MP- Foi na escola que Netinho Ponciano começou a vivenciar a música com um grupo de músicos?
NP- Quem me chamou para participar desse grupo musical, no Colégio Marista, foi Irani (José Irani Ponciano do Nascimento). Mas foi muito difícil, eu tinha apenas doze anos de idade e uma timidez danada. Pra eu sentar pra tocar um instrumento... era uma dificuldade. O Ir. Gonzaga foi uma pessoa que me deu uma força muito grande e... eu comecei lá, tocando bateria, em 1966 no conjunto GIMARA. Depois esse grupo mudou o nome para Os Águias e foi se estabelecer em Fortaleza com Irani, Joãozito (João Cosme do Nascimento) e Francisco Eugênio. Os que ficaram em Aracati formaram o Grupo Os Espaciais.
MP- A região da Coluna, onde você nasceu, sempre teve uma atividade cultural muito forte. Como foi a infância de Netinho Ponciano?
NP- A minha família sempre morou próximo ao Clube 7 de Setembro que também ficava próximo aos locais onde os circos se instalavam- tanto na praça da Coluna como nas proximidades do INSS. Ver aquilo era muito interessante! Eu comecei tocando numa bateria de lata e, toda vez que montavam um circo em Aracati, fosse no largo do INSS ou na Coluna, eu montava o meu circo em casa. Ivanise (Ivanise Ponciano Virginio) me ajudava a montar o circo só pra eu bater nas latas. Eu cresci ouvindo os músicos mais antigos Chiquim de Eurípedes, Pedro Quenga, Chico do Tuba, Tio Bruno, Bastiãozinho. E no circo de brinquedo- era uma coisa interessante- eu imitava sempre o trombone de Pedrinho Quenga. Certamente, Pedrinho foi o músico que mais me influenciou. Atualmente, em trabalhos que desenvolvo com arranjos e edição musical, toda vez que eu executo alguma coisa com trombone é como se fosse ele tocando. Eu tenho na mente como ele tocava.
MP- Como era o perfil das festas em sua infância?
NP- Naquele período a gente não tinha acesso às festas. Eu escutava lá de fora. A gente escutava ali, da calçada. E era tão interessante... não havia equipamento de som. Basicamente só se escutava o som dos instrumentos e de fora o arrastado dos pés das pessoas como se fosse uma percussão, como se fosse um ganzá. Ao longe você escutava aquele arrastado de pés.
MP- Como foi o início de sua carreira musical?
NP- Não foi fácil, não. A minha família no início apoiava, achava interessante meu trabalho com música, mas sempre queria que eu fosse pro outro lado. Principalmente pro lado de uma condição de vida melhor, mas o pessoal terminou cedendo e hoje me apoia e está tudo bem.
MP- Quando é que Netinho passa a trabalhar profissionalmente na música?
NP- Isso passou a ocorrer no Grupo Os Espaciais. Porque no período do Grupo Gimara e Os Águias não se ganhava nada. Tocava-se em inaugurações, nos eventos do Colégio Marista, mas a gente não ganhava nada por isso. A partir do momento que a banda Os Espaciais se desvinculou do colégio Marista passamos a cobrar e a ganhar pelo nosso trabalho.
MP- Onde ocorriam essas apresentações?
NP- Ocorriam no Clube 7 de Setembro, no Clube da Juventude e no Aracati Club.
MP- Esse trabalho teve aceitação?
NP- No início foi muito complicado.
MP- Por quê?
NP- Não foi fácil. No início dos Espaciais a gente teve de levar instrumento na cabeça pra tocar de graça, pra mostrar o nosso trabalho. Os grupos, os músicos mais antigos, eles tocavam para o público deles. O nosso público era outro. E quando a gente tocava pra esse público era comum ouvir: “Pô esse pessoal só faz zoada!”
MP- Esses grupos tinham a mesma formação musical da Banda Os Espaciais?
NP- Não. Era um grupo mais instrumental. Não tinha nem cantor. Era só no metal. Era um grupo que tocava bolero, choro, samba, mambo.
MP- E vocês apresentavam que repertório?
NP- A gente trazia o repertório da Jovem Guarda, um repertório mais moderno. Era um choque cultural. Era muito complicado. Mas a gente conseguiu, com toda a dificuldade, a gente conseguiu. Uma vez pedimos para tocar no Clube 7 de Setembro. Quem estava se apresentando naquela oportunidade era Chiquim, Tio Bruno e tal. Conseguimos espaço e tocamos por quarenta minutos. Havia uma divisão no 7 de Setembro. A gente estava tocando lá no palco para uma plateia, quando o nosso público, o jovem, estava do outro lado do muro.
MP- O grupo Os Espaciais conseguiu se consolidar, conseguiu espaço e tornou-se um fenômeno. O grupo que foi influenciado pela velha guarda musical passou a influenciar outros músicos. Os Espaciais acabou se tornando uma escola de formação musical. Você considera que Os Espaciais teve essa importância?
NP- Os Espaciais representou para o Aracati o que a Banda Renato e Seus Blue Caps representou para o Brasil. Interessante a influência que Os Espaciais teve em outros grupos musicais a exemplo da Banda Plêiades. Eu acredito que todo esse movimento musical que existe hoje teve como base a musicalidade dos Espaciais. Juscelino gosta de dizer isso: “Eu toquei no Alta Tensão, no Plêiades, mas a minha faculdade de música foi nos Espaciais.” Ele sempre diz isso: “Eu estudei o primário, estudei o ginasial, mas a minha faculdade de música foi nos Espaciais”. É muito interessante isso...
MP- Num dado momento Os Espaciais muda de conceito, passa a participar de um novo projeto, grava um CD, tenta se inserir no mercado do forró e posteriormente deixa de existir como banda baile. Como foi perceber o desenrolar desses fatos.
NP- Quando Crisanto Damasceno comprou Os Espaciais, em 1997, muita gente dizia “tem que entrar no ramo do forró, porque é moda, tem que botar uma sanfona“, aquele negócio todo. Muita gente achava interessante e nós entramos nesse meio. As pessoas que viram o grupo tocar achavam que não era Os Espaciais. Porque a gente perdeu totalmente a nossa identidade. Aqueles grupos de baile daquela época, hoje a gente olha pra história e vê, não existem mais. O que aconteceu aqui, em Aracati, aconteceu em todo canto.
MP- Em determinado momento o músico da banda baile passa a se dedicar ao estudo da música instrumental para violão. Você teve iniciação na música como baterista como se deu a passagem para o violão?
NP- A história do violão, é muito interessante, foi até antes da bateria. Eu devia ter mais ou menos nove anos de idade e já batia na lata nessa época. Eu recebi um presente de Papai Noel um violão pequeno, de plástico. E foi com esse violão que eu descobri os sons, a altura das notas. Nesse período, em Aracati, não havia luz elétrica à noite e a gente dormia cedo. Eu dormia toda noite abraçado a esse instrumento, tocando, fazendo sons. A partir daí eu procurei descobrir a altura das notas e identificar os sons. Eu não fazia harmonia, pois se tratava de um violão muito limitado. Eu afinava duas cordas do instrumento de brinquedo que só vim saber que estavam afinadas quando eu entrei no conjunto GIMARA. Por curiosidade, na guitarra, eu batia na primeira e na segunda corda, no mi e no si, eu sentia que aquela mesma nota que estava dando acolá era a mesma das cordas do meu violãozinho. Eu solava músicas e as pessoas entendiam: “olha ele está tocando isso.” Depois é que eu ingressei como baterista. Quando o conjunto Os Águias foi para Fortaleza a gente montou a banda Os Espaciais e não tinha guitarrista. Minha avó me deu um violão Gianinni de presente em 1968. Eu estava aprendendo violão, estava tendo umas aulas com Maria Helena. Os músicos dos Espaciais queriam que eu tocasse guitarra e eu não, pois já tinha um trabalho como baterista, já tocava, já tinha um início. De repente você parar e começar uma coisa do zero era meio complicado. Mas terminei aceitando. Essa coisa do violão clássico, do estudo aprofundado do violão, eu sempre tive vontade de estudar de me aprofundar, não de estudar em conservatório nem em faculdade porque não dava mais. Mas eu tinha aquela vontade de aprender a tocar, de ler uma partitura. Em 1975, após uma cirurgia de apêndice, eu passei por um problema de saúde muito sério ocasionado por uma infecção, puxa vida! Eu tinha quantos anos! Pensei em não me preocupar com aquilo. O que eu faço aqui já dá pro gasto- pensava. Quando eu me vi naquela situação percebi uma oportunidade de recomeço. Eu decidi estudar. No dia que eu retornei pra casa, fui procurar partituras pra começar a estudar. E a minha primeira influência na música, o primeiro material que eu consegui foi do violonista Nonato Luiz. Eu estudei todo esse material. Se não fosse esse episódio de minha vida talvez não tivesse acontecido nada disso.
MP- A música está presente em sua vida em momentos muito fortes, em momentos muito importantes. Na infância como brincadeira, como brinquedo, depois inserido no universo escolar, posteriormente como um trabalho mais apurado, em seguida como músico de banda baile. Após essa trajetória você volta às suas origens: o violão.
NP- Outra coisa muito importante que eu não posso deixar de relatar foi a minha participação na banda de músicos Jacques Klein. Eu participei da banda em 1978, juntamente com outros dezoito músicos da primeira formação da banda. Posso afirmar que fui um de seus cofundadores. Ela foi fundada no dia 7 de setembro de 1978 e eu estava lá tocando o meu bombardino. Eu atuei na banda de 1978 a 1982 ano que tive que deixar a banda para trabalhar no BANCESA. Eu trabalhava no BANCESA e nos Espaciais. No BANCESA eu fiquei até 1986.
MP- Pra você a música nunca é um motivo de vaidade. Ela é tão natural que chega a ser inerente à sua pessoa. Como uma extensão da tua existência, uma extensão do teu corpo. Eu queria que você falasse de seu trabalho com o violão clássico.
NP- Eu estudava as músicas do Nonato, portanto achei importante fazer um registro desse trabalho. Até para não esquecer o que havia aprendido. Eu dei início a uns projetos que deixei pela metade. Eu tinha um plano de fazer um trabalho só com Nonato Luiz, fiz umas seis músicas e parei. Outro projeto envolvia as composições do grande violonista Baden Powell. Era um trabalho só com música instrumental, músicas que ele compôs especialmente para o violão. Eu fiz umas seis músicas, também, e parei. Todo esse trabalho é muito simples, feito em casa com o objetivo só de registrar e compartilhar com os amigos.
MP- Fale-nos do projeto que você desenvolve em parceria com o escritor Antero Pereira Filho.
NP- Anterinho me falou que tinha um material, fruto de registros de campanhas políticas, um material há muito guardado. Fui convidado para fazer o arranjo para as melodias e gravar esse material. Trata-se de um trabalho que requer muito de mim, pois muitas das músicas estavam apenas no papel e outras a melodia quase não se percebia dada a precariedade do registro e limitações técnicas da época em que foram gravadas. Antero está escrevendo um trabalho sobre a política em Aracati com um recorte que compreende as décadas de 1950 a 2000. Coube a mim a parte musical.
Discografia
Netinho Ponciano. Netinho Ponciano. Aracati, 2006.
Netinho Ponciano. O Sonho. Aracati, 2007.
Netinho Ponciano. Bruno Sebastião. Aracati, 2010.
Netinho Ponciano. Frevos. Aracati, 2012.
Entrevista cedida por Netinho Ponciano a Marciano Ponciano em 23 de outubro de 2015.