MARCIANO PONCIANO- Quais são as vocações do Aracati?
RICARDO FREITAS- Aracati é uma cidade histórica que tem esse perfil cultural. Atualmente são muitos os artistas aracatienses que desenvolvem um trabalho fantástico em todos os seguimentos da arte.
MP- É possível ressignificar o carnaval de Aracati?
RF- Certamente. O carnaval de Aracati necessita de mais apoio do poder público municipal e dos comerciantes locais para garantir que isso aconteça. Este ano, os blocos em suas comunidades mostraram a capacidade de desenvolver um trabalho profissional. A qualidade verificada não fica em nada a desejar em relação aos demais municípios do estado do Ceará.
MP- Ator, figurinista, designer... Você se insere em campos de atuação distintos sempre dialogando com a arte. Quais são os desafios nesse exercício de estéticas?
RF- O grande desafio está em conseguir apoio e consequentemente a valorização do trabalho. As pessoas me consideram um artista multimídia exatamente por trabalhar em diversas áreas. Elas sempre dialogam. Eu trabalho com maquiagem, com figurino, com moda, designer, teatro. Essas são experiências que ajudam no contexto geral de meus trabalhos. Essas abordagens trazem consigo a história, a estética; elementos que se apresentam como um diferencial em meus projetos.
MP- Desde quando você desenvolve projetos carnavalescos?
RF- Isto tem início em minha adolescência quando trabalhava com Maria Baia, no Bairro de Fátima. Àquela época participei e contribui com a realização de presépios, pastoril e carnaval. Posteriormente a realização do carnaval de blocos, em Aracati, cessou. Na administração do prefeito José Hamilton houve uma tentativa de resgate dessas manifestações. Com Hélio Santos, Erivando Braga e Betto Lins pude participar da fundação do Bloco Universo Negro. Outro dado relevante foi a minha participação, por seis anos, do Baile da Rainha do Carnaval. Recentemente eu tenho participado junto à comunidade do Bairro Nossa Senhora de Lourdes, que me recebeu de braços abertos.
MP- Há três anos você é carnavalesco no Bloco Os Índios. Dois anos consecutivos, 2015 e 2016, o bloco foi campeão. Relate-nos a experiência de trabalhar junto a uma das mais tradicionais agremiações carnavalescas do Aracati.
RF- Está sendo um momento de muita satisfação. O bairro N.S. de Lourdes apresenta certas carências, mas demonstrou uma abertura para novas ideias. Eles acreditam no projeto e não medem esforços para que tudo seja realizado conforme as ideias apresentadas. Hoje o meu trabalho é reconhecido por esta comunidade. A conquista do bicampeonato veio fortalecer o nosso trabalho.
MP- Quais são os desafios para esse modelo de carnaval?
RF- Os desafios são muitos. A secretaria de Cultura precisa reunir urgentemente as comunidades carnavalescas do Aracati e tratar da legalização dessas agremiações. A conquista de um cadastro nacional de pessoa jurídica poderá ampliar o universo de captação de recursos para a realização desta modalidade carnavalesca. Com ele as agremiações poderão pleitear apoio junto a empresários, instituições de caráter cultural e governos. Creio que outro aspecto relevante seria a criação de um conselho que teria, entre outras competências, a elaboração de normas que possibilitem melhorias para o setor. Ano após ano as agremiações têm crescido e com isso há a necessidade de incrementos no repasse que é feito a cada bloco. O município não tem cumprido com o cronograma de pagamento e isto tem comprometido o resultado final de nossos projetos. São esses pontos que eu destaco. Esse carnaval tem condições de crescer muito mais. Antes os blocos eram compostos por cinquenta integrantes, hoje esse número quadruplicou. A tendência é crescer. Por isso precisamos melhorar o projeto de carnaval do Aracati.
MP- É possível pensar na sustentabilidade do carnaval de Aracati?
RF- Certamente. Este ano, além de minhas atribuições como carnavalesco, trabalhei com Fabiano Gomes na ampliação de nossos apoiadores. Percebi o interesse de muitos empresários em nos apoiar o que acabou não acontecendo porque não temos personalidade jurídica. Ainda assim houve aqueles que sabedores de nosso trabalho junto à comunidade resolveram nos apoiar. Com isso percebi que temos condições de angariar novas fontes e não depender exclusivamente do poder público municipal, que é de extrema importância. A possibilidade de atrair novos apoiadores poderia garantir a profissionalização de um número maior de pessoas. A maioria das pessoas trabalha voluntariamente.
MP- O centro histórico e o carnaval de Aracati: Memória e contemporaneidade. Essa mistura dá samba?
RF- E como dá. Você sabe que todo esse acervo arquitetônico com características do barroco e colonial só valoriza mais ainda este trabalho e emoldura o de carnaval que temos desenvolvido. A cada ano que passa tem ficado mais lindo. Faz-se necessário o melhor aproveitamento do local que pode propiciar novas interações entre os blocos e a Rua Grande.
MP- Como ocorre o envolvimento dos moradores do Bairro Nossa Senhora de Lourdes nas atividades do bloco?
RF- Sempre ao final do ano os dirigentes do bloco e equipe envolvida se reúnem com a comunidade para desenvolver um tema. Nessa oportunidade a comunidade apresenta várias ideias que são apreciadas pelos carnavalescos. Posteriormente a equipe organizadora analisa a viabilidade das sugestões. Após essa avaliação a equipe de arte começa a desenvolver um tema específico. O projeto elaborado é, posteriormente, apresentado à comunidade que interage em outras frentes de trabalho, como o reaproveitamento de materiais. O recurso que recebemos, hoje, banca apenas 50% do projeto original. O trabalho só é possível porque a comunidade participa ativamente.
MP- Fale-nos do tema desenvolvido este ano pelos Índios.
RF- O tema “Eterna Chica de Treze” foi uma unanimidade. Havia uma integrante do bloco chamada Chica de Treze. Ela foi uma das fundadoras do bloco dos Índios e saía sempre na ala das baianas. Para homenageá-la criamos alas que apresentavam a comunidade em que ela viveu. O mercado público, local em que trabalhava. Sobre esse aspecto criamos uma ala homenageando os comerciantes Zé Preto e Tantico dos Tecidos. Destacamos os nomes atribuídos à comunidade: Rua dos Canecos, Inferninho e N.S. de Lourdes. Abordamos a presença fraterna dessa senhora e seu gesto de caridade com os menos favorecidos da comunidade. Ela era uma pessoa muito amorosa, era extrovertida. Nos ensaios, embora com a idade bem avançada, ela sempre ensaiava na ala das baianas. Fazia questão de prestar reverências a Mãe Tutu, uma figura do candomblé, e a N.S. de Lourdes.