A cidade de Aracati, segundo a historiadora Maria Edivani Silva Barbosa, cujo apogeu econômico ocorreu entre os séculos XVIII e XIX com o ciclo do gado e do algodão, é um verdadeiro suporte da memória de sua própria história evidente no traçado urbano, templos religiosos, portos, casarões entre outros.
A referência maior deste período é o patrimônio edificado situado à rua Cel. Alexanzito, centro histórico de Aracati. Os casarios são como peças de um museu a céu aberto. Outras evidências históricas podem ser verificadas no acervo do Museu Jaguaribano e de particulares. Mobílias, vestuários, fotografias entre outros objetos constituem um inventário impregnado da memória da cidade dos Bons Ventos e são elementos imprescindíveis para a compreensão da história do Vale Jaguaribano e porque não dizer do Ceará.
Muito embora a relação histórica imediata se dê a partir dos bens materiais e patrimônio edificado da cidade, Aracati se destaca por prover o Brasil de vultos célebres na literatura, política, religião, justiça, medicina etc. fontes ricas para uma visão mais holística. A construção da identidade a partir da ação dos sujeitos e o legado cultural por eles produzidos, em um dado período, pode sofrer perdas irreparáveis em face do descaso para com a memória. Por isso fica evidente relacionar a cidade de Aracati com seu patrimônio edificado, exercício imediato frente à solidez do bem preservado. O mesmo não se pode dizer para com alguns bens culturais imateriais que sucumbiram com o tempo pela falta de zelo e comprometimento das sociedades com a salvaguarda de sua memória e, por conseguinte história. Aracati é uma cidade cujo maior patrimônio é a sua cultura. Um indicador desta afirmação encontra-se em evidências da existência de produções em teatro, música, literatura e artes visuais. Embora muitas dessas obras não tenham chegado até os nossos dias sabemos de sua existência a partir da crônica jornalística, em relatos de viajantes e acervos fotográficos.
Dedicaremos atenção à atividade teatral para a qual há uma farta publicação em periódicos e revistas que evidenciam a existência dessa prática em nossa cidade e por ser presentemente a mais atuante expressão das artes em nossa cidade.
Sobre esta atividade a crônica jornalística nos informa da existência de agremiações dramáticas compostas por moças e rapazes de distintas famílias aracatienses. Apesar das crônicas registrarem apresentações teatrais ainda no século XIX não havia um espaço próprio para essas apresentações. Somente no último decênio do século XIX que a iniciativa da família Figueiredo resolveu o problema construindo um teatro particular denominado Teatro Santo Antônio, com capacidade para trezentas pessoas. O teatro localizava-se na antiga Travessa do Riachuelo esquina com a Rua do Rosário (atual Barão de Messejana esquina com a Cel. Pompeu).
Sobre essas agremiações Antero Pereira Filho nos informa que a partir de 1900 surgiram alguns grupos de teatro e sociedades literárias destacando-se algumas que tiveram projeção no teatro aracatiense durante os anos de 1910 e 1912: A Sociedade Recreio Dramático; Núcleo Recreativo Artur Azevedo. Todos amadores. Estes grupos se apresentavam no teatro Santo Antônio. O autor em seu artigo “O Teatro no Aracati Antigo” destaca ainda, as importantes contribuições do Teatro União, Grêmio Thaliense e dos trabalhos de intelectuais a exemplo da dramaturga, romancista e poetisa Francisca Clotilde e do poeta e médico Eduardo Dias.
O Teatro Santo Antônio teve vida curta e por volta das décadas de 1920/30 foi totalmente desativado. Todavia as atividades teatrais encontraram amparo nas instituições de ensino notadamente Externato Santa Clotilde, dirigido pela escritora Francisca Clotilde, Colégio Marista, Instituto São José e Instituto Waldemar Falcão.
Uma série de fatores não nos deixa perceber os vestígios deixados pela prática teatral, posterior ao ano de 1930, entre eles o fechamento de diversos jornais- muitas vezes únicas fontes sobre as atividades culturais em Aracati.
Somente na década de 1980 passamos a ter notícia da atividade de teatro de grupo na cidade de Aracati, com a fundação do Grupo Teatral Frente Jovem. Naquela época o Teatro Santo Antônio já não existia e, portanto, as encenações ocorriam nos auditórios do Instituto São José, Colégio Marista e Instituto Waldemar Falcão. É preciso reiterar que o teatro sempre foi de interesse destas escolas por seu caráter pedagógico e por dialogar com as práticas destas instituições originalmente europeias. As encenações não cessaram com o fim do Teatro Santo Antônio, todavia se mantiveram a serviço de uma prática pedagógica aliada aos preceitos das citadas instituições. O surgimento do Grupo Teatral Frente Jovem é prova concreta de uma atividade que prioritariamente começou na escola e se expandiu para fora dela adotando novas práticas e abordando novos temas. O citado grupo destacou-se originalmente por seu embate político com a montagem da peça “Aracupira” uma alusão à cidade de Sucupira da obra “O Bem-amado” de Dias Gomes. Todavia o grupo só se notabilizou com a montagem da peça “A paixão de Cristo” que ainda continua em cartaz. A esta retomada somaram-se diversos outros grupos, entre os quais podemos citar: Grupo Lua Cheia, Grupo Dias de Teatro, Teatro de Bonecos Francisca Clotilde, Grupo Teatral Cenas, Calungas do Cumbe, só para citar alguns.
A discussão iniciada pelo jornal “O Aracati” na edição de outubro de 1860, acerca da inexistência de um edifício teatral público e da importância do teatro como instrumento civilizador, somente encontrou força, em 2007, com o Grupo Lua Cheia de Teatro. O grupo conclamou artistas, instituições da sociedade civil, Ministério Público e cidadãos aracatienses para o adiantado estado de arruinamento do Cine-Moderno de Aracati. Naquela época o espaço funcionava como teatro de bonecos e sede do Centro de Arte e Cultura Aracati-CEARCA dirigido pelo artista plástico Hélio Santos. A discussão ansiava tornar o espaço em teatro municipal, debate que encontrou respaldo nas assembleias do Fórum Permanente de Cultura de Aracati em cujas reuniões participaram importantes segmentos da sociedade aracatiense. O movimento logrou êxito e o imóvel foi tornado de utilidade pública pelo decreto 0250/2008; no ano seguinte, a partir do decreto de número 030/2009, o prédio passaria à denominação de Cineteatro Municipal Francisca Clotilde; em 2014 o teatro foi incluído no PAC Cidades Históricas. Atualmente as obras de restauro e requalificação do teatro encontram-se em andamento sob a supervisão do IPHAN.
Este pequeno recorte sobre o teatro não é suficiente pra abarcar toda a história das artes cênicas aracatienses. Trata-se muito mais de uma reflexão sobre o protagonismo de alguns cidadãos que em seu tempo contribuíram para o desenvolvimento local o que pode favorecer uma compreensão mais abrangente sobre a diversidade cultural da cidade de Aracati ao longo de sua história.
Muito em breve Aracati contará com um edifício teatral para confirmar a nota publicada pelo jornal “O Aracati” em 1860: “O teatro é uma escola de civilização, não somos nós os primeiros a dizê-lo. Nele se corrigem os costumes, e se faz nascer no povo o gosto que ameniza o trato e sem o qual não pode haver perfeita sociabilidade. A existência de um teatro convenientemente dirigido é, portanto sempre um benefício, que se faz ao público.”