Arte

Friday, 30 October 2015 13:39

POETAS SÃO MAIS QUE FILHOS ILUSTRES

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Saber sobre quantos escritores e/ou poetas nasceram na cidade de Aracati seria mais importante do que as poéticas por eles produzidas? Autor e obra se separam após a criação, todavia a obra segue denunciando seu criador como uma prova inconteste nas letras que o imortalizam. Saber sobre a vida de poetas e escritores torna-se tarefa completa quando conhecemos o fruto de seu labor: poema, conto, romance, peça etc. A obra dialoga conosco, um diálogo vivo com o autor que nos fala simbolicamente seja nas linhas da prosa, seja nos versos de um poema. 

É certo afirmar que a produção literária da cidade dos Bons Ventos é em grande parte constituída por obras raras, a maioria inédita, outras impressas em jornais que datam do século XIX, e outras, recentemente, publicadas pelos próprios autores. 

 
Adolfo Caminha: um ilustre desconhecido 

 
Raras foram as iniciativas para a publicação da literatura aracatiense por órgãos públicos. Um exemplo desta afirmativa foi a publicação, em 1997, do livro “Adolfo Caminha: vida e obra” do escritor cearense Sânzio de Azevedo, patrocinada pela Prefeitura Municipal de Aracati na gestão do prefeito José Hamilton Saraiva Barbosa, por ocasião do centenário de nascimento de Adolfo Caminha. A obra nos apresenta o escritor aracatiense de maior projeção no cenário nacional por seus romances naturalistas- A Normalista (1893), O Bom Crioulo (1895) entre outros. Sânzio de Azevedo escreveu este livro com o rigor científico capaz de dizimar quaisquer dúvidas sobre a importância deste filho ilustre aracatiense para a literatura brasileira. A obra de Adolfo Caminha encontra-se presente entre os grandes nomes da literatura nacional, mas sabemos pouco sobre outras produções de sua autoria, bem menos divulgadas, entre elas podemos citar “Voos Incertos”, único livro de poesia publicado pelo autor, uma edição rara de 1886. 

 
Se saber sobre a obra de um escritor de projeção nacional como foi Adolfo Caminha, que conta com edições nos mais importantes selos editoriais brasileiros, torna-se tarefa difícil que dizer daqueles que sucumbiram no quase ou total anonimato pela falta de edições que reunissem estes trabalhos como legados para a posteridade? 

 
A literatura aracatiense em pauta 

 
Aracati, dada a sua pujança econômica como entreposto comercial, configurava-se como um centro socioeconômico-cultural de importante relevância para a história e cultura cearense desde o século XVIII. A existência de uma imprensa vigorosa que nutria a cidade de vultoso número de publicações, entre outras razões, não seria possível sem a existência de escritores, poetas e romancistas. Alguns desses jornais caracterizavam-se integralmente como literários a exemplo do jornal “O Sol” editado e publicado em Aracati no início do século XX que apresentava em suas páginas poemas de autores variados. Este é apenas um exemplo em meio a dezenas deles. Esses documentos podem ser consultados no acervo da família Freire, atualmente a mais importante fonte de pesquisa sobre a imprensa local, que se encontra organizada e disponível para pesquisa no sítio da Casa da Cultura. 

 
Outra importante incentivadora das letras na cidade de Aracati foi Francisca Clotilde, escritora tauaense. Através da Revista Estrela, editada por sua filha Antonieta Clotilde, publicou diversos textos entre os quais se destacam poemas, monólogos, dramas, melodramas e comédias muitos dos quais levados à cena por jovens atores e atrizes aracatienses no início do século XX. Iniciativas como essas deram visibilidade ao trabalho de outros escritores que, diferentemente da escritora de “A Divorciada”, não tiveram sua obra organizada em livro. 

 
Com o declínio econômico da cidade de Aracati, boa parte da imprensa local teve que findar suas atividades. A verve dos escritores/colaboradores desses periódicos e um público acostumado às letras ficaram órfãos. O periódico mais perene foi O Jaguaribe que teve suas atividades encerradas em meados do século XX. Outros boletins surgiram, todavia esparsos, com editorial impreciso e caracterizados essencialmente como espaços publicitários, boletins de classe – estudantil, sindical; outros a serviço da política local não tiveram a mesma força da produção literária do período antes relatado. 

 
A imprensa local deixou órfã a literatura aracatiense que, não só perdeu seu espaço de divulgação, como nos deixou uma imensa lacuna em um período de décadas sem publicações do gênero. Sem esses vestígios a literatura aracatiense configurou-se como obra inédita e por isso mesmo desconhecida do grande público. 

 
Década de 1980: os escritos saem das gavetas 

 
A década de 1980 foi um período de retomada para a literatura aracatiense com a publicação do livro “Amor uma Palavra de Consolo” publicado em 1982 pelo poeta aracatiense R. Leontino Filho. Também de sua lavra é o livro “IMAGENS” publicado em 1984. Em 1985 o poeta Domingos Sávio do Vale publicaria em Cambé-Pr o livro “Segundo Filho”. Em 1987 R. Leontino Filho publica, pela editora Queima Bucha, o livro “Cidade Íntima”. Ainda nesse mesmo ano escreve o poema “Aracati, que te fizeram, que te fazem, que te farão?”. 

 
Década de 1990: Poetossíntese lança seu manifesto 

 
Na década de 1990, os poetas Marciano Ponciano e Paulo César Garcia Teobaldo fundam Poetossíntese, jornal de cunho literário que veiculou em suas páginas a produção literária aracatiense contemporânea. O jornal passaria a integrar as ações do Grupo Lua Cheia de Teatro, fundado naquele mesmo ano, e passaria a configurar-se posteriormente como projeto editorial para a divulgação da literatura, cultura e história aracatienses. A última edição de Poetossíntese ocorreu no ano de 2004. O jornal contabilizou vinte e oito edições em suportes diversos dos quais vinte e sete publicações em meio impresso e uma em formato digital. O Grupo Lua Cheia, ainda, editou e publicou os seguintes livros: Coletânea Poetossíntese (1996); Coisas Velhas Saídas da Beira do Túmulo do poeta Raimundo Herculano de Moura (2002). 

 
A ampla atuação do grupo em torno da literatura fez surgir, em 2006, o selo editorial Terra Aracatiense que publicou em sua estreia o Caderno de Literatura Poetossíntese (2006) e, posteriormente, as seguintes obras: Ponte Presidente Juscelino Kubitschek do escritor Antero Pereira Filho (2009); Aracaty do poeta e dramaturgo Marciano Ponciano (2010); Água Poética de Beber do poeta João Manuel de Lima (2010); A maçonaria em Aracati (1920-1949) do escritor Antero Pereira Filho (2010). 

 
Século XXI: literatura aracatiense no universo on-line 

 
Grupo Lua Cheia cria, em 2008, em sua página na internet, a sessão Poetossíntese a fim de dar continuidade ao trabalho iniciado em 1990 com a publicação do jornal Poetossíntese. Constam nessa publicação os seguintes poetas e escritores: Adolfo Caminha, Antônio da Rocha Guimarães, Apoena Reis, Arnaldo Lima, Beni Carvalho, Célia Bernardo, Dideus Sales, Domingos Sávio, Eduardo Dias, Emília Freitas, Erivando Braga, Francisca Clotilde, Francisco G. de Moura, Francisco M. de Souza, Henrique Musashi, Jairo R. Monteiro, Jefferson Nogueira, Jéssica Sombra de França, Jhonnatha Nunes, José Maria de Oliveira, Júlio César da Fonseca Filho, Manuel Lima, Marciano Ponciano, Marcos Ponciano Jr.; Marly Correia, Mirella Costa, Moacir Morran, Paula Nei, Paulo Ceziolli, R. Leontino Filho, Raimundo Herculano de Moura, Roberto Vieira, Rosângela Ponciano, Socorro Carvalho, Solange Guimarães, Wellington Pinto, Zé Melancia, Holdemar Menezes, Antônio Monteiro, Antero Pereira Filho e Úrsula Garcia. A lista reúne poetas aracatienses do passado e do presente bem como outros poetas que passaram a residir na cidade de Aracati. Trata-se de uma pequena amostragem sobre a vigorosa literatura aracatiense para a qual a cidade e o leitor interessado carecem de informação. 

 
Finalizaremos este texto com o poema do poeta R. Leontino Filho constante em seu livro “Cidade Íntima”: 
"Ah,/ nesta cidade/ sou o apátrida/ o sempre só/ o difícil rasgo matinal./ Cada vez mais/ passeio/ no escuro silêncio/ e encontro-me/ sendo o teu verso/ reverso/ o teu fim". 


Para saber mais acesse: 

Poetossíntese 
https://www.luacheia.art.br/index.php/publicacoes/item/130-caderno-de-literatura-poetossintese  

Jornal Poetossintese 
https://www.luacheia.art.br/index.php/publicacoes/item/132-jornal-poetossintese  

 

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Marciano Ponciano

MARCIANO PONCIANO- Sou natural de Aracati-Ce, terra onde os bons ventos sopram. Na academia da vida constitui-me poeta, realizador de sonhos, encenador de máscaras. Na academia dos saberes acumulados titulei-me professor de Língua Portuguesa e especializei-me em Arte-Educação. O projeto de vida é semear a arte por onde passe: teatro, poesia, artes plásticas- frutos da experiência acumulada em anos dedicados a ser feliz. Quando me perguntam quem sou - ator, poeta, encenador, artista plástico, educador? Afirmo: - Sou poeta!

Publicou:

Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. própria. Aracati-CE. 1996.

Caderno de Literatura Poetossíntese. Coletânea de poemas. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2006.

aracaty. Cadernos de Teatro. Ed. Terra Aracatiense. Aracati-CE. 2010.

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Sobre nós

O Grupo Lua Cheia, com sede na cidade de Aracati-CE, é um coletivo de artistas formado em 1990 com o objetivo de fomentar, divulgar e pesquisar a arte e a cultura.