, de ser perdurável,
Do infindo Poder incripção memorável,
Sempre repleto de imensos escarcéus!
Ó campo terrível, d'imensa grandeza
Quem foi que cinguiu-te com tanta fereza?
Quem foi o arquiteto que te conheceu?
Deus?...
(Aracati-1868)
(Julio Cesar da Fonseca Filho)
A VIDA É TRISTE
A vida é triste como é o canto
Que solta o nauta n'amplidão dos mares,
Como o proscrito em ignotas plagas
Chorando a sorte de cruéis pesares.
A vida é triste como é triste a prece
Que exala os lábios do morto enfermo;
A vida é triste como é triste o pio
Do noitibó na solidão de um ermo.
A vida é triste como é triste a límpda
Que sobre os seixos suspirando - vai;
A vida é triste como é triste a flor
Que murchecida suspirando - cai.
A vida é triste como é triste o pranto
Que inunda as faces de gentil donzela;
A vida é triste como é triste o psalmo
Que entôa o monge na calada sela.
A vida é triste como é triste o lírio
Pendente a um sopro de fatal tufão;
A vida é triste como é triste o mocho
Em ermo nicho presagiando em vão.
A vida é triste como é triste um carmo
Em lábios virgens suplicando a Deus;
A vida é triste como é triste o teixo
Atro e sombrio se elevando aos Céus.
A vida é triste como é triste o mísero
Em noite tétrica esmolando - luz;
A vida é triste como é triste a jovem
Que adela d'honra ao bordel conduz.
A vida é triste como é triste a nenia
Da filemela no cair da tarde;
A vida é triste como é triste a rola
Carpindo endeixas quando o sol não arde.
A vida é triste como é triste a lágrima
Que compassada n'um sudário cai;
A vida é triste como é triste a súplica
Do condenado quando ao poste vai.
A vida é triste como é triste o ai
Da mãe que chora por seu terno encanto;
a vida é triste como é triste um dobre...
a vida é um riso que s'esvai n'um pranto.
(Aracati-1868)
(Julio Cesar da Fonseca Filho)
A ARTE E O GÊNIO
A Arte, é quem para o gênio
Faz oceanos de glórias;
Os turbilhões dos aplausos
São Maestros das vitórias!
Ser gênio é gerar vulcões
No seio das multidões,
Astros mundos, epopéias;
É criar selvas de palmas,
Milhos sagrados nas almas,
Montanhas de Odisséias!
É ter na fronte altaneira,
Do Sinal os mil clarões!
Pytonisa, - o seu olhar
Fulmina mil corações!
Tendo nas asas possantes
Todos os vôos gigantes
Das águias dos Prometeus,
Arrancas do caos os sóis
De que se fazem crisóis
Para os mistérios dos céus!
Ei-la! Vestal inspirada
Zelando as piras das artes
Ante as lavas deste fogo
Que valem lutas de Martes?!
Relâmpagos de pensamentos
Em horizontes sedentos
De tempestades de luz,
São dos artitas- troféus
Arremessados por Deus
Das cordilheiras azuis!
Tu passas colhendo cultos,
Cantos, hinos, ovações;
Para c'rôas tens estrelas,
Para tronos- corações!
Na hora em que tu te expandes
Descem condores dos Andes,
Rolam poemas de fé;
E se ao verbo das Marselhesas
Se prostram mil realezas,
Tu sempre ficas de pé!
(Julio Cesar da Fonseca Filho)
O PORTUGUÊS
Minha Língua
Minha língua tem primores,
Tem magias de encantar,
É língua de trovadores,
Tem doçuras de luar.
Da escala todos os sons
E do céu todas as cores,
É feita de corações
E dos aromas das flores.
Tem canto de rouxinol,
Do clarim tem os clangores,
E fulgura como o sol,
Da manhã, entre os albores.
Faz tremer, faz abalar,
É favônio e é procela;
Tem os ruídos de um mar
E as vibrações de uma tela.
Tem a palavra - saudade-
Sá por si vale uma prece,
Ao dizê-la, na verdade,
A boca em beijos se tece.
É de bronze e de cristal,
É de ouro e diamantes,
Não conhece o que é mal,
É a língua dos amantes.
Tem a seiva e a pujança
Da floresta virginal;
Pelos deuses sem tardança
Foi forjada em luz vernal.
Tem filtros inebriantes,
É divinal pedraria,
Tem divícias deslumbrantes,
Outras mais não quereria.
Do aedo é puro canto,
Do orador - ardente pira,
Não é língua, é sumo encanto
É dos anjos santa lira.
(Julio Cesar da Fonseca Filho)