POEMA EMPOBRECIDO
No mundo dos poetas, eu nunca chego a morar
Mesmo sendo um escritor na estrada dos poetas
Eu não consigo andar, eu sou um mártir sofrido
Mesmo sem dívida a pagar só porque sou analfabeto
Nem sequer eu sei falar, se eu fosse um doutor
Só o peso do meu nome me levaria ao primeiro
Ou ao segundo lugar
Meu poema é tão pobre preço é tão pequeno
Nunca consegui vender nunca vi ninguém comprar
Meu poema é muito humilde não pode se exaltar
Se exaltar se humilha fica ao mundo do Deus dará
Meu poema é noite escura sem raios de luar
Meu poema é fim de inverno os caldeirões secando,
Sem água para se banhar
Meu poema é o sol nascer trazendo mais um dia
Pra eu viver para o meu poema falar
Meu poema é bonito até a sereia sai de dentro do mar
Fica na beira da praia sentada na areia vendo
Meu poema cantar,
Meu poema faz eu chorar, meu poema me seduz
Ajuda só de Jesus, que me acende uma luz
E me bota na mesma estrada que eu vejo os poetas
Andar.
Francisco Monteiro de Souza in Martírio de um analfabeto. Francisco Monteiro de Souza. Publicação do autor. (1990?)
RECANTO DE UMA FONTE
Estou em um recanto de uma fonte, aguando o meu jardim
Falando das coisas do mundo, sem falar um pouco de mim.
Vendo as rosas brotar e os versos do meu poema
Flutuando sobre o ar
E a natureza se encarrega de juntar
Os meus poemas e aos restos mortais da Índia Iracema
E da história de José de Alencar
E esta fonte tão cheia e tanta água sobrando
E a minha fonte secando, que são os meus olhos de tanto chorar
Chorar porque não vejo a verdade
Chorar porque só vejo a maldade
E as minhas lágrimas descem para cair no chão
Eu não deixo cair e aparo nas palmas das minhas mãos
E levo à minha boca como que seja um cálice
Que eu tenha que tomar.
Essas lágrimas que são essas águas que sustentam meu corpo
E não deixa a fonte secar,
Essas águas que aguaram todos os dias
Esses dois pés que eu pranto no chão
Que anda atrás da verdade, atrás da certeza
Atrás dum pão para me alimentar
Atrás de Jesus pedindo para me salvar
Jesus, não deixe minha fonte secar
Se esta fonte secar meus pés morre
Morre uma história, morre quem aqui está.
Meu deus não deixe minha fonte secar...
Francisco Monteiro de Souza in Martírio de um analfabeto. Francisco Monteiro de Souza. Publicação do autor. (1990?)
MINHA HISTÓRIA
Se a minha história é mentira eu vou parar de falar, o rico fala usa e abusa, eu vejo o povo aplaudir, eu vejo o povo abraçar, eu sei que a minha história é muito pobre, mas dá pra se aproveitar.
Minha história faz parte da escritura sagrada que eu vi Jesus pelas ruas publicar, este Jesus que deu aula aos doutores este Jesus ensinou este analfabeto poeta escrever sem ter caneta falar sem ninguém ensinar.
Minha história é uma justiça correta ao crime condenar é o amor do seio de uma mãe ao filho amamentar, é o riso de uma criança são os olhos a chorar.
Minha história é a cama da humildade aonde a minha velhice e a minha doença se deitam pra descansar, eu velho, sofrido e cansado com meus ombros enfadados de carregar uma enxada para o mato capinar, é a sede e a pobreza no desespero da vida atrás de ganhar o pão pra dor da fome matar.
Minha história é a verdade é o amor, é uma rosa é uma flor que nasceu de uma árvore que morreu que eu vi a seca matar, é a cruz do meu rosário nos meus ombros debruçados eu de frente ajoelhado pra meus mistérios rezar.
Minha história são as belezas da natureza que eu vejo no céu brilhar, seja a lua seja as estrelas é o início do dia é o nascer para o mundo clarear, é um galo cantando eu sentado em minha cama rezando uma ave-maria pra poder me levantar.
Minha história é eu sentado nos bancos da praça da fantasia, ali quem estava um poema me pedia e os políticos lendo os jornais com as manchetes do dia e bondade que até Jesus repudia, e eu olhava para um lado e para o outro só via fome, miséria e pobreza do centro às periferias, ali eu vejo nas palhas das palmeiras os ventos fortes assovia os passarinhos cantando como fosse uma sinfonia e os meus amigos chegando alguns deles me abraçando e outros um autógrafo me pedia. Mas tinha caneta e papel, mas eu era um analfabeto nada ali eu escrevia, dei um autógrafo com o meu dedo lá no manto de Maria, ali nós se ajoelhava e beijava e os ventos fortes levava os poemas que eu dizia.
Palavras de Chico Monteiro.
Francisco Monteiro de Souza in Martírio de um analfabeto. Publicação do autor. (1990?)