ESTATUTO DA SOLIDARIEDADE
Todo fruto emana da terra
e será distribuído equitativamente
a todos os homens;
nenhum homem será chamado de excluído
mas terá o direito a sua identidade
e será tratado com amor, justiça e dignidade.
Toda semente será um cântico de esperança
e todo fruto será o ventre de liberdade
de onde brotarão
todos os pães
que por mãos fraternas
serão distribuídos a todos os despossuídos.
Ficam proibidos a competitividade e o egoísmo
e todos os que trabalharem nesta terra comum
usufruirão o sol, à água e o fruto como irmãos
e diariamente, antes que o crepúsculo
sucumba no manto da noite,
dar-se-ão as mãos calejadas
e renovarão o pacto da esperança na caminhada em
busca da libertação.
Todos os que trabalharem nesta gleba
plantarão justiça todos os dias,
irrigarão a terra com ardor todas as horas
multiplicando pela solidariedade
os pães que serão partilhados por todos os homens.
(Francisco Graça de Moura, do livro “POEMAS UTÓPICOS”, 1980)
A TUA SOMBRA NO PERFIL DA TARDE OUTONAL
Esta tarde de vultos peregrinos, de estátuas nômades,
de passos silentes que se apressam na busca
de sonhos letárgicos.
Esta tarde de portos sem faróis, de naus perdidas,
de marujos sem glória, de mar sem bravura.
Esta tarde de lembranças fugidias, de saudades persistentes,
de cânticos sufocados, de sons dissonantes,
de fantasias mutiladas.
Oh! Amada! Nesta hora em que o sol
adormece no esquife de negras nuvens
e a garoa flácida, fina e persistente
cái sobre o asfalto das ruas estagnadas,
a tua sombra projeta-se no perfil da tarde,
luz no painel cinzento da natureza,
visão sublime de harmonia
nesta tarde sonolenta de outono.
Hoje, amada, a luz frouxa do
crepúsculo não repousará
sobre as nuvens e o firmamento
porque todas as luzes se apagaram
prematuramente
no leito cinza desta tarde informe;
e neste concerto ortodoxo de sons distorcidos
de vozes amarguradas, de paisagens antipoéticas,
de ruas ermas, de céu escuro, de pássaros silentes,
de imagens esquivas
de garoa fina e flácida,
apenas o teu perfil deixa no final desta tarde outonal
uma esteira de luz, de poesia e de amor!
(Francisco Graça de Moura, do livro “ELEGIA DE MIM MESMO”, 1970)